Vigília reflete sobre as injustiças contra os povos indígenas do Mato Grosso do Sul

Cecília de Paiva *

Nísio Gomes, Lourdes Vonne, Genivaldo, Marco Veron, Dorvalino, Samuel Marti, Gurites Lopes, Ortiz Lopes... São alguns dos 250 indígenas assassinados no Mato Grosso do Sul nos últimos oito anos lembrados na vigília realizada dia 16 de dezembro de 2011, na Cúria Arquidiocesana de Campo Grande. Entre os presentes, Marisângela Moreira, de 13 anos, da aldeia urbana Água Bonita (Campo Grande), membros de sua família e outros indígenas, além de representantes de instituições religiosas, sociais e políticas.

A vigília começou com um documentário que trouxe palavras fortes, relacionadas a muitos índios que quiseram sair da beira da estrada, para ficarem juntos, "nem que fosse para ir morrer na terra dos seus antepassados". Logo após cantos e orações, falou-se sobre as vítimas e também sobre as ameaças sofridas por reivindicarem um pedaço de chão que lhes pertence desde sempre, para alimentar seus filhos com dignidade e poder ensinar seus descendentes a conviver com o meio-ambiente saudável, fazer tapioca, colares e a conversar na mesma língua de seus pais e avós.

Pertencem a povos que, com a influência urbana, convivem com o celular, a roupa e o tema da moda e, como consequência, o orgulho como nação é diluído na angústia das perdas, ora pela morte de pais e irmãos, ora na lenta morte dos costumes. Apropriar-se das modernidades pode ser favorável, desde que sejam para contribuir e não para substituir as tradições.

Nas reflexões, foi lembrado que Leonardo Boff e Washington Novaes já falaram da falência da civilização, em que os indígenas estão à frente desse mundo conhecido como civilizado. É necessário aprender com eles, em suas solenidades, no respeito à mãe terra, à vida, à natureza e modo de convivência. Discutiu-se ainda, a necessidade desse tipo de reflexão impulsionar manifestações e mobilizações de mais pessoas na sociedade. Ir às ruas e não ficar parado nem se lamentar por serem poucos que apóiam a causa indígena.

O cacique Nito Nelson, da aldeia urbana de Água Bonita, conta que quando ouve os nomes dos que morreram, tem o desejo de que um encontro como a vigília não seja um momento único. Ao ler os nomes escritos ao lado de velas acesas sob a relva, Nito contou como foi o último contato que teve com algumas dessas pessoas antes de serem assassinadas, incluindo o cacique Nísio Gomes, morto num ataque no dia 18 de novembro juntamente com dois jovens e uma criança, no município de Amambaí, MS. Na ocasião, cerca de 40 pistoleiros encapuzados e armados invadiram o acampamento Tekoha Guaiviry e atiraram no cacique. O corpo do líder foi levado pelos pistoleiros e até hoje não foi encontrado.

"São mais de vinte anos que se fala de demarcação de terra. Continuo com esperança na justiça. Mas onde está a justiça? Com a morte, Nísio deixa uma mensagem da esperança de morrer na luta e pedir para continuar na terra. Jesus Cristo nasceu apenas um para toda a humanidade. Não tem um Jesus Cristo para cada um. E Nísio é só um. Então nós continuamos e se morremos um, nascem mais dois porque não matam nossa raiz", explicou o cacique. "Eu e minha família e quem está conosco somos mais que um. Somos seres humanos e me sinto sozinho, mas nesse momento, todos juntos, é bom. Sem esse tipo de manifestação, nunca haverá justiça. Não pode ficar parado" assinala Nito.

Sobre a violência, o cacique Nito ressaltou: "nossas armas são simples diante das armas fortes que atacam cada um de nós pelo fogo e balas de borracha. Mas em cima da terra tem autoridade e acima de todos tem Tupã. Preciso de apoio. Porque sei onde o corpo do Nísio está. Vi o carro ensangüentado. Porque o menino que estava com Nísio tirou foto pelo celular. Se conseguir chegar lá, sei que consigo, pelo meu povo, onde está o corpo desaparecido de Nísio", apelou.

De acordo com o deputado Pedro Kemp (PT), a voz do oprimido deve ser ouvida. Para ele, "em um mundo de tecnologia da comunicação e da informação, tem pessoas sem condições dignas para viver e garantir esperança de dias melhores. O fato de estarmos juntos colabora para levar adiante o apelo dessas pessoas, de fazer ecoar o choro das aldeias de MS. Despejo, perseguição, fome, violência, estupros, suicídio. Degradação da vida. Nós, com os meios de comunicação, precisamos assumir o compromisso de reproduzir esse clamor até ecoar onde deve chegar", disse o deputado.

Amparo jurídico
O coordenador do Conselho Indígena Missionário - CIMI-MS, Flávio Nantes Machado esclareceu que o órgão acompanha de perto as comunidades atacadas, proporcionando assessoria jurídica. O CIMI é um órgão no qual os índios contam e tem confiança, sendo o primeiro a estar junto em suas demandas.

Flávio esclareceu que a estratégia atual do CIMI é a de denunciar casos de violência e fazer garantir os direitos dos indígenas de MS. Segundo ele, há uma informação ainda não apurada de que a comunidade de Ipoí, de Paranhos, recebeu novas ameaças. "Tentamos contatar, mas o sinal de telefone lá é muito ruim. É uma comunidade que fica sitiada dentro de uma fazenda e lá já foram assassinados dois professores Guarani Kaiowa há dois anos, e outro índio há pouco mais de um mês. Lá aconteceram vários ataques e espancamentos", conta Flávio.

Para o coordenador, diante da repercussão pelo assassinado do Nísio, diversas entidades se mobilizaram para fazer parcerias de apoio aos povos indígenas. Um dos resultados foi a criação do Comitê Nacional em Defesa da População Indígena no Mato Grosso do Sul que tem a Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS como uma das entidades parceiras. "Em são Paulo foi realizada uma Semana em defesa dos indígenas numa articulação que conseguiu ampla repercussão. Agora, parece que a sociedade sul-mato-grossense está acordando para essa realidade que é uma das suas maiores tragédias", acredita Flávio.

Com relação à vigília, Flávio esclareceu que se trata de uma proposta feita entre o CIMI-MS e a Arquidiocese de Campo Grande. "Busca reunir entidades para viver um momento de espiritualidade em prol dos povos indígenas. A gente entende que, para esses povos, uma de suas principais características é a espiritualidade. É a sua relação com o divino, com a mãe terra. E este momento vai buscar viver a sintonia com esses povos. Aqui se encontram entidades não-indígenas e, na presença dos próprios indígenas, cria-se um ambiente ecumênico e inter-religioso, porque esses povos vivem uma profunda experiência com Deus, com a mística da terra", assegura o coordenador.

Perguntado sobre as próximas ações, Flávio explicou que estão programadas visitas internacionais em Mato Grosso do Sul e ainda está sendo produzida uma denúncia para ser apresentada à Organização dos Estados Americanos - OEA. Também está prevista a visita do secretário geral da CNBB para janeiro e de lideranças do sul, contribuindo para a conquista de direitos.

* Jornalista, imprensa Missionária/Comire-MS.

Fonte: Revista Missões

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