Caminhada pela Paz e pelo fim da violência em São Paulo

Mário de Carli

O calor da tarde deste domingo, 2 de dezembro, com o final do Campeonato Brasileiro de Futebol, não foi motivo para que os cristãos das paróquias de Nossa Senhora da Livração e de São Judas Tadeu e da Igreja Plenitude do Poder de Deus, situadas no Bairro Jardim Brasil, Zona Norte de São Paulo - deixassem de caminhar por mais de uma hora, estendendo suas bandeiras e estandartes pelas ruas, invocando o Deus da Paz.

A Caminhada pela Paz e pelo fim da violência de nossa cidade partiu às 16h45, em frente à Igreja na Rua Álvaro dos Santos, 499. O sol começava a se esconder quando densas nuvens anunciavam que desceria dos céus a água bendita. Nesta caminhada, desprovida da presença de autoridades políticas e militares, o próprio povo se organizou por onde devia passar. Uma faixa carregada por dois homens traçava o caminho. Ônibus e carros respeitavam a passagem dos caminhantes pela paz.

Com um carro de som, a caminhada partiu cantando "Bendita e louvada seja esta santa Romaria!" Soou bem alto na próxima rua para não se esquecer das flores: "caminhando e cantando e seguindo a canção" com "os amores na mente, as flores no chão". Ao longo da Caminhada pela Paz foi revelada a história do bairro, transformado em Jardim Brasil, graças ao esforço de muitas pessoas que se doaram em prol da paz. Logo se fez notar ao longo da caminhada que havia "as flores no chão", esquecidas, não vistas, não reconhecidas, dormindo ao relento envoltas em cobertores. Outras fizeram moradas num local em que era depósito de lixo. Flores à espera de dias melhores e de paz. De serem acolhidas com dignidade e fazê-las andar com seus próprios pés. Por sua vez, as crianças com seus cartazes e pessoas idosas, cansadas pelo tempo e não fraquejadas pelos anos de labuta e de esperança. Jovens com um estandarte da PJ cantavam a viva voz no novo tempo: "No novo tempo, apesar dos perigos, estamos crescidos, estamos atentos, estamos vivos, estamos na luta para sobreviver". Fizeram memória dos adolescentes e jovens mortos inocentemente. Além da Kombi de apoio, havia o barulho de uma pequena máquina. Era Miro, tetraplégico, sentado no seu pequeno carro vermelho, consciente de sua contribuição pela construção da paz.

Quando o sol se escondeu, o Sr. Wagner, da paróquia São Judas Tadeu, tomou a palavra para falar da presença do Deus da Vida, da Paz e da Justiça. "Nós queremos paz, justiça, respeito e dignidade. Queremos olhar uns para os outros e conviver com todas as pessoas sem medo. Somos filhos e filhas de Deus nosso Pai: a paz é o que queremos desejar a todos". Valdício, que é Pastor da Igreja Plenitude do Poder de Deus, disse que "a nossa fé está em Deus, que pode resolver nossos problemas. Este evento que hoje começou é para despertar outros eventos e promover a paz entre todos nós e todas as igrejas".

Quando a Caminhada pela Paz chegou à Praça Alino Luz, padre Chapron convidou que todos dessem um abraço em torno dela, enquanto a faixa da PAZ era estendida. Padre Chapron, pároco da Paróquia São Judas Tadeu disse: "Deus fala através de nossas lideranças religiosas, mas fala também através de nosso povo que mais sofre as consequências da falta de paz. Somos nós que realizamos e construímos a paz pela força de nossa união e de nossas ações, também pela graça de Deus e de Nossa Senhora que nos acompanha na caminhada de nossas vidas". Os jovens da Pastoral da Juventude proclamaram um jogral lembrando as crianças, adolescentes mártires da violência de nossas cidades. Carregavam suas camisetas negras escritas "chega de violência e extermínio de jovens". Lembraram no jogral de Joilson de Jesus, menor de rua brutalmente assassinado e pisoteado até à morte por um procurador da justiça da cidade de São Paulo. Isto aconteceu no dia 9 de dezembro de 1983. De lá para cá, muitas flores desapareceram de nossas ruas e clamam por justiça, por mais respeito e dignidade. Em sinal de paz, retiraram suas camisetas negras e vestidos com camisetas brancas desejavam construir a paz com todas as pessoas. A seguir entoaram o Pai Nosso dos Mártires, dos marginalizados e pobres abandonados; Pai Nosso dos torturados...

Padre Aléssio, da Paróquia Nossa Senhora da Livração falou que "há na nossa sociedade o cultivo de uma cultura da violência contra os pobres. Pobres, negros e favelados. É necessário sentarmo-nos em torno de uma mesa e pelo diálogo encontrarmos saídas pela não violência. A paz construída a partir das armas não traz nem segurança e nem paz ao povo dos pobres. Como cristãos e cristãs cremos no Deus da Paz. Cristo é a nossa Paz. É possível construirmos um outro mundo de paz: pelas nossas mãos, estendendo o perdão; pelas nossas cabeças, para encontrarmos caminhos novos e pelos nossos corações, tirando o medo que existe entre todos nós. Todo aquele que encontrarmos pelo caminho é nosso irmão, nossa irmã, nosso pai, nossa mãe, não um inimigo, mas o próprio Cristo, desejo de paz". Lembrou também alguns mártires da paz como Martin Luther King e Gandhi. Por fim, invocou a Ladainha pela Paz e os participantes da caminhada pela Paz responderam: Faze-nos instrumentos de tua paz!
Cristo, nossa paz! Cristo, nossa paz!
Senhor, tem piedade de nós! Senhor, tem piedade de nós!
Cristo, tem piedade de nós! Cristo, tem piedade de nós!
Senhor, tem piedade de nós! Senhor, tem piedade de nós!
Tu que és nossa paz, faze-nos instrumentos de tua paz!
Tu que derrubaste o muro de separação entre os povos,
Tu que vieste conduzir nossos passos no caminho da paz,
Tu que ao nascer os anjos anunciaram paz para toda a terra,
Tu que proclamaste felizes os promotores da paz,
Tu que enviaste os apóstolos às casas para anunciar a paz,
Tu que tiraste a espada de Pedro,
Tu que ordenaste orar por nossos inimigos,
Tu que impediste que apedrejassem a mulher adúltera,
Tu que perdoaste os que te crucificaram,
Tu que morreste para reconciliar o céu e a terra,
Tu que, ressuscitado, proclamaste aos discípulos: a paz esteja com vocês,
Tu que suplicaste ao Pai enviar o Espírito de concórdia e mansidão,
Desarma os povos, ouve-nos, Senhor!
Alimenta o mundo,
Acaba com as guerras,
Educa-nos para a paz,
Arranca a violência de nossa cultura,
Firma-nos no caminho dos direitos humanos,
Conduze-nos na estrada da justiça,
Orienta-nos a resolver nossos conflitos de forma não-violenta,
Ajuda-nos a diminuir nosso potencial de agressão,
Desmascara nossos preconceitos e discriminações,
Torna-nos tolerantes,
Fortalece as pessoas e grupos que lutam pela paz,
Sustenta as religiões na via da não-violência,
Ilumina-nos a fazer da paz uma agenda de ação,
Traze a paz a todos os povos,
Cristo, ouve-nos! Cristo, ouve-nos!
Cristo, atende-nos! Cristo, atende-nos!
(CNBB, Roteiros homiléticos do Tempo do Advento, Natal e primeira parte do Tempo Comum Ano B - 2005/2006, p. 55-56).

A Caminhada pela Paz encerrou-se com a Benção tirada do livro dos Números 6, 24-26: "O Senhor te abençoe e te guarde!" O sol se escondeu entre as nuvens carregadas, anunciando a chuva. Ela veio pelo caminho. No ônibus, de regresso à casa e à medida que me aproximava do final da Av. Santa Inês, a chuva caia torrencialmente com todas as suas forças. Uma criança brincava e cantarolava com sua mãe. Ao ver a chuva disse à sua mãe: "mãe, olha a chuva" e logo completou: "o ônibus está tomando banho". Todos riram a bom gosto. Mas quem teve que descer do ônibus e tomar a Rua Itabira com mais de 15 cm de água no chão, experimentou que não estava sozinho no banho de chuva. Chuva que é símbolo de paz, porque limpa a alma e devolve o bom humor e sagacidade de uma criança que desperta para a vida e para a paz.

Fonte: Mário de Carli / Revista Missões

Deixe uma resposta

quatro × 1 =