Líderes de várias crenças se reúnem para superar intolerância religiosa

Por Marcela Belchior

"Temos o direito a sermos iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a sermos diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza", defende o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em seu livro "Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural". A partir desta premissa, representantes de várias religiões e doutrinas religiosas se reuniram para buscarem caminhos rumo à superação da repressão de crenças, durante o I Encontro "Fortaleza contra a intolerância religiosa", realizado dia 31 de julho na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza [Estado do Ceará].

"A sociedade brasileira só vai deixar de ser intolerante quando a gente compreender que somos seres diversos", afirma Kelma de Iemanjá, representante da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro). "Infelizmente, nós vivemos em uma sociedade apartada, fragmentada, segregativa, que exclui - e exclui, principalmente, nós, o povo de terreiro".

Kelma pontua a necessidade da sociedade de se desnudar de seus preconceitos e atuar de forma respeitosa e pacífica com relação às diferenças religiosas. "A gente não vai deixar de usar o pano na cabeça, não vai deixar de ir à Festa de Iemanjá porque as pessoas se incomodam com a maneira como eu me visto ou como eu professo a minha fé", afirma. "O Estado brasileiro, na lei, é laico. Mas, na prática cotidiana, nas políticas públicas, o Estado brasileiro não é laico, porque, na hora de apoiar a Festa de Iemanjá, ele apoia com coisa pouca, diante das festas grandiosas que a gente tem, apoiando vários outros formatos [de celebrações religiosas]", critica a umbandista.

Para Parama Karuna, presidente da Sociedade Internacional para a Consciência Krishna no Ceará, é preciso um exercício de alteridade. "É importante que todos tenham o direito à livre escolha, mas que essa escolha seja feita com o sentimento e o cuidado com o outro", explica. "Não importa qual seja a nossa linha de pensamento, nós podemos entender a importância do outro. E também das pessoas que decidem não seguir nenhum caminho religioso", observa.

Nesse contexto, Aníbal Jorge, representante do Grupo Espírita Paulo Estevão, em Fortaleza, destaca ainda o respeito ao agnóstico. "Já participei de alguns eventos ecumênicos e isto é importante, socialmente falando, porque somos indivíduos, mas não deixamos de ser seres plurais. (...) Vamos encontrar também muitas pessoas que não acreditam em uma divindade, mas, como seres humanos, podemos identificá-los pela sua bondade, comportamento, postura, pensamentos. Às vezes, está muito mais evoluído e consegue ajudar muito mais pessoas", enfatiza.

Adepto do movimento Hare Krishna, Parama Karuna ressalta a importância da alteridade nas religiões. Foto: Queiroz Neto.

Coordenadora de Educação em Direitos Humanos de Fortaleza, Eunice Siebra, comenta a importância do encontro. "Este momento simboliza paz, diálogo e reflexão. O intuito não é debater sobre as religiões, mas firmar um pacto coletivo, de respeito à prática religiosa, à liberdade de culto e a não seguir religiões. É um encontro que visa a promover a discussão e o pacto nas práticas de cidadania", afirma.

Já Allan Damasceno, coordenador da Promoção e Difusão da Cidadania e Direitos Humanos de Fortaleza, explica que o objetivo do encontro vem no contexto de resgatar uma dívida com aqueles que sentem seus direitos violados, pautando a ética, orientando-os sobre os seus direitos. "Ir na contramão do fundamentalismo religioso, do preconceito e intolerância. Fortaleza optou pelos direitos humanos", disse.

O evento foi realizado pela Prefeitura de Fortaleza, através da Coordenadoria Especial da Igualdade Racial da SCDH, em parceria com a União Espírita Cearense de Umbanda, Instituto de Difusão da Cultura Afro-Brasileira, Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB/CE).

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