Os gigantes e a ilha

Selvino Heck *

O que um gigante pode ou vários gigantes podem e uma ilha não pode? Ou, quem sabe, ela pode tanto ou mais que os gigantes?

Os gigantes são gigantes. Estados Unidos da América (EUA): 9 milhões de Km2, 313 milhões de habitantes. Canadá, quase 10 milhões de km2, 33,5 milhões de habitantes. Brasil, 8,5 milhões de km2, 200 milhões dehabitantes (e ainda poderia citar México, Colômbia, Argentina).

A ilha, Cuba, tem 110 mil km2, 11 milhões de habitantes. Um termo de comparação:meu Estado de origem, Rio Grande do Sul, tem 282 mil km2 e 11 milhões dehabitantes.

A manchete de um grande jornal (como sempre, preconceituosa): "Cuba (em queda) libre" (Folha de São Paulo, 24/07/15, Esporte). E o texto da matéria: "A ilha que virou potência esportiva nas últimas quatro décadas vai, pela primeira vez desde 1967, ficar fora das duas primeiras colocações do quadro de medalhas do PAN. Nas últimas 11 edições dos Jogos, Cuba foi vice dez vezes e campeã em Havana/1991."

Vamos olhar os resultados finais dos Jogos Panamericanos realizados no Canadá. Em primeiro, EUA: 103 medalhas de ouro, 265 no total. Segundo, Canadá, o anfitrião: 78 deouro, 217 no total.Terceiro, Brasil, país-sede das Olimpíadas em 2016: 41 de ouro, 141 no total.Quarto, Cuba: 36 de ouro, 96 no total.

É ilha, é pequena, separada de todos e do mundo pelo mar, 110 mil km2, 11 milhões de habitantes. Chegou em quarto lugar, à frente de Colômbia, México, Argentina, não muito atrás do gigante Brasil, que vai sediar as Olimpíadas em 2016.Não é um milagre, depois de ter chegado por quatro décadas sempre em segundo lugar e ser uma vez campeã de medalhas nos Jogos Panamericanos? Ou háalgum problema em estar em quarto, atrás de três gigantes?

O que explica estes resultados fantásticos ao longo do tempo? É porque na pequena ilha esporte, educação e saúde são absoluta prioridade.

Os resultados de Cuba no esporte estão à vista no número de medalhas neste Panamericano e nas últimas quatro décadas. Tem mais. Cuba é o primeiro país a receber o certificado oficial de eliminação da transmissão do HIV de mãe para filho,bem como da sífilis congênita, certificado recebido por Cuba em 2015 da OMS (Organização Mundial da Saúde).Disse Clarissa Etienne, Diretora da OPS (Organização Panamericana de Saúde):

"Foi vencida uma grande batalha na luta contra a AIDS. Representa grande passo para Cuba rumo a uma geração livre de AIDS."

Segundo o ministro da Saúde cubano, Roberto Morales Ojeda, "Cuba conta com um serviço público de saúde gratuito, acessível, regionalizado, integral e sem discriminação, baseado nos cuidados primários de saúde, com vontade política e participação das comunidades nos programas de atendimento e prevenção".

Cuba cuida tanto da saúde de sua população que é capaz de cuidar da saúde dos outros. Faz décadas que médicos cubanos cuidam da saúde dos africanos. E agora médicos cubanos cuidam da saúde dos brasileiros no programa Mais Médicos, já que os médicos e o sistema de saúde brasileiro não conseguem fazê-lo sem ajuda externa.

Outro termo de comparação. A taxa de alfabetização em Cuba é de 99,8%. Já no gigante Brasil, mesmo com todos os esforços dos últimos anos...

Os gigantes que são gigantes fazem pouco ante uma ilha que há mais de cinquenta anos sofre o embargo econômico americano, ainda em vigor, mesmocom oreatamentodas relações diplomáticas entre Cuba e EUA, as Embaixadas sendo reabertas.

Esporte, saúde e educação se complementam. Um explica o resultado dos outros. E explicam porque durante quarenta anos Cuba chegou sempre em segundo nos Jogos Panamericanos, uma vez em primeiro. Em 2015, no meio da crise do mundo, chegou em quarto, atrás dos poderosos e gigantes Estados Unidos da América, do anfitrião Canadá e do Brasil, que está se preparando para as Olimpíadas.

A ilha continua dando lições para o mundo. Seu povo é ‘libre' do analfabetismo, é ‘libre' na saúde e no esporte segue dando de goleada. Um povo livre e soberano.

* Selvino Heck, assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.

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