Egon Heck *
"Para nós indígenas o único gol que interessa é a demarcação de nossas terras". Essa foi a afirmação de Sonia Guajajara, após o encontro com os presidentes da Câmara e do Senado. Deles as lideranças receberam mais uma vez a promessa de que a PEC 215 só irá a votação se houver "consenso", conforme Henrique Alves ou "convergência" para aprovar a PEC 208 no Senado, segundo Renan Calheiros.
Não é a primeira vez que se tenta tirar direitos e terras dos índios. Essa é uma prática colonialista de cinco séculos. Mudam apenas os atores e nomes: sesmarias, coronéis, latifundiários, governos, militares, direita e esquerda. Sem escrúpulos ou preocupações com direitos humanos, justiça, opinião pública, reações dos índios. A força prevalece. Se impõe o estado da injustiça.
Diante do fracasso das chamadas "mesas de negociação ou diálogo" o ministro Cardozo encontrou uma pérola jurídico/política que é o "ajuste de direitos" ou seja você reduz a terra de sua comunidade Guarani de Mato Preto, de 4.000 para 600 hectares, ou fica sem terra ad infinitum. Vocês escolhem. O que é mesmo terrorismo na legislação internacional e para o ministro da Justiça? Os Guarani de Mato Preto e mais trezentos e poucos povos sabem em suas vidas o que isso significa.
A delegação de lideranças indígenas que participaram da audiência com o Ministro da Justiça ficaram revoltadas ao ouvir dele as afirmações de que pretende sim mudar os critérios de regularização das terras indígenas e de que os processos de demarcação continuarão paralisados, sendo o único caminho o das "mesas de negociação". Afirmações que demonstram claramente a subordinação do atual governo à república ruralista e interesses eleitoreiros.
A paralisação da demarcação das terras indígenas e as armadilhas das negociações e ajustes de direitos, que joga na vala da insegurança centenas de terras indígenas, foram denunciadas no 10º Acampamento Terra Livre.
A terra mãe, no caminho do Bem Viver.
"A nós povos indígenas resta o caminho da denúncia sistemática, em nível nacional e internacional, da violação dos nossos direitos, a pressão sobre os responsáveis pelos crimes, criminalização e assassinato de nossas lideranças e ações de retomadas de nossas terras", afirmou Lindomar Terena, ao participar de mais uma mobilização nacional dos povos indígenas. Ele acabava de fazer a denúncia da violação dos direitos dos povos indígenas do Brasil, na União das Nações Unidas - ONU. "Ao contestar a bela imagem de harmonia que o governo brasileiro tenta impor internacionalmente, nós povos indígenas estamos passando por um dos piores momentos de nossa história. Estamos submetidos a violências diárias, sendo nossas lideranças criminalizadas, presas e assassinadas. Em consequência disso a gente percebe o desespero cada vez maior. Só entre os Kaiowá Guarani houve 73 suicídios em 2013,, um dos índices mais altos do mundo. E a demarcação das terras paradas. Não querem a nossa sobrevivência. Mas apesar de tudo isso nós continuaremos resistindo e apresentando o caminho dos nossos projetos do "Bem Viver", para a sociedade brasileira", afirma Lindomar.
Concluiu dizendo que "apesar de toda perseguição e morte, temos a certeza da vitória".
Ao retornarem às suas aldeias levam a certeza de que valeu a pena. Valeu enfrentarem a polícia e as bombas da repressão, como na Marcha e Conferência 2.000 em Porto Seguro. Valeu dançar e fazer ritual na plataforma do Congresso, como na conquista da Constituição em 1988. Valeu o encontro entre parentes de todo o país, para oxigenar a esperança e traçar os rumos das flechas incendiárias e os sonhos de um novo amanhecer. Valeu externar toda a indignação e revoltas represadas, em longos rituais e falas cortantes.Valeuocupar o ministério da (in) Justiça por um dia, para gritarmos a uma só voz - basta de sangue derramado e toda tipo de violência. Valeu conclamar todos os guerreiros e antepassados, para junto com nossos deuses tornar nossas lutas vitoriosas e construir com nosso sangue e saber, o Brasil plural e justo pelo que tanto lutamos.
* Egon Heck, Cimi - Secretariado Nacional, Brasilia31 de maio de 2014
Fonte: Revista Missões