Carlos Roberto Marques *
"Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa Mãe Igreja" é o quarto mandamento que, segundo o Catecismo da Igreja Católica (2.043), "determina os tempos de ascese e penitência que nos preparam para as festas litúrgicas, contribuem para nos fazer adquirir o domínio de nossos instintos e a liberdade de coração". O objetivo, resumidamente, é, por meio dessas práticas, disciplinar corpo e mente, visando nosso aperfeiçoamento espiritual.
Todavia, esses exercícios devem nos transportar para além de nós mesmos. Por essa razão, no período quaresmal, além do jejum e da abstinência, que nos harmonizam interiormente, a Igreja nos propõe maior assiduidade na oração, aumentando nossa sintonia com Deus, e a prática da caridade, que nos aproxima de nossos irmãos. "Porque eu quero o amor, mais que os sacrifícios" (Os 6, 6).
O sacrifício pelos outros
"O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente" (Is 58, 6-7). Por esse motivo é que hoje se propõem gestos concretos, como partilhar tudo ou parte daquilo que se deixou de consumir durante a Quaresma, para que o sacrifício seja completo.
No Antigo Testamento, o jejum e a mortificação eram recursos utilizados, muitas vezes, para comover o próprio Deus, no intuito de se obter seus favores ou seu perdão, como em Ester 4, 1-3 e em Jonas 3, 5-8.
Um pouco de nostalgia
Para nós, a Quaresma é esse tempo de contrição e de reconciliação, que se completa no Tríduo Pascal. Era antes mais evidente a sensação de que a Sexta-feira Santa amanhecia naturalmente triste. O espírito de consternação do povo fazia parecer que toda a Natureza estava de luto. Até mesmo o canto matinal do galo soava fúnebre. Não havia televisão; as rádios mudavam a programação e durante todo o dia só transmitiam músicas sacras. Nem os jingles eram tocados, limitando-se o locutor a, de tempo em tempo, anunciar o prefixo da emissora e, às vezes, mencionar o nome do patrocinador. Não se penteavam os cabelos, não se fazia a barba, não se varria a casa. E o jejum era quase total, limitando-se a pão e água. A aceitação do peixe justifica-se porque ele não verte sangue, além de ter presença emblemática no convívio de Jesus com seus amigos e com o povo.
Tradição ou moda?
De repente, na Sexta-feira Santa, no jejum de muitos cristãos, sai o pão, sai a água, e entra uma suculenta e cara bacalhoada, que insiste em se colocar como tradição. O que seria luto, ganha ar de festa. Não demora e faremos churrasco e feijoada, que têm mais o nosso jeitão. O acessório está se sobrepondo ao principal: Natal é para dar e ganhar presentes, Páscoa é para comer chocolate, Sexta-feira Santa é o "dia da bacalhoada". E o Cristo vai ficar lá no cantinho da sala implorando: - Ei, olha eu aqui! Alguém se lembrou de mim?
Não se pode frear o consumo, mas é possível reordená-lo. Será necessário um trabalho de conscientização, de catequese mesmo, para que cada coisa tenha seu momento e seu lugar. E ninguém vai atrapalhar o comércio, tampouco passar vontade. A bacalhoada pode ser saboreada, festivamente, sem culpa, no domingo, na Páscoa da Ressurreição. Só cuidado com a gula!
* Carlos Roberto Marques, LMC, é membro da equipe de redação. Publicado na revista Missões, N. 03 - Abril 2012.
Fonte: Revista Missões