Selvino Heck *
"Como vocês sabem, estamos agora no centro de uma tempestade. Mas nós moramos perto do mar, então não temos medo dele. Estamos prontos para ir a novos mares, alcançar portos seguros. A bola está do lado dos credores." Foram as palavras de AlexisTsipras, presidente da Grécia, no Fórum Econômico de São Petersburgo há alguns dias.
Atenas tem até o dia 30 de junho para reembolsar 1,6 bilhão de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A instituição, ao lado da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE), exige reformas na política econômica grega para desbloquear 7,2 bilhões de euros da última parcela do resgate. Se cair em calote, a Grécia corre o risco de sair da zona do euro.
O desemprego na Grécia está em 25%. Entre os jovens, é de 50%. O Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 25% desde o início da crise em 2009. O governo está insolvente. Muitos cidadãos gregos passam fome.
Na opinião do professor de economia Jeffrey Sachs, Diretor do Instituto Terra da Columbia University e Assessor Especial do Secretário Geral da ONU no tema das Metas do Desenvolvimento do Milênio, "as exigências europeias - que visam assegurar que a Grécia possa honrar sua dívida externa - são petulantes, ingênuas e, fundamentalmente, autodestrutivas. Ao rejeitá-las, os gregos não querem entrar em joguinhos de negociação; querem apenas permanecer vivos" (Fim de Jogo na Grécia, Valor Econômico, 18.06.15, p. A15).
Onde está o impasse? O governo grego, depois de eleições onde o povo grego escolheu um governo de esquerda, liderado pelo partido Syriza, recusa-se a continuar pagando os juros absurdos de uma dívida impagável - está sendo feita uma auditoria da dívida -, continuar engordando os lucros graúdos da banca e do mercado, para poder continuar pagando em dia aposentadorias e salários. O dilema, velho e conhecido: pagar banqueiros e rentistas, ou pagar, ou até tirar renda e ganhos de trabalhadores e aposentados. Já se viu este filme em muitas paragens ao longo do tempo e hoje.
Há quase um século, no fim da Primeira Guerra Mundial, John Maynard Keynes fez um alerta que ainda guarda muita relevância hoje, segundo Jeffrey Sachs. Na época, assim como agora, os países credores, em especial os EUA, exigiam que os países mais endividados pagassem suas dívidas.
Escreveu Keynes: "Será que os povos descontentes da Europa estariam dispostos a ordenar suas vidas por toda uma geração para que uma parte expressiva de sua produção diária seja destinada a honrar um pagamento externo?" Keynes criticou a indiferença dos burocratas de plantão, os ‘sentados no alto de uma máquina': "Eles são imensamente imprudentes em sua indiferença, em seu otimismo vago e crença confortável de que nada realmente sério pode vir a acontecer." Mas sentencia Keynes: "Nove entre cada dez vezes, de fato nada realmente sério acontece - apenas algum pequeno distúrbio, a indivíduos ou grupos. Mas corremos o risco da décima vez..."
Será esta a hora, a décima vez? O Siryza ganhou as eleições na Grécia. O Podemos ganhou a prefeitura de Barcelona, assim como a oposição ganhou a de Madrid.Estará começando a acontecer a décima vez, o povo, como tantas vezes na história, virando a mesa, os plebeus enfrentando a nobreza incrustada nos castelos, alheia ao sofrimento de milhões?
O que vai acontecer com a Grécia e o povo grego nos próximos dias vai além das fronteiras gregas e até mesmo europeias. Se a banca e o mercado levarem a melhor, qual a lição para o mundo? Que os endinheirados têm o poder e continuarão tendo o poder. Que os ajustes fiscais penalizando a população trabalhadora vão se multiplicar mundo afora. Se o governo e o povo grego avançarem suas propostas, acende-se uma luz e revigora-se a esperança de que ‘um outro mundo é possível'.
Jeffrey Sachs termina seu artigo assim: "O governo grego está certo ao ter traçado um limite. Tem responsabilidades para com seus cidadãos. A verdadeira escolha, no fim das contas, não está com a Grécia, mas com a Europa."
* Selvino Heck é Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República.
Fonte: Revista Missões