Alfredo J. Gonçalves *
A EXPO MILANO 2015, com o tema sobre "alimento, energia para a vida", se não servir para outra coisa, pelo menos evidencia um dos contrastes mais flagrantes da história humana. Flagrante cruel, brutal, escandaloso: enquanto mais de um bilhão de pessoas não dispõem de uma nutrição suficientemente saudável, um volume ainda maior de pessoas sofrem com excesso de peso. A pobreza e a fome caminham lado a lado com a epidemia da obesidade, disseminada por todo o planeta. Epidemia que, aliás, afeta hoje as crianças e adolescentes em idade cada vez mais precoce.
Isso sem falar do desperdício de alimento. Conta-se às toneladas a quantidade de comida que se transforma diariamente em lixo. Lixo que, no confronto com o luxo ostensivo de uma minoria privilegiada, põe a nu as profundas assimetrias que dividem o globo. Não se trata somente de Primeiro Mundo e Terceiro Mundo. Trata-se - e isso é eloquente, estridente - de ilhas de grande riqueza em meio a países que mais parecem um imenso oceano de pobreza, como por exemplo, os integrantes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sem falar da Arábia, com seus Emirados, de outros países africanos, ou do México e Argentina. Não falta alimento. A terra é fértil e pródiga. Falta partilha e solidariedade, lembra o Papa Francisco.
E inversamente, sórdidos bolsões de carência e miséria, violência e droga em países onde se prevalece uma robusta classe média e alta (Estados Unidos e Canadá, Europa, Austrália, Japão). Ou seja, além de contrapor as nações entre si, não raro o contraste ocorre em regiões do mesmo país, onde centro e periferia representam face e contraface da mesma moeda. Constata-se uma notável defasagem entre progresso tecnológico e crescimento econômico, por uma parte, e desenvolvimento integral, por outra. Vale salientar a diferença abissal entre o nordeste e o sudeste brasileiro, por exemplo. Ou, no caso da Europa, entre os países nórdicos e escandinavos e os países do Mediterrâneo.
Pergunta inevitável: que sistema é esse onde a concentração de riqueza e de renda caminha de mãos dadas com a exclusão social? Semelhantes realidade é mais notória quanto se trata do direito à alimentação. Mas idênticos desequilíbrios de ordem social reproduzem-se no âmbito da educação, da alimentação, dos transportes públicos, da saúde, da segurança... Exemplos não faltam: ônibus apinhados e carros luxuosos e blindados disputam as mesmas ruas e avenidas das cidades; condomínios de alto padrão, protegidos por sistemas de vigilância, se erguem ao lado favelas e cortiços; escolas privadas para uns e escolas públicas para outros, de acordo com o poder aquisitivo; insegurança para a maioria, segurança reforçada para mansões e palácios.
Tal estado crônico de injustiça e desigualdade tem um caráter marcadamente histórico e estrutural. Vem sendo denunciado há mais de um século pela Doutrina Social da Igreja, especialmente nos textos básicos da Gaudium et Spes (1965) e da Populorum Progressio (1967), bem como nos documentos oficiais das assembleias do Episcopado latino-americano e caribenho: Medellín, Colômbia, 1968; Puebla, México, 1979; Santo Domingo, República Domenicana, 1992; e Aparecida, Brasil, 2007. Luxo e lixo se contrapõem, mas também se explicam, pois as classes dominantes se tornam cada vez mais ricas e poderosas às custas do trabalho de quem habita a base da pirâmide social.
As assimetrias entre continentes, países e regiões - desnecessário sublinhar - constituem um dos fatores decisivos dos deslocamentos humanos de massa. De forma consciente ou inconsciente, os migrantes seguem as pegadas da concentração de renda, em busca de oportunidades de trabalho e futuro melhor. Mas, se o motar da economia move capital e trabalhadores, estes últimos são movidos, além disso, pela esperança de mudanças reais, necessárias e urgentes na ordem mundial.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro Geral e Vigário dos Missionários de São Carlos.
Fonte: Revista Missões