Eliza Samudio, reflexões e simbologias

Júlio César de Lima Prates

Essa declaração do ex-goleiro do Flamengo, Bruno, no seu julgamento, no dia ontem, acerca do destino dado ao corpo de Eliza Samudio, deve ter gerado perplexidade na sociedade brasileira e mundial, justamente pela perversidade e pelo requinte bárbaro com que mataram-na, esquartejaram-na e - por fim - deram os pedaços do seu corpo para os cachorros.

A presença do ex-policial Bola nos atos mais cruéis, juntamente com Macarão, também deve encetar reflexões supletivas, afinal se foram atrás dele para encarar o serviço, é sinal evidente de que ele já era conhecido pela experiência, crueldade e frieza, a despeito desse viver plantado dentro do aparelho do Estado, inclusive treinando policiais.

Outra reflexão, gostem ou não, é da criação que a mídia desportiva faz de pessoas sem nenhuma base moral, gerando um processo coletivo de idolatria, transformando em semi-deuses, principalmente desportistas. Nunca vi idolatrarem um pai ou uma mãe honrada e trabalhadora, que têm vidas assentadas na ética, na moral e que consagram seus destinos ao bem da sociedade e a edificação das relações inter-pessoais. Nunca vi a imprensa - por exemplo - idolatrar uma cozinheira do projeto criança feliz, uma auxiliar de limpeza ou uma atendente de creche, que passa horas e horas cuidando dos filhos alheios.

Os juízos valorativos estão invertidos. Sem dúvidas.

Eliza Samudio, que houvera sido estuprada pelo próprio pai, aos 10 anos de idade, teve um destino tão indecente que nem seus restos mortais conseguiram ser localizados, no máximo, viraram excrementos de cães. E dizer que depois de fazerem o que fizeram com uma pessoa indefesa e inocente, o semi-deus, criado pelo imprensa imbecil, acompanhado de seus serviçais, séquito de bajuladores, foram fazer festas com outras pequeninas Elizas.

No dia internacional da mulher cabe à reflexão acerca do barbarismo, da estupidez como a sociedade brasileira e sua imprensa criam semi-deuses. Se não se achassem semi-deuses, o que explica essa postura de atuar acima da lei, acima do Estado, acima - é provável - das próprias leis divinas?

Afinal, por mais que saibamos que esses juízos metafísicos das religiões sejam apenas bases espirituais de repressão, castramento do instintos, não podemos negar que o temor da reação divina funciona, principalmente nos setores mais populares e sempre dispostos a crer nas propagações das igrejas e seitas.. Só que semi-deuses não ligam nem para as leis dos homens e nem para supostas reações do poder divino e suas inculcações dogmáticas pregadas pelas religiões.

Eliza Samudio é vítima com uma simbologia muito forte. Ela deveria encetar múltiplas reflexões em todas nossas sociedades organizadas, afinal - mesmo que seu destino tenha sido o de servir de carne para cães - o exemplo ficará martelando em nossas cabeças por muitos e muitos anos, especialmente na história mundial da infâmia, até que reencontremo-nos em nossas bases morais, das lições de casa, da escola até as criações fomentadas pela imprensa na ânsia disputar espaços entre os imbecis.

Ademais, precisamos ter consciência de que os juízos morais e valores de nossa sociedade são produzidos por todos nós, seja com nossa ação, seja com a omissão complacente com que aceitamos tudo o que nos é imposto.

Fonte: www.julioprates.blogspot.com.br

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