145 mil refugiadas sírias são chefes de família e lutam para sobreviver

ACNUR

Mais de 145 mil famílias de refugiados sírios vivendo no Egito, Líbano, Iraque e Jordânia - ou uma em cada quatro famílias - são chefiadas por mulheres que enfrentam sozinhas a luta pela sobrevivência, revela relatório divulgado hoje pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

O número consta do banco de dados ProGress, operado pelo ACNUR para registrar refugiados em todo o mundo. Nos últimos três anos, 2,8 milhões de sírios já foram registrados como refugiados - sendo que mulheres e crianças representam quase 80% deste total.

Com base em entrevistas realizadas com 135 refugiadas sírias, o relatório "Mulher Sozinha - a Luta pela Sobrevivência das Refugiadas Sírias" (ou "Woman Alone - the Fight for Survival by Syrian Refugee Women") demonstra que essas mulheres batalham diariamente para manter sua dignidade e cuidar de suas famílias em
residências degradas e superlotadas, e também em abrigos e tendas improvisadas e inseguras. Muitas vivem sob a ameaça de violência ou exploração, e seus filhos enfrentam uma carga crescente de angústia e trauma.

Todas as mulheres entrevistas para o relatório são chefes de família. As entrevistas foram feitas entre fevereiro e abril deste ano no Egito, no Líbano e na Jordânia (inclusive no campo de refugiados Za'atari). Os nomes mencionados no relatório foram trocados para preservar a identidade das refugiadas entrevistadas.

Forçadas a se responsabilizarem sozinhas por suas famílias após terem seus maridos sequestrados, mortos ou desaparecidos por causa da guerra na Síria, estas mulheres se encontram atualmente em uma espiral de privação, isolamento e ansiedade.

A principal dificuldade relatada pelas refugiadas entrevistadas é a falta de recursos financeiros. A maioria delas luta para pagar aluguel, pôr comida na mesa e comprar itens básicos para suas casas. Muitas já gastaram todas as suas economias - até mesmo vendendo suas alianças de casamento. Apenas 20% delas têm trabalho fixo. Muitas têm dificuldades para encontrar trabalho, ou já estão tão ocupadas que não têm tempo para trabalhar fora de casa. Outras 20% recebem ajuda de parentes, sendo que algumas contam com a generosidade de terceiros - como mesquitas ou proprietários de imóveis que aceitam ficar sem receber o aluguel. Algumas das entrevistas enviam seus filhos para trabalhar.

Entre as entrevistadas, 25% recebem ajuda em dinheiro do ACNUR e outras agências humanitárias, sendo que dois terços delas são totalmente dependentes desta assistência. Um terço das mulheres entrevistas diz não
ter dinheiro suficiente para comer.

Devido a esta situação, o ACNUR está solicitando uma nova ação urgente por parte dos doadores, dos países que abrigam estas refugiadas e de outras agências humanitárias. "Para centenas de milhares de mulheres, escapar de sua terra natal arruinada pela guerra foi apenas o primeiro passo de uma jornada de enormes dificuldades", afirma o Alto Comissário da ONU para Refugiados, António Guterres. "Elas estão sem dinheiro, enfrentam perigos diários e vêm sendo tratadas como párias pelo simples fato de terem perdido seus homens para uma guerra perversa. Isso é vergonhoso. Elas estão sendo humilhadas por terem perdido tudo", completou o Alto Comissário.

O atual plano de resposta aos refugiados sírios coordenado pelo ACNUR - e que envolve diversas outras agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias - tem um orçamento de aproximadamente US$ 4,2
bilhões, sendo que apenas 27% deste total foi arrecadado até agora. "Mulheres sírias refugiadas são o elemento de ligação de uma sociedade destruída pela guerra. Sua força é extraordinária, mas elas estão lutando sozinhas. Suas vozes são um apelo por ajuda e proteção que não podem ser ignoradas", declarou Angelina Jolie, Enviada Especial do ACNUR.

Para estas mulheres, viver no exílio significou tornar-se a principal provedora e protetora dos seus lares, cuidando de si própria e de suas famílias, longe de suas comunidades e das redes de apoio tradicionais. Para a maioria, o fardo é esmagador, e muitas são totalmente dependentes da assistência que vem de fora. 60% das mulheres entrevistadas expressaram sentimentos de insegurança, e uma em cada três estava assustada ou abatida demais para deixar suas casas.

Nuha chegou ao Cairo, no Egito, com seu marido. Mas ele levou um tiro e foi morto enquanto trabalhava. "Eu não quero sair de casa porque sinto tristeza em meu coração," disse ela. "Nós deixamos a morte na Síria para encontra-la à nossa espera aqui no Egito", disse a refugiada, segundo o relatório divulgado hoje pelo ACNUR.

Muitas mulheres reclamaram sofrer agressões verbais regulares feitas por taxistas, motoristas de ônibus, proprietários de imóveis e prestadores de serviços, bem como de vendedores em lojas, mercado, nos transportes públicos e até mesmo em postos de ajuda.

"Uma mulher sozinha no Egito é uma presa para todos os homens," conta Diala, uma refugiada síria que vive em Alexandria, no Egito. Na Jordânia, a refugiada síria Zahwa relata que ela foi assediada até mesmo por refugiados enquanto coletava cupons de distribuição de comida. "Eu estava vivendo com dignidade, mas agora ninguém me respeita porque eu não tenho um homem ao meu lado", afirma Zahwa.

Uma das mulheres entrevistadas contou ter sido estuprada, mas muitas não estão preparadas para discutir violência sexual e de gênero. "Eu nunca recorreria a uma organização para me ajudar com estas questões", disse Noor, que vive no Líbano. "Eu colocaria sal na ferida e ficaria calada, e nunca contaria nada a ninguém", afirmou a
refugiada.

A maioria das refugiadas se preocupa também com o impacto da situação atual em seus filhos. "Eu tenho de me preocupar com as finanças e escola. Tenho que protegê-los, prover e dar amor de mãe ao mesmo tempo.
Sinto-me esmagada," disse Dina, refugiada síria que vive no Egito. Mais de 150 organizações humanitárias estão provendo serviços ou apoio a refugiadas sírias e suas famílias. A pesquisa encontrou numerosos exemplos de mulheres que tomam iniciativas e apoiam umas às outras, trabalhando para encontrar soluções para a luta diária. O relatório também destaca muitos atos de solidariedade e generosidade por parte dos países e comunidades de acolhida.

O relatório demonstra que esta assistência está aquém do necessário e faz um apelo para que os doadores façam mais para ajudar as refugiadas sírias a reconstruírem suas vidas no exílio e ganharem dinheiro o suficiente para viver.

Com vistos ou outras restrições separando uma em cada cinco mulheres sírias refugiadas de seus maridos ou famílias, o relatório também pede aos governos de acolhida que encontrem soluções para facilitar a reunificação familiar delas. As comunidades que as acolhem também necessitam de apoio massivo. Muitas das dificuldades destas mulheres - e tensões crescentes - refletem preocupações comuns às das comunidades que as acolhem.

Com 2,8 milhões de refugiados e outros milhões de deslocados internos, a Síria se tornou a maior crise de deslocamento forçado do planeta. Desde o início de 2014, mais de 100 mil refugiados sírios têm se registrado nos países vizinhos a cada mês. Espera-se que o número total de refugiados sírios chegue a 3,6 milhões de pessoas ao final deste ano.

A íntegra do relatório e os conteúdos multimídia - fotos e vídeos - das mulheres entrevistas no relatório estão disponíveis em http://unhcr.org/womanalonemedia/

Fonte: www.acnur.org.br

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