Um Francisco consternado e dolorido

Geovane Saraiva *

Com veemência, alhures, já falei repetidas vezes de uma Igreja portadora da esperança, que muito fala da esperança, como sua razão de ser, de existir e seu sonho superior aos demais, mas que não proporcionava a suficiente esperança (cf. Hans Küng, Celebração do Culto Divino). Também não me esqueci de falar da nossa confiança que é enorme, sobretudo, ao refletirmos sobre a parábola do pai misericordioso (Lc 15, 11-32), porque temos um papa totalmente identificado com o pai da passagem do referido Evangelho (o filho pródigo), no seu amor infinito e acolhedor, que soube compadecer-se da miséria do filho mais novo, num gesto extraordinário de compaixão e generosidade.

O Planeta alegremente contemplado, no sentido de que os cristãos sejam estimulados e fomentados a um grande compromisso de dialogar e cuidar da criação, nas suas mais diversas realidades. O mundo precisando carinhosamente de práticas ecológicas e ambientais, para que a fé da humanidade possa se tornar cada vez mais viva, lúcida e coerente com aquilo em que acredita. Daí um Francisco consternado e profundamente sofrido diante do desastre com o avião da Malaysian Airlines no leste da Ucrânia, região marcada por fortes tensões, elevando suas orações pelas numerosas vítimas e pelos seus familiares, renovando às partes em conflito o sincero apelo pela paz e por um compromisso para que se encontrem soluções de diálogo, com a finalidade de evitar ulteriores perdas de vidas humanas inocentes.

Vem logo na minha mente a imagem da Pietá, na qual contemplamos as dores da Virgem Maria, com as mãos ensanguentadas, quando o Filho de Deus, naquele supremo episódio doloroso, depois da morte na cruz, retratados por Michelangelo, naquele tema emblemático da arte cristã. Por ocasião da Semana Santa, somos mais de perto convidados a estarmos sempre próximos da Virgem Dolorosa, sentimento este vivido intensamente, neste momento, pelo Papa Francisco. As sete dores por ela sentidas, dores imensas, profundas e inigualáveis, representam as dores da humanidade, na força de uma inefável simbologia.

Entristecidos e, ao mesmo tempo Esperançosos, contamos com um papa capaz de tomar para si e compreender a humanidade, representada pelo filho mais novo que deixou seu pai querido, numa aventura de assumir e administrar sua própria vida e seus bens. Igualmente, numa pedagogia marcada pela misericórdia, que saiba ir ao encontro do filho mais velho, que representa a mesma humanidade, com um coração empedernido, para falar-lhe da necessidade da misericórdia e da conversão do coração diante da dor, da miséria e do sofrimento humano, exigindo-lhe amor, compaixão e solidariedade.

O Santo Padre carrega consigo, no mais íntimo do seu interior e, não tenho nenhum medo de me enganar, o pensamento do grande educador e pensador Rubem Alves, nesta assertiva: "Eu achava que religião não era para garantir o céu, depois da morte, mas para tornar esse mundo melhor, enquanto estamos vivos".

* Geovane Saraiva é padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, colunista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com

Fonte: Revista Missões

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