De qual crise estamos falando?

A maior crise no Brasil é a da ignorância.

Por Roberto Malvezzi (Gogó) *
Foto: Divulgação

blindfolded-peopleToda crise precisa ser interpretada, seja nos seus fundamentos, seja nas suas consequências. Nelas há sempre quem ganha e quem perde. Um consenso entre os grandes pensadores modernos - incluindo o papa Francisco - é que atravessamos uma “crise de civilização”. Ela atinge todas as dimensões da realidade, desde a política, econômica, ética e vai até a ambiental. Com o avanço da técnica e da ciência, não sabemos como será a humanidade desse final de século e muito menos como será o planeta no qual habitamos.

Entretanto, a chamada “crise brasileira” atual é imediata e precisa ser compreendida em todas as suas dimensões para não incorrermos em erros de avaliação que favorecem exatamente os já aquinhoados desse país.

Aqui pelo sertão há 35 anos, a gente acaba aprendendo a linguagem do povo, particularmente a população rural do nosso imenso semiárido. Na década de 80 do século passado, quando o povo citava a expressão “crise”, era para dizer que havia fome, sede, miséria. A consequência era a migração, os saques, quando não a imensa mortalidade de crianças e até adultos.

Preço a pagar

Para aqueles que estão desempregados, a crise é uma realidade. Mas, os 7,6% de desempregados da população economicamente ativa estão longe dos 12% dos tempos de Fernando Henrique. A inflação que passou de 6,5% para 9,5% ao ano é um problema para todos, mas não como no tempo de Sarney, cuja inflação era 13% ao dia. E os econometristas do mercado dizem que ela estará em torno de 5,5% no ano que vem. A crise do dólar afeta alguns produtos importados, talvez a viagem de muita gente ao exterior, mas em grande parte é jogo da especulação dos mercados. As recessões serão inevitáveis enquanto esse país depender da exportação de matérias primas como minério de ferro, soja e mais meia dúzia de commodities.

Por aqui ainda não voltou a fome, a sede e a miséria. Portanto, nosso povo simples fica com um sorriso estranho quando se fala em crise. A casa continua lá, a cisterna, a energia, a comida. Os especuladores - juros básicos de 14,5% ao ano - estão surfando na fantástica onda da crise. Portanto, há quem ganhe - e muito - com a tal crise real e a forjada. Também é o pretexto para mexer em direitos trabalhistas, previdenciários e “reformas” em cima de quem trabalha.

É o preço que pagamos por não ter sido feita a reforma política, a tributária, a do judiciário, a educacional, sem falar na reforma agrária, no saneamento básico e mudança da matriz energética. É um absurdo que um país energético como esse – ventos, sol etc. – tenha que sofrer aumento de preços em função do alto custo da energia.

Há dez anos nos diziam que a energia eólica era economicamente inviável. Hoje já responde por 30% da energia nordestina e já é a segunda mais barata do Brasil. E nem precisava confiscar terras de comunidades, derrubar topos de morros, ou enfeiar paisagens paradisíacas. Hoje continuam recitando a mesma ladainha em relação à solar. Daqui alguns anos fará parte integrada e importante de nossa matriz energética. Se for descentralizada, gerará renda para as famílias, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida aqui de Juazeiro.

Agora, se a falta de água e a degradação dos solos continuarem se aprofundando e se expandindo, em razão do desmatamento, então iremos cavando uma crise verdadeira e sem retorno.

* Roberto Malvezzi (Gogó) é agente da Comissão Pastoral da Terra, Juazeiro, BA.

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