Para onde vai Israel?

Luiz Eça *

Surpresa nas eleições de Israel. Contrariando as opiniões dos analistas e as pesquisas, o bloco dos partidos de direita não venceu. Conseguiu eleger o mesmo número de deputados do bloco de centro-esquerda.

Com 60, ninguém tem maioria para governar sozinho. O que se esperava é que a coalizão de Bibi, a chapa Likud-Beiteinu, obtivesse entre 33 e 34 lugares no Knesset (Parlamento de Israel).

Aí, poderia chamar para o governo os partidos de ultra-direita e religiosos, ou os partidos centristas. E Bibi continuaria no poder.

A primeira hipótese parecia mais viável. Nas eleições internas do seu partido, o Likud, os mais veementes falcões ganharam espaço na chapa de candidatos a deputado. Todos eles defensores da anexação da Cisjordânia e da expansão dos assentamentos.

Ficaram de fora os raros moderados do Likud, como os ministros Dan Meridor e Binyamin Begin.

Isso já indicava uma inclinação para a direita ainda mais acentuada. Danny Danon, importante líder da linha-dura do Likud, em entrevista, foi categórico: "Nossa agenda é continuar a construir na Judeia e Samaria (nomes bíblicos da Cisjordânia) e em todas as áreas de Jerusalém. Nós dizemos claramente que somos contra um Estado palestino".

Declaração confirmada por Bibi durante a campanha: longe de entregar assentamentos aos palestinos, ele iria aumentar seu número significativamente.

Portanto, embora no passado ele tenha se dito favorável à "solução dos dois Estados independentes", na prática, seu objetivo é inviabilizá-la.

Pois, como é sabido, sem que ele interrompa os assentamentos, os palestinos se recusam a iniciar as negociações de paz. Sem elas, conforme as potências do Ocidente, não há solução possível para a questão da Palestina.

Por isso mesmo, sustentado por uma base aliada tão de extrema-direita, Bibi teria de enfrentar as inevitáveis pressões da ONU e mesmo dos EUA e aliados.

A outra hipótese: integrar também partidos de centro no governo deixaria Bibi menos dependente dos ultra-radicais, mais livre para lidar com o Ocidente a seu modo.

De preferência com a direita ou mesmo com inclusão do centro, Bibi, de qualquer maneira, tinha como certa sua continuidade como primeiro-ministro.

Mas a realidade o desiludiu. A chapa conjunta Likud-Beiteinu elegeu apenas 31 deputados - três menos do esperado. Mesmo com o apoio da extrema-direita e dos partidos religiosos, como o Shas, Bibi contaria com apenas 60 deputados, um a menos do que o necessário para ter maioria...

Portanto, somente com o pessoal das várias tendências da direita dura não dá para Bibi governar.

Enquanto isso, os partidos de centro-esquerda conseguiam igualar seus rivais, com os mesmos 60 deputados eleitos.

A grande surpresa foi a votação do partido Yesh Atid, do astro da TV Yair Lapid, que, elegendo 19 deputados, ficou em primeiro lugar no grupo de centro-esquerda, superando os trabalhistas, com seus 15 lugares conquistados no Knesset.

Os partidos árabes também superaram as análises. Os árabes israelenses estavam desanimados, não acreditavam que no regime sionista haveria esperanças de acabar a discriminação que sofrem.

A opinião geral era que as abstenções nesse segmento seriam em número extremamente elevado.

Mas os apelos da Liga Árabe e dos partidos foram atendidos e os árabes de Israel acabaram comparecendo em número muito maior do que o previsto. E assim elegeram 12 representantes, mais do que tinham no parlamento anterior.

Com a igualdade entre direita e centro-esquerda, a ameaça de um Israel ainda mais radical, com tudo que isso significa em matéria de repressão aos palestinos e violações dos direitos humanos, parece afastada.

Depois de conhecidos os resultados, Netanyahu fez um discurso, equivocadamente chamado por seus partidários de "discurso da vitória", no qual declarou: "As pesquisas de boca de urna claramente indicam que os cidadãos de Israel querem que eu continue a servir como primeiro-ministro e forme um governo o mais amplo possível".

E, de fato, já convidou Lapid para integrar seu governo. Nesse caso, Bibi precisaria, não poderia deixar de contar também com a ultra-direita e os partidos religiosos. Que provavelmente teriam uma relação conflituosa com Lapid, defensor de ideias hostis a eles, como negociações para a independência da Palestina e fim da isenção aos judeus ortodoxos de prestarem serviço militar.

Lapid, por sua vez, já preveniu que só aceitaria fazer parte do governo Bibi se outro partido da centro-esquerda também aderisse.

O que me parece muito possível, pois, repetindo Eça de Queiroz, em "O Conde de Abranhos", é grande o poder de sedução das "almofadas do poder".

Caso Bibi não consiga construir uma base aliada que lhe assegure maioria para governar, o presidente Shimon Peres deverá convocar Lapid, líder do segundo partido mais votado, para fazer sua tentativa.

Suas dificuldades, aparentemente, serão grandes. O centro e a esquerda não seriam suficientes para lhe garantir maioria.

Atrair para seu governo também alguns partidos de direita ou religiosos se tornaria indispensável.

O problema é que todos eles são, de fato, contra a independência da Palestina e a favor da criação de novos assentamentos.

Além disso, os partidos religiosos jamais aceitarão como primeiro-ministro um político que deseja acabar com privilégios dos judeus ortodoxos, como Lapid afirmou em sua campanha.

Já no Likud existem alguns deputados bem mais flexíveis. Que até aceitariam trocar a rigidez dos princípios direitistas do partido de Netanyahu pelas inegáveis vantagens pessoais da participação no governo.

Mesmo porque a liderança de Bibi no Likud está sendo contestada por vários dos membros mais destacados. Por enquanto, somente off the records, eles criticam duramente o chefão por ter imposto a coligação com o Beiteinu, que teria causado a queda na votação do partido.

Apesar dos candidatos terem, durante a campanha, priorizado a discussão de assuntos econômicos e sociais e as pesquisas mostrarem que a população pouco se interessa por política externa, ela está sendo determinante na formação do novo governo, como vimos acima.

E a forma com que os ventos do exterior estão soprando a tornam uma questão ainda mais sensível.

Parece que a Europa e mesmo os EUA, tradicionais aliados de Israel, estão cansados da atitude intransigente e das contínuas violações de direitos humanos e leis internacionais praticadas pelo governo Netanyahu.

Na aceitação da Palestina como Estado não-membro da ONU, apenas os estadunidenses e tchecos votaram contra.

A indicação de Chuck Hagel, político independente que várias vezes contrariou posições israelenses, para Secretário de Estado do novo mandato, denota que Obama deseja pelo menos minimizar seu apoio até agora total aos israelenses.

A Europa Unida, no fim do ano, fez uma condenação dura dos assentamentos. E William Hague, Secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, fiel aliado de Tel-aviv, ao comentar as eleições, declarou: "Eu condeno as recentes decisões de Israel de expandir os assentamentos".

E disse ainda que, devido às suas ações, Israel estava perdendo o apoio internacional e tornando a solução dos dois Estados impossível.

Na próxima semana, Shimon Peres deve iniciar as conversações para escolha do novo primeiro-ministro.

Na semana passada, com as sombrias pesquisas apontando um governo ainda mais direitista do que o atual, acreditava que uma eventual virada em favor de uma escolha mais civilizada não passava de um sonho.

Pelo jeito, nem todos os sonhos são impossíveis.

O centro-esquerda ganhou, avançou, tornou-se viável um governo, senão aberto a soluções pacíficas dos problemas externos de Israel, pelo menos mais moderado do que o atual.

Ao contrário do que muita gente afirma, os palestinos não foram derrotados nas eleições de Israel.

Deu-se um passo, ainda que não dos maiores.

* Luiz Eça é jornalista.

Fonte: www.correiocidadania.com.br

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