A geração Bataclan

Trata-se, antes, de uma geração maciçamente urbanizada, constituída de distintas etnias e nacionalidades, cosmopolita, aberta ao que chega dos quatro cantos do planeta e à diversidade. Tolera, convive e mistura-se com outros rostos, outros povos, outras culturas – permeável a novos valores e novas ideias.

Por Alfredo J. Gonçalves

Tem em comum a juventude e a jovialidade exuberantes, em plena flor, ao lado de uma enorme vontade de divertir-se. Em lugar de arquitetar planos de médio e longo prazo, procura viver de forma intensa e total o presente, desfrutar tudo o que contém o “aqui e agora”. Consciente ou não, recicla o carpe diem. Estabelece relacionamentos, sem dúvida, mas em geral evita fazê-lo de forma duradoura ou comprometedora. Melhor estar livre para eventuais e inesperadas oportunidades.

juventudeantenada1Muitos a batizam como “geração dos botões”, “geração.com” ou “geração online”. Junto com os primeiros passos e as primeiras palavras, familiarizam-se rápida e facilmente com os aparelhos eletrônicos, absorvem de imediato as inovações tecnológicas da informática, e passam horas navegando diariamente pelo oceano ilimitado da Internet. Não ignoram os embates e dificuldades do mundo real. Às vezes até os sofrem de modo mais vívido, amargo e agudo. Mas são, antes de tudo, cidadãos de uma pátria virtual e sem limites.

Daí seu pouco engajamento em um patriotismo exacerbado ou em um nacionalismo a ser defendido com unhas e dentes. Nada disso! Trata-se, antes, de uma geração maciçamente urbanizada, constituída de distintas etnias e nacionalidades, cosmopolita, aberta ao que chega dos quatro cantos do planeta e à diversidade. Tolera, convive e mistura-se com outros rostos, outros povos, outras culturas – permeável a novos valores e novas ideias. Além da pátria virtual em comum, pouco a pouco erguem as bases de uma conviabilidade plural, flexível, leve, mesclada e ansiosa por novas descobertas.

Simboliza tudo o que não pode suportar o fanatismo e o rigorismo ético-religioso! O fundamentalismo ou totalitarismo, político, ideológico ou religioso, se nutre de duas ou três “verdades absolutas”. A partir destas, com o dedo em riste e a língua cortante como faca afiada – quando não com punhos, gritos e armas – passa a aniquilar toda e qualquer forma de crítica, interpretação ou visão diversificada. Cultiva um ódio visceral ao pensamento livre e aberto, bem como à variedade de costumes e modos de ser. Interna e externamente, o uniforme, a disciplina e a rigidez militar são-lhe marcas registradas. Idolatra um deus igualmente rígido, pesado, inflexível e implacável no julgamento. O outro, o diferente e o estranho é por princípio “infiel” e deve ser pura e simplesmente eliminado.

O encontro informal, a diversão sadia e saudável, o prazer de estar juntos; a música, a luz e a dança; a descontração e o jogo entre os sexos – tudo isso está definitivamente proibido. Não o tolera o deus juiz, sério e sisudo, isolado e intratável, distante mas vigilante. De seu tribunal celeste, em lugar de amor e misericórdia, emana uma série de “nãos”, interditos à alegria e à convivência solidária, amiga, humana e fraterna. Daí a “ordem” irrevogável de acabar com essa algazarra do “Bataclan”, ao mesmo tempo lugar e símbolo da cidadania sem fronteiras de uma sociedade multicultural e pluriétnica.

Certo, à “geração bataclan” falta talvez o confronto recíproco entre distintas visões de mundo. Falta o diálogo lento, difícil e laborioso com outros saberes. Mas pelo menos mantém uma convivência pacífica com outros credos, bandeiras e línguas, rompendo barreiras históricos. Diferentemente da juventude das décadas de 1960, 70 e 80, embalada pelo rock and roll e pelas revoluções – a atual cultiva pouco os ideais de ordem social, política ou ideológica. Prefere as campanhas humanitárias de curto prazo, imediatas e iluminadas por uma chama viva, súbita e forte, mas que tende a extinguir-se com igual rapidez. Geração solidária e entusiasmada, com a marca da juventude, mas alheia a laços eternos.

Certamente tem algo a ver com o que Bauman chama de “modernidade líquida” ou o que Lepovietsky denomina “império de efêmero”. Tudo que líquido e efêmero, porém, tem seu lado positivo: descortina horizontes inéditos em direção a um novo conceito de pátria e de cidadania.

*Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos.

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