Em entrevista, o professor Dr. Edson Luiz Sampel comenta a importância da nomeação de irmã Simona Brambilla para o Dicastério para os Institutos Religiosos e Sociedades de Vida Apostólica.
Por Redação
O papa Francisco nomeou a Missionária da Consolata, Irmã Simona Brambilla como prefeita do Dicastério para os Institutos Religiosos e Sociedades de Vida Apóstolica, importante organismo da Igreja Católica, que orienta o dia a dia das congregações e ordens religiosas do mundo.
Entrevistamos com exclusividade o professor doutor Edson Luiz Sampel, que é teólogo e especialista em direito canônico para comentar essa nomeação. O professor doutor é colaborador da revista Missões.
Professor Sampel, poderia nos explicar melhor o que faz o Dicastério para os Institutos Religiosos e Sociedades de Vida Apostólica e sua importância na estrutura eclesial?
Antes de tudo, é preciso dizer que essa nomeação da irmã Simona Brambilla, como prefeita, é um acontecimento épico. Todos temos de comemorar, dar graças a Deus! Pela primeira vez em 2 mil anos de história da Igreja católica, um leigo (juridicamente falando, toda mulher é leiga) assume um cargo de governo eclesiástico tão importante, no caso, uma leiga, uma mulher, uma freira. Maravilhoso!
Respondendo, agora, à sua pergunta. A função do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica encontra-se regulamentada a partir do artigo 121 da constituição apostólica “Praedicate Evangelium”. Em suma, compete a este órgão da cúria romana orientar e fiscalizar o dia a dia das congregações e ordens pelo mundo todo, incluindo a faculdade de suprimir agremiações. Dicastério poderoso!
E o pró-prefeito nomeado com a irmã Brambilla... O que significa isso?
Provavelmente um eclesiástico que auxiliará a prefeita. Mas, irmã Brambilla é a autoridade máxima do dicastério. Ela que dirá a última palavra; sempre, é claro, em concordância com o sumo pontífice.
Na sua opinião, por que antes, nenhum outro papa convidou uma mulher para conduzir esse órgão? Ele poderia ser conduzido por algum leigo ou leiga, ou obrigatoriamente tem que ser conduzido por um religioso ou religiosa?
Penso que na perspectiva da implementação do Concílio Vaticano II, algo assim ocorreria mais cedo ou mais tarde. Entre os princípios e critérios para o serviço da cúria romana, o papa Francisco, na constituição “Praedicate Evangelium”, preceitua que, dada a natureza vicária da cúria romana, “qualquer fiel pode presidir um dicastério ou organismo (...)”, isto é, clérigo ou leigo. Lembro-me que, imediatamente após a publicação desta constituição, o eminente cardeal Ghirlanda, professor da Universidade Gregoriana, em entrevista à imprensa, afirmou que o papa acabara de consolidar a tese de que o exercício do poder na Igreja não depende do sacramento da ordem, mas da chamada “missiocanonica.”
Como assim, “missiocanonica”... O senhor poderia explicar melhor?
R. Sim. É claro. É a “missão canônica”, ou seja, um mandato da autoridade competente, que pode ser conferido tanto a um leigo quanto a um clérigo. O papa Francisco aprofundou a interpretação do cânon 129, parágrafo 2.º, que trata precisamente da possibilidade de os leigos participarem do exercício do poder na Igreja. Para exercer o poder na Igreja, não precisa ser padre; precisa da “missiocanonica”, conforme o magistério do papa Francisco.
Digo mais. Dentro em breve outro leigo será nomeado como prefeito do dicastério dos leigos, isto é, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Em tese, um leigo poderia até mesmo ser prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.
Assim, não há nenhum imperativo teológico ou jurídico, determinando que somente um religioso ou clérigo assuma este dicastério que será presidido por essa missionária da Consolata? É isso?
Exatamente. Nenhum óbice.
O que Francisco quer dizer com essa nomeação? Ele está fazendo história na Igreja, como o senhor mesmo escreveu no artigo que publicou na revista Missões?
Sim. Não há dúvida. O papa Francisco está fazendo história. Entretanto, não está inventando nada. Tudo o que ele faz consta do ideário do Concílio Vaticano II e, por sua vez, do próprio evangelho. Veja a tão propalada sinodalidade, objeto de recente sínodo. É um princípio entranhado nos albores da Igreja Católica. Gosto de me referir aos momentos que precederam Pentecostes, quando contemplamos os apóstolos temerosos, congregados no cenáculo com algumas leigas, especialmente com Maria santíssima, a mãe de Jesus (At 1, 12-14). Vale dizer, desde as origens da Igreja, os católicos caminhavam juntos(sentido da palavra “sínodo”); de certa maneira, governavam unidos uns aos outros, partilhavam o poder. Por que não?
Qual é sua opinião a respeito dessa nomeação? A Igreja se abre mais às mulheres? Que consequências imediatas o senhor enxerga com essa decisão do papa em relação à estrutura dos "ministérios" da Igreja?
R. Os ditames da constituição apostólica “Praedicate Evangelium” e as inovações do papa Francisco não dizem respeito apenas a Roma; têm reflexos no orbe católico. Desta feita, espera-se que os bispos emulem o santo padre, dando mais funções relevantes aos leigos no governo da Igreja. Não estamos falando de atividades pastorais, que o leigo já executa no âmbito intraeclesial: catequista, ministro extraordinário, leitor etc.
Não há dúvida de que a Igreja se abre mais às mulheres. Sem embargo, não devemos criar expectativas vãs, como, por exemplo, a ordenação de uma mulher para o sacerdócio. A Igreja, por intermédio de são João Paulo II, já disse um “non possumus” definitivo sobre este assunto, ou seja, somente os homens estão aptos à ordenação no segundo e no terceiro graus do sacramento da ordem. Esta é uma questão dogmática. Não pode ser tocada. Lembro que o novo direito penal canônico, promulgado recentemente pelo papa Francisco, no cânon 1379, parágrafo 3º, excomunga automaticamente quem tentar conferir o sacramento da ordem a uma mulher e excomunga também a própria mulher. Por outro lado – aí sim –, existe um grupo de especialistas que, a pedido do papa, estuda a possibilidade da ordenação de mulheres como diaconisas permanentes. Mas, isto é outra história. De qualquer forma, neste pontificado, as mulheres não podem reclamar. O papa Francisco coloca-as em cargos-chaves, situação nunca antes imaginada.
Prof. Sampel, agradecemos imensamente pelos seus esclarecimentos queremos saber se o senhor gostaria de deixar uma mensagem aos leitores do site?
R. Sim. Regozijo-me com os Missionários e as Missionárias da Consolata, porque irmã Brambilla pertence a esta congregação. Parabéns aos senhores! Estou muito feliz, porque mais um leigo ascende a um cargo de poder na Igreja Católica. Prestigia-se deveras o leigo, porque o leigo também é membro da Igreja, tanto quanto o clérigo. Não podemos nos esquecer disso. Talvez o papa Francisco queira desonerar um pouco nossos amantíssimos padres, incumbindo os leigos de funções antes desempenhadas somente pelos clérigos, a fim de que os sacerdotes possam realizar sua função típica, ou seja, a cura de almas (celebração de missas, confissões, exéquias etc.). O povo de Deus precisa disso, principalmente em virtude da escassez das vocações. Mas, não é só isso. O papa Francisco, à luz do evangélico princípio da sinodalidade, promove mesmo uma saudável descentralização do poder e, para isso, inclui os leigos.