Bispo Jean-Paul Vesco: "os divorciados e recasados não deveriam ser uma preocupação para a Igreja"

Bruno Bouvet e Céline Hoyeau

Na sua publicação do livro, "Todo o amor verdadeiro é indissolúvel", o bispo de Orã (cidade litorânea de Argélia), dom Jean-Paul Vesco, afirma que a igreja pode mudar normas sobre os divorciados e recasados, sem mexer com a doutrina da indissolubilidade do matrimônio, o que pode até dar-lhe maior importância.

São raros os bispos que decidiram trazer a público contribuições para o debate que o papa Francisco abriu, no intervalo dos dois Sínodos sobre a família. Entrevistamos dom Jean-Paul Vesvo.

Por que escrever um livro sobre este tema dos recasados?

Dom Jean-Paul Vesco responde: As normas da igreja sobre esse tema me tocam profundamente e, pra dizer a verdade, causam em mim até uma certa indignação porque, depois de tanto tempo, olhando para os sofrimentos inúteis de tantas pessoas, vejo que não há nenhuma compreensão da situação pessoal de cada caso.

Eu também sofro com o mal que recai sobre a igreja, porque ela segura a norma, baseada no evitar o contra testemunho. Na minha opinião, não se trata de colocar em discussão a indissolubilidade do sacramento do matrimônio. Ele á a mais alta realização do projeto de Deus sobre o homem e a mulher.

Compreendo, entretanto, que a doutrina clássica sobre o matrimônio tenha outras normas para os casos de novo casamento. A norma atual que impede o sacramento da reconciliação e da comunhão aos recasados não é respeitada por quase ninguém. Conheço poucas pessoas que têm filhos divorciados e desejem que eles não busquem outro casamento.

Elaborar normas sobre a vida cristã dos divorciados-recasados?

Algumas pessoas para permanecerem fiéis ao primeiro "sim" que declararam, decidem não recasar. Isto é ótimo e a igreja faz bem em encorajar esta decisão como uma forma de celibato porque ele é um sinal sublime de indissolubilidade e de amor. Mas isso depende da decisão de cada pessoa que não pode ser o caminho único imposto de fora independentemente da história de cada pessoa.

Entrar numa nova aliança depois do conflito do primeiro casamento não significa abandonar o chamado à santidade que faz parte da vida de todo o batizado. Não podemos fechar todas as portas depois de um casamento interrompido, sob pena de absolutizar ou ideologizar a indissolubilidade. Em nome da indissolubilidade, a igreja não deve erguer uma separação com as pessoas que chegaram a um segundo casamento com o testemunho de aliança-fiel.

Mas com isso não se corre o risco de desencorajar os que procurar permanecer fiéis ao primeiro casamento com dificuldade?

A Igreja reconhece no número 83 da Familiaris Consortio que um casamento pode debandar e que às vezes pode ser melhor interromper uma aliança sem se criminalizar ninguém. O texto diz que convém fazer distinção entre os responsáveis, mas não chega a tirar conclusões inerentes a essa distinção. Ela compara a um adultério qualquer outra relação depois de celebrado o matrimônio. Para mim essa expressão é forte demais. Uma verdadeira doutrina não pode entrar em contradição perante a verdade de cada pessoa.

Tomando esta posição neste espaço de reflexão entre os dois sínodos, não pensa que isso pode aumentar a confusão e focalizar a discussão sobre a única questão dos recasados?

Verdadeiramente este livro nunca deveria ser escrito porque há bastante tempo que a igreja não deveria tratar como adúlteras as pessoas que se tornaram fiéis depois de anos de uma segunda aliança, em nome de Cristo.
A questão dos recasados nem deveria ser um assunto do próprio Sínodo que, efetivamente, tem outros temas importantes para serem abordados. Devemos tratá-los rapidamente para podermos ir adiante.

Enquanto bispo não sente medo se estar do lado da oposição à Igreja a respeito dessa questão?

Medo não tenho, mas temo de ser instrumentalizado por aqueles que acham que a igreja é retrógrada. Eu me sinto profundamente parte da igreja. O que me coloca no desacordo é vê-la surpreendida e maquiada sobre este assunto.
Agora estou entrando no debate que foi aberto pelo papa enviando um questionário para todos os batizados. Neste âmbito da preparação para o sínodo, eu trago aqui uma colaboração para a reflexão aberta. O papa enviou as perguntas e eu respondi.

O que o senhor espera desse Sínodo?

Espero que a igreja possa autorizar os ministros da confissão, depois de discernir cada caso e buscar a melhor resposta ao seu passado, de refletir com transparência sobre os motivos da separação, de examinar a responsabilidade da pessoa, aceitar e administrar o sacramento da reconciliação.

Com isso não se infringe a doutrina da igreja sobre a indissolubilidade do sacramento. As pessoas que sofrem por não poder ter acesso à comunhão, também sofrem porque acreditam no sacramento.
Na realidade, a indissolubilidade não pode ser reduzida ao sacramento do matrimônio. O sacramento é uma consagração de indissolubilidade de um amor verdadeiro entre homem e mulher. Esse amor é sinal de uma realidade mais sublime, mesmo sendo infinitamente forte e frágil.

Que este sinal tenha o significado e uma união para sempre, está certo, mas que do outro lado não se possa ter cesso ao sacramento da reconciliação, é uma doutrina pesada e não é expressão de justiça. Eu sei que a doutrina é justa, mas é o modo de a concretizar que a torna injusta.

Acredito que se possa mudar a disciplina para evidenciar melhor a importância da doutrina. Se houver alguma coisa, em meu entender, que desfigura a essência da fé, então eu me retrataria e pediria perdão. Mas que isso me seja explicado porque hoje eu não entendo como as coisas estão sendo levadas adiante.

Fonte: La Croix

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