Famílias indígenas lutam pela terra em Tilcara

Elaine Tavares *

Tilcara é uma pequena cidade do norte da Argentina, na província de Jujuy. Um lugar quase de sonho, de paisagem incrível, árido, seco e arenoso, cheio de cactos gigantes. As ruas são pequenas, o povo é alegre e, nas noites, se pode ouvir a alegria dos "carnavalitos", nas famosas "peñas", espécie de tertúlia de cantos e danças. Tilcara é uma cidade de rosto indígena, já bem próxima da Bolívia, fazendo fronteira entre o grande território aymara e o atacama. No domingo, a praça se enche do artesanato local, com suas cores vibrantes e lembranças ancestrais. Também é ali que se pode visitar a incrível fortaleza construída pelos omaguacas no século XII, para defesa de sua gente. E, talvez por ser espaço de tanta beleza, é também muito cobiçada pelos grileiros de terra.

Nessa semana muitos foram os conflitos na região envolvendo uma comunidade indígena de cerca de 150 famílias, autodenominada "Cueva del Inca". Os moradores, descendentes de atacamas, coyas e aymaras, estão sob ameaça de despejo por uma família local que, ao logo dos anos foi vendendo suas terras e agora afirma ter os registros de grande parte do território ocupado por centenas de famílias que ali vivem desde antes da chegada do primeiro homem branco ao lugar.

As lutas pela terra ficaram mais acirradas depois que a região de Humahuaca foi declarada Patrimônio da Humanidade, em 2003, atiçando a cobiça daqueles que vislumbram lucros astronômicos com o turismo que começa a crescer. Os agentes da especulação imobiliária já estão por toda a região e pouco se importam se aquelas terras tem valor espiritual para as comunidades que ali vivem. Muitos acabam sucumbindo à pressão e às mentiras dos arrebanhadores de terra, engados pela promessa de uma vida melhor. Outros cresceram o olho e decidiram também tornar suas terras mercadorias. Mas, outras comunidades não se rendem ao canto da sereia e resistem nas suas terras. Essas, acabam enfrentando outros inimigos, bem mais difíceis de espantar: a legalidade burguesa, a justiça, a polícia.

É o caso da Comunidade "Cueva del Inca", que tem sofrido toda a sorte de ataques, inclusive de pandilhas armadas. Tudo isso por que um juiz decidiu que as terras onde vivem essas famílias pertencem a uma única família em especial: os Mendonza, e exigiu o despejo. Depois dessa ordem muitos tem sido os confrontos. Segundo os moradores locais, nunca se soube que essa família fosse dona dos terrenos e as pessoas que ocupam o território estão ali há gerações.

Mario Mendoza, o representante da familia que agora aparece com papéis de posse é atualmente Diretor de Ação Social do municipio, o que torna o assunto muito mais grave. Segundo os relatos que podem ser lidos nas reportagens e notas comunitárias publicadas na "Red Latina Sin Fronteras", esse senhor tem sido responsável por abuso de autoridade, maus tratos e violência psicológica contra as famílias indígenas, e já foram feitas várias denúncias à intendência sem que nada seja feito.

Por conta desse descaso as famílias que vivem nas comunidades originárias têm realizado protestos com os tradicionais trancamento de estradas, típicos da ação indígena, exigindo que o funcionário seja retirado das funções que deveriam ser a de proteger as pessoas e não as de provocar violência.
Os moradores da comunidade "Cueva del Inca" dão testemunho de que a família Mendonza, também moradora da região e que agora reivindica as terras, fez várias vendas irregulares de terrenos, inclusive acabando com muitos dos caminhos tradicionais das famílias, jamais sendo questionada pelos fiscais municipais. Conforme Mabel Valerio, vice-presidente da Comunidade Cueva del Inca, as famílias vão continuar lutando pelo direito de viver em suas terras ancestrais amparando-se nas leis nacionais. Há uma, inclusive, chamada Lei de Emergência de Propriedade Comunitária que evita qualquer despejo em áreas reconhecidamente comunais.

O fato é que a cobiça imobiliária chegou para valer na região norte da Argentina, antes um pouco escondida dos gulosos olhares das empreiteiras que já sonham em construir grandes hotéis e coisas do gênero. E, de novo, as gentes originárias precisam se enfrentar com a sanha dos poderosos, dispostos a arrasar tudo para conseguir o que querem. Mas, como no passado, agora também haverá luta, resistência, batalhas. Porque a terra, para um indígena, é muito mais do que um lugar onde se ergue a sua morada. É espaço de deuses, é território sagrado, é altar da Pachamama. Muitos, como a família Mendonza, que agora se alia aos grileiros, sucumbem à cobiça, mas a maioria das gentes não quer saber de outra vida que não a que já vive, em paz, em harmonia com a terra. Esses são os que agora lutam e se preparam para as batalhas.

A luta das gentes de Tilcara não se difere das tantas lutas nessa nossa Abya Yala, não se difere das que travamos aqui, no Brasil, ou bem debaixo do nosso nariz, no Campeche, onde cada dia que passa brota um novo condomínio, solapando a vida que tanto se batalhou para conseguir. Por isso que temos de contar essas histórias, porque são as nossas histórias. E temos também de dizer da resistência dessa gente simples, para que possamos empreender a nossa. A luta de cada irmão nessa imensa américa é a nossa luta também.

Todo apoia aos irmãos de Tilcara. Jallalla!

* Elaine Tavares é jornalista.

Fonte: www.eteia.blogspot.com

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