Meios de comunicação: A metamorfose

Mario Lubetkin *

As grandes depressões mundiais, como a atual, desencadeiam um efeito dominó, afetam quase todas as atividades econômicas e sociais. Mas a atenção dos meios de comunicação se concentra sobre algumas de suas múltiplas e contínuas manifestações, as que estremecem os centros de poder, enquanto se interessam pouco ou nada pela periferia, onde a pobreza agravada pela crise causa as mais dramáticas consequências. Vemos isso dia a dia há mais de um ano.

As primeiras páginas informam sobre os milhares de milhões de dólares que os países desenvolvidos destinam para ajudar in extremis seus grandes bancos, sobre as reuniões e os debates nas capitais do Norte para discutir a crise, o aumento do desemprego e a queda do crescimento nos países industrializados. As informações sobre o sistema financeiro e a recessão nos restantes dois terços do planeta não merecem mais do que citações escassas e fragmentárias.

Este tratamento desigual da informação que privilegia o Norte e esquece o Sul não é uma novidade, mas fica evidente em meio à crise econômica, quando é maior a necessidade de a opinião pública conhecer a situação nos países em desenvolvimento e possa apoiar as políticas de cooperação econômica internacional.

Isto ocorre enquanto uma transformação tem lugar nos meios de comunicação, que afeta particularmente a imprensa diária e reduz progressivamente o espaço que a mídia destina à informação internacional e a temas globais “pouco vendáveis”, como pobreza, mudança climática, crescimento sustentável, direitos humanos, democratização e segurança entendida como solução pacífica dos conflitos, desarmamento e não proliferação nuclear.

Enquanto a depressão, embora profunda, é necessariamente passageira e cedo ou tarde dará lugar a um período de crescimento econômico, a transformação dos meios de comunicação é estrutural e, portanto, a tendência a reduzir a cobertura da informação internacional e dos assuntos globais parece destinada a se estender.

Este processo adverso à tradicional imprensa escrita – jornais diários, revistas e outros periódicos – começa com a competição que surge com a televisão, depois da II Guerra Mundial, seguida mais recentemente pelo acesso gratuito via Internet às próprias edições eletrônicas e às da concorrência, o que se soma ao surgimento de mídias escritas e eletrônicas gratuitas financiadas apenas pela publicidade. Tudo isso impulsiona a emigração de grande parte da publicidade para as novas mídias com a conseqüente tendência ao desequilíbrio financeiro dos meios tradicionais.

O que está ocorrendo nos Estados Unidos é significativo. Nos últimos dois anos, o número de leitores norte-americanos de informações on line cresceu 19%, enquanto, apenas em 2008, os leitores dos 50 maiores sites aumentaram 27%. Este dado nos mostra a passagem dos leitores da mídia escrita para a eletrônica, embora uma parte deles não deixe de comprar um jornal para ler a sua versão on line. Paralelamente, a publicidade que abandonou os meios impressos é muito superior à que se voltou para suas versões eletrônicas gratuitas e a esse déficit se acrescenta a sensível redução da venda de jornais.

Ainda hoje, nos Estados Unidos, a tiragem total de jornais impressos chega a 48 milhões e muitos deles continuam tendo lucro. Mas, nos dois últimos anos, a renda caiu 23%. Para sobreviver – já que alguns quebraram e outros estão balançando – os meios reduzem suas redações, fecham escritórios no exterior, embargam parte de suas propriedades, limitam-se a versões virtuais e/ou diminuem o número de páginas. Estima-se que o setor jornalístico norte-americano tenha sofrido redução de 10% no ano passado e que, entre 2001 e o final deste ano, a perda de emprego no jornalismo chegará a 25%.

Tudo isto explica a propalada previsão de que em um futuro próximo poderá desaparecer a edição impressa de um jornal como o New York Times – que arrasta uma dívida de US$ 400 milhões – e sobreviver apenas sua versão eletrônica. Trata-se de um dilema, já que, com a renda da versão on line, o Times poderia manter apenas 20% de seu pessoal jornalístico atual. Estamos diante de um processo complexo e contrastante que somente em parte poderá atenuar a inversão do ciclo econômico. Por isso, preocupam os efeitos negativos sobre a informação dos temas de desenvolvimento.

A mídia que os focaliza, sejam tradicional ou nova, se caracteriza pela dispersão. Tem dificuldades para centralizar suas mensagens, ao contrário das multinacionais das comunicações, que impõem seus temas na agenda informativa internacional. Um dos passos que podem dar esses meios é organizar um sistema de intercâmbio (semelhante ao de algumas redes de grandes jornais) sobre os temas de desenvolvimento, combinando e compartilhando informações especializadas e profissionais. Contudo, falta muito mais para fazer frente a estas tendências.

Enfrentar esta situação não é apenas um problema dos comunicadores. Nesta batalha devem participar a sociedade civil, ator dinâmico e consumidor desta informação, os círculos acadêmicos, que devem formar os profissionais para enfrentar esta árdua etapa, e para isso devem aumentar sua capacidade de investigação, a fim de compreender e saber responder aos novos desafios, e, naturalmente, os comunicadores do Norte e do Sul, que têm um vasto terreno para incentivar a cooperação recíproca.

(*) Mario Lubetkin é diretor-geral da agência de noticias Inter Press Service (IPS).
Fonte: IPS/Envolverde

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