Brasil em chamas. E daí?

Alguém se importa com tantas mazelas? Ou vamos continuar “tocando a vida” sem que mudanças verdadeiras sejam promovidas?

Por Juacy da Silva

Nossas florestas já foram praticamente destruídas e continuam nesta marcha avassaladora onde ainda estão presentes como na Amazônia e no cerrado; nossos rios e córregos estão se transformando em grandes esgotos a céu aberto, como o Tietê em São Paulo e o Cuiabá em Mato Grosso, nossos solos estão sendo degradados pela desertificação, pela erosão, pelo uso abusivo de agrotóxicos, nosso ar está a cada dia mais poluído, tornando-se irrespirável, graças à fumaça das queimadas e da poluição urbana e industrial, nossos mares e oceanos estão se transformando em grandes lixeiras planetárias, nossa rica biodiversidade está sendo dizimada a cada minuto e tudo isso parece não incomodar muito os governantes, os empresários, as principais lideranças, inclusive religiosas e a população em geral, de praticamente todos os países, inclusive o nosso. Esta é uma viagem planetária sem volta que está e irá destruir todas as formas de vida, inclusive a vida humana, neste planeta!

O art. 225 da Constituição Federal, de 1988, diz textualmente, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Será que este direito fundamental, sem o qual todos os demais direitos como à saúde, ao trabalho, ao bem estar, à educação, à moradia, ao saneamento básico, ao ar puro e tantos outros estão sendo respeitados no Brasil? Alguém se importa com tantas mazelas? Ou vamos continuar “tocando a vida” sem que mudanças verdadeiras sejam promovidas e possamos, de fato, viver em um país econômica e socialmente justo, sustentável e que garanta qualidade de vida digna a milhões e milhões de excluídos e excluídas que jazem à margem da sociedade, enquanto uma minoria privilegiada goza de uma vida "boa", nababesca e perdulária?

Ninguém aguenta mais. Antes eram as queimadas, praticamente só na Amazônia e no Centro Oeste que provocavam problemas de saúde, principalmente de natureza respiratória, afetando principalmente crianças e idosos, os grupos demográficos sempre mais vulneráveis diante das chamadas “doenças de massa”.

Agora praticamente todos os Estados, em todos os biomas estão pegando fogo, inclusive o “coração” do capitalismo e do empresariado brasileiro que é o Estado de São Paulo, mas também estados importantes na dinâmica do Agro, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, Rondônia, Pará, Amazonas etc., onde a destruição do Pantanal e as queimadas na região norte não param, com incêndios, queimadas a cada ano mais impactantes, e também outros estados, principalmente a região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), além de outros que fazem parte do cerrado brasileiro, que passou a disputar a primazia da destruição ambiental, que antes era apenas da Amazônia, cujos efeitos já se fazem notar inclusive no Distrito Federal, sede dos Poderes da República!

Só no Estado de São Paulo, os cálculos iniciais indicam que até agora os prejuízos diretos ao empresariado, os líderes do capitalismo brasileiro, já ultrapassam mais de um bilhão de reais. Como certeza se agregarmos os prejuízos causados pelas queimadas e incêndios em outros estados e a destruição da biodiversidade e também as consequências para a saúde humana, que também geram gastos e custos para as famílias, as pessoas, para as empresas e para os poderes públicos esses “prejuízos” causados por esta degradação ecológica podem superar mais de cinco ou dez ou 20 bilhões de reais e muito mais tendo em vista seus impactos no futuro.

Todavia, enquanto existe uma “grita geral’, todo mundo reclamando, parece que ainda não está ocorrendo ou não ocorreu um despertar da consciência coletiva nacional da gravidade das questões ambientais, tanto isto é verdade que os recursos públicos, via orçamentos federal, estaduais e municipais, da mesma forma que os recursos privados, no âmbito das empresas, para enfrentarem as causas e as consequências, não apenas dessas ondas de calor extremo que irão se multiplicar com mais frequência no Brasil inteiro e também em inúmeros outros países, mas também de outras consequências, ainda são extremamente insignificantes.

Todo mundo apenas reclama e muitos “rezam”, “oram” para que Deus ou outras divindades nos socorram e acabem com essas ondas de calor ou com chuvas torrenciais que também produzem verdadeiras catástrofes, cujas causas são as ações humanas gananciosas, que só visam o lucro e o uso imediato dos “recursos naturais”, como se esses fossem inesgotáveis e sua destruição não provocassem consequências como as que vimos recentemente no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e outros estados e, ultimamente,
em diversos estados afetados pelas queimadas e incêndios florestais incontroláveis.

Parece que ainda não acordamos de um sono letárgico que se apoderou do Brasil, tanto é verdade que estamos em pleno período das eleições municipais, quando, ao invés de tantas baixarias, os candidatos não conseguem refletir sobre os problemas reais e fundamentais que afetam a vida da população dos municípios, principalmente o caos urbano em que vivemos.

Ninguém ou poucos candidatos tem apresentado propostas concretas, factíveis e imprescindíveis, relativas à ecologia integral ou mais particularmente ao que denominamos Meio Ambiente e praticamente pouco ou nada podemos esperar que, a partir de 1 de Janeiro de 2025, quando tomam posse os novos eleitos ou reeleitos algo diferente e mais significativo possa ocorrer em termos de definição de políticas públicas ambientais, de âmbito municipal ou intermunicipal.

A mediocridade, a demagogia, o despreparo, a alienação, a busca por interesses particulares em detrimento do bem comum e a corrupção, com certeza, vão continuar fazendo parte do universo político institucional e partidário em nosso pais, uma das razões pelas quais a crise climática, a degradação e a destruição dos biomas e ecossistemas vão continuar presentes no cenário brasileiro, lamentavelmente.

Estamos em pleno TEMPO DA CRIAÇÃO0, além das reflexões "normais", precisamos durante esses próximos 40 dias, que vão até 4 de Outubro, Dia de São Francisco, dar uma olhada no CALENDÁRIO ECOLÓGICO para tê-lo como base para um momento especial nesta reflexão.

Por exemplo, essas queimadas/incêndios que se alastram, a cada ano de forma mais intensa e um maior número de locais, além da ação criminosa humana, também estão relacionadas/relacionados com a crise climática, que, por sua vez, decorrem do uso de combustíveis fósseis e outras formas de degradação socioambiental, como aumento exagerado da produção de lixo, que acaba também degradando nossos cursos d'água (rios, córregos, lagos e lagoas), afetando também os mares e os oceanos.

De forma semelhante o desmatamento e as queimadas absurdas que ainda continuam, principalmente nos três biomas que fazem parte do território de MT e outros mais, o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia, estão destruindo as nascentes e afetando tanto o regime de chuva quanto secando todos os rios, córregos etc, como já estamos vendo nas Bacias Amazônica, do Prata (Paraná/Paraguai), São Francisco e demais bacias hidrográficas.

Enfim, esses são apenas alguns exemplos do que seja o significado quando o Papa Francisco enfatizava na Laudato Si, de que "Tudo está interligado", nesta casa comum, e que o GRITO DOS POBRES E EXCLUÍDOS é também o GRITO DA TERRA, DO PLANETA.

Diante disso, e imperativo que a gente, principalmente nós cristãos, cristãs e adeptos de outras religiões promovamos ações sociotransformadoras o mais urgente que pudermos, de forma coletiva, cujos impactos são muito mais significativos. Não podemos ficar de braços cruzados, precisamos promover uma grande e permanente MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA, denunciando os crimes ambientais, que, no contexto da Ecoteologia são considerados PECADOS ECOLÓGICOS, da mesma forma que a OMISSÃO também é um pecado.

As injustiças sociais, política e econômicas, o desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, as injustiças climática e intergeracional não podem ser toleradas por quem deseja viver em um país e um planeta que respeite a sustentabilidade e a Ecologia Integral, por isso a Laudato Si está inserida no contexto da Doutrina Social da Igreja.

Para finalizar esta reflexão/artigo, gostaria de transcrever algumas exortações do Papa Francisco, que, para mim, é o profeta ecológico do Século XXI.

“As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo do consumo (e do consumismo), o desperdício e alteração do meio ambiente superaram de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como, aliás, já está acontecendo periodicamente em várias regiões”. Papa Francisco, in Laudato Si, Maio de 2015 (161)

“Com o passar do tempo, entretanto, dou-me conta de que não estamos reagindo de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura. Independente dessa possibilidade, não há dúvida de que o impacto da mudança (crise) climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e em outros âmbitos”. Papa Francisco, in Laudate Deum, 04 de Outubro de 2023. (nove anos após a publicação da Encíclica Laudato Si, que continua ainda bem desconhecida do público em geral e até mesmo dentro da Igreja Católica, da qual o Papa Francisco é seu Pastor Universal, o que é preocupante e lamentável).

Para romper este círculo vicioso de passividade, de comodismo, de destruição e degradação ecológica planetária, precisamos despertar a consciência popular para uma cidadania ecológica, através da conversão ecológica, individual e comunitária. Isto exige de nós, principalmente cristãos, cristãs e adeptos de outras religiões, crenças e filosofias, três coisas: Oração, ações sociotransformadoras e uma grande e permanente MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA. Só assim, iremos acordar desta letargia e deste sono alienador e encontrarmos o caminho de uma melhor convivência com a natureza, da qual, nós, seres humanos também fazemos parte.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da PEI - Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram@profjuacy e Whats app 65 9 9272 0052

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