Para Francisco, mais que um tango

Maria Clara Lucchetti Bingemer *

O mundo não sabe o que fazer para expressar sua simpatia pelo Papa Francisco, que depois de um ano de pontificado continua encantando com seu sorriso a crentes e não crentes. Assim é que no dia de seu aniversário, dia 17 de dezembro, ofereceram-lhe um bom mate argentino para fazê-lo sentir-se mais próximo de sua querida Argentina. Além de um bolo cheio de velas e um tango dançado por muitos casais na bela e solene praça de São Pedro.

O Papa é grande apreciador deste belo estilo de dança tão característico de Buenos Aires. Seu coração deve ter vibrado ao ritmo de bandoneões e violinos marcando o passo dos casais tangueros. Assim criativa e carinhosa foi a homenagem. Enquanto recebia manifestações de apreço e presentes, Francisco dava presentes. Distribuiu 400 sacos de dormir a pessoas sem teto que vivem nas ruas de Roma e nos arredores da Cidade do Vaticano.

Mas aí não pararam os presentes para e de Francisco. O maior estava por vir... e veio. Um presente do qual o próprio Papa foi importante artesão, mas que, sem dúvida, ao tornar-se concreto foi o que mais alegrou seu coração. Dois países em beligerante "guerra fria" há muitos anos - Estados Unidos e Cuba - retomaram suas relações diplomáticas. Após 18 meses de negociações e um documento redigido na biblioteca do Vaticano, a Ilha de Raúl Castro e o país de Obama deram um gigantesco passo no processo de aproximação.

Seguramente, este foi o presente que mais alegrou o Papa. Mais que o tango, o mate e o bolo. Porque não há nada que o motive mais do que a luta pela paz. Ele está informado sobre tudo que vem sofrendo o povo cubano com todas as consequências da ruptura de relações com os EUA. Muito concretamente vem acompanhando a situação da Igreja em Cuba que, ao longo destes 53 anos, conheceu períodos nada fáceis.

Se, por um lado, é verdade que a revolução trouxe benefícios muito importantes em termos de justiça social, igualdade de direitos e autodeterminação política aos habitantes da Ilha, há pontos duros no cotidiano do admirável povo cubano. Sobretudo depois da queda do muro de Berlim, quando cessaram as contribuições da extinta União Soviética. Um dos problemas mais graves enfrentados é o embargo econômico estadunidense. Desde então, os cubanos tornaram-se verdadeiros especialistas em criatividade para inventar estratégias de sobrevivência, fazendo do pouco muito e do nada tudo.

Raúl Castro foi contundente ao lembrar esta realidade a Obama. Há décadas, a Ilha vem sendo oprimida por este cruel embargo. E pediu seu cessar imediato. Obama se comprometeu a discutir a possibilidade com o Congresso estadunidense que, apesar de ter a maioria republicana, terá que levar em consideração o sentimento da maioria dos cidadãos e da comunidade cubana dos EUA.

O presidente negro anunciou ao mundo a flexibilização das restrições para viagens à Ilha e para remessas de dinheiro a partir dos EUA, permitindo que bancos estadunidenses abram contas em bancos cubanos. Uma embaixada americana abrirá suas portas em Havana e Cuba terá assento nas conversações diplomáticas com a nação do Norte.

As relações bilaterais mais abertas seguramente beneficiarão a Igreja em Cuba. Com um número não tão expressivo de fiéis, os católicos cubanos conheceram uma nova etapa em sua eclesialidade depois da histórica visita de João Paulo II, em 1998. Contra as expectativas não só do regime, mas de todos, um milhão de pessoas saíram às ruas para saudá-lo. E o Papa polonês, ao lado de um Fidel Castro ainda sadio e forte, fez bem seu papel de comunicador insuperável.

A partir daí, a Igreja cubana encontrou mais abertura para suas iniciativas. Figura hábil politicamente, o cardeal de Havana, Jaime Ortega, alcançou algumas conquistas importantes, sobretudo nas conversações diplomáticas com o governo a propósito de presos políticos entre outros pontos.

Quando Raúl Castro assumiu a presidência de Cuba, a abertura aumentou. As relações com a hierarquia cubana passaram a ser francamente cordiais. Há muitos anos, meu marido e eu vamos a Cuba fazer trabalho pastoral. Devo dizer que jamais encontrei nenhuma dificuldade para entrar e sair da ilha, nem para trabalhar ou aproximar-me das pessoas.

Sempre me impressionou muito a dignidade dos cubanos. Jamais os ouvi se queixarem das deficiências do transporte público e de terem de fazer longos percursos a pé. Tampouco jamais os escutei falar em tom de lamentação sobre o fato de a cada dia terem de buscar os alimentos em dois ou três lugares diferentes. Ao contrário, sempre comentavam em tom bem humorado a imensa luta do cotidiano.

Também me impressionou sua fé, intacta e fortalecida, justamente por terem de enfrentar tantas provações. Falando com amigos católicos, revolucionários de primeira hora, podia-se sentir o sofrimento deles pela falta de liberdade e pelas famílias dispersas por outros países. Mas a opção de permanecerem na Ilha tinha origem em sua fé e na convicção de não poderem abandonar seu país e seu povo. E igualmente se pode experimentar vivamente o amor e o orgulho que sentem em ser cubanos, em pertencer a este povo e a esta história, o desejo de viverem em Cuba, com tudo o que tem e deixa de ter.

Estarão todos celebrando, creio, essa histórica abertura que tem significados tão profundos para a humanidade. Politicamente, todos os analistas são unânimes em reconhecer que representa o fim efetivo da "guerra fria". Mostra igualmente que a América é um só continente, tirando o sentido de divisões estéreis que só fazem estragar o futuro e malograr as esperanças. O próprio presidente Obama pronunciou a frase histórica que, esperamos, seja muito consequente no future próximo: "Somos todos americanos". Sim, senhor presidente, todos. A América somos nós: os "red necks" e os migrantes, os sudacas e as centenas de etnias nativas em solo Americano, ao norte e ao sul. Todos americanos!

Em termos de política externa, é um êxito o fato de os EUA tenham chegado à conclusão de que o isolamento a que submeteu Cuba não funcionou, como declarou o presidente Obama. É um raciocínio tão simples e evidente que surpreende terem levado mais de cinco décadas para se conscientizarem disso. O presidente estadunidense se perguntou diante do mundo: "Para que nos serviram décadas de bloqueio? " A resposta é: para nada. A altiva e digna Cuba não se curvou, e sobreviveu apesar de todas as suas dores e dificuldades. E o presidente americano aprendeu uma importante lição: "Empurrar Cuba para o abismo não beneficia nem aos EUA nem ao povo cubano."

Escutando isto, Francisco deve ter sorrido e agradecido humildemente e do fundo da alma a Deus por este magnífico presente de aniversário. Por sua vez, Obama não deixou de mencioná-lo como peça fundamental em toda a negociação. "Em particular, quero agradecer a Sua Santidade, o Papa Francisco, cujo exemplo moral nos mostra a importância de lutar por um mundo como deve ser, em lugar de simplesmente aceitá-lo tal como é."

Que belo presente de aniversário, Santidade! A cultura do encontro funcionando, a paz e o diálogo restabelecidos, um povo que sofria vislumbrando uma ridente esperança, e a lição evangélica aprendida de "não conformar-se a este mundo". Seguramente, gostando como gostamos do tango, essa canção foi muito mais inspiradora: os acordes da paz enchendo os ares de uma América em processo de reconciliação, de uma Igreja na América fazendo-se realidade. Como dizia Vinicius de Moraes, poeta e diplomata brasileiro: "A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."

* Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga. Autora de "Simone Weil - Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)

Fonte: Assessoria de Imprensa PUC-RJ

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