Em 22 de março, celebramos o Dia Mundial da Água.
Por Juacy da Silva
Desde 1992, ou seja, há 32 anos, por decisão da ONU, em 22 de março, de cada ano, é “celebrado” o DIA MUNDIAL DA ÁGUA, com o objetivo de despertar na consciência da população em todos os países e também entre governantes, empresários, empresárias, trabalhadores, trabalhadoras, lideranças civis, militares e religiosas quanto à importância e à necessidade de cuidarmos bem dos diversos mananciais, principalmente nossos córregos, nascentes, rios, lagos e lagoas e, mais do que nunca dos mares e dos oceanos, que estão se transformando na grande lixeira do planeta terra e fator de desequilíbrio ambiental universal.
A água é um elemento fundamental e imprescindível para todas as formas de vida, incluindo, a vida humana, a vida animal (não humana) e a vida vegetal. Sem água ou com a degradação da água todas as formas de vida correm perigo e podem se tornar impossíveis.
Segundo dados científicos, 70% da superfície terrestre são cobertas por água, sendo que 97,5% de toda esta água estão nos mares e oceanos, são as chamadas águas salgadas, que não servem para a maior parte das atividades humanas e econômicas, em que pese que, diante da escassez ou do agravamento da crise hídrica, o avanço do conhecimento científico e tecnológico tem permitido a dessalinização da água dos oceanos, tornando-a potável. Todavia este processo é extremamente complexo e tem altíssimos custos, sendo uma alternativa praticamente inviável em futuro próximo.
Assim, precisamos cuidar de uma forma mais efetiva e racional dos 2,5% de “agua doce”, potável e que são próprias tanto para o consumo humano, quanto para as atividades econômicas e também para a vida e a manutenção da biodiversidade animal e vegetal que não estão vinculadas aos oceanos.
De acordo com dados de várias agências internacionais (ONU) e também inúmeros estudos e pesquisas científicas de universidades e centros de excelência na área ambiental, principalmente relacionadas com água e saneamento básico, em torno de 4,5 bilhões de pessoas ao redor do mundo, principalmente na Ásia, na África e no Oriente Médio não tem acesso ao saneamento básico e mais de 2,1 bilhão de pessoas não tem acesso à água potável.
No Brasil a situação também é crítica e vergonhosa, apesar dos discursos e promessas de políticos e governantes ao longo de décadas, este “progresso” tem sido muito lento e deixa de fora milhões de famílias. Mais de 40 milhões de pessoas que vivem nas áreas urbanas de nosso país não tem acesso à agua potável, tratada e de qualidade, enquanto mais da metade da população que vive nas cidades, em torno de 100 milhões de pessoas não tem acesso ao saneamento básico, vivem e convivem com córregos e rios que há décadas ou quase século se transformaram em ESGOTOS A CÉU ABERTO, cujos exemplos mais gritantes são os Rios Pinheiros, Tamanduateí e Tietê em São Paulo, coração do PIB brasileiro, a Baia da Guanabara e região da baixada fluminense no Rio de Janeiro e, também o nosso lendário Rio Cuiabá que também há décadas vem se transformando em um, talvez no maior ESGOTO A CÉU ABERTO da Região Centro Oeste, contribuindo para a morte tanto desta subbacia hidrográfica quando de nosso, outrora exuberante Pantanal, que também está em processo acelerado de degradação ambiental.
Há bastante tempo estamos vivendo e observando o agravamento de uma grande crise hídrica mundial e no Brasil, seja no que concerne à quantidade (escassez) de água necessária para o consumo humano e para as atividades econômicas, quanto e, principalmente, em relação à qualidade da água disponível para suprirem essas atividades.
Conforme sempre lembrado pelo Papa Francisco tanto na Encíclica Laudato Si e em diversos de seus pronunciamentos, bem como conclusões de estudos científicos, produzidos por Instituições de renome mundial, “Tudo está interligado, nesta Casa Comum” (Planeta Terra) e que, “na origem dos problemas socioambientais estão as ações humanas”, no contexto de que “não existem duas crises separadamente, de um lado, uma crise socioeconômica e política e de outro uma crise ambiental; mas sim, uma única e complexa crise socioambiental”.
Segundo este entendimento o desmatamento, as queimadas e a destruição de um bioma ou ecossistema produzirá impacto nos demais setores, não apenas local ou regionalmente, mas em diversos momentos a nível mundial.
Por exemplo, o desmatamento, as queimadas, a degradação do solo e das águas, enfim, a destruição da floresta amazônica ou do cerrado tem impactos no regime de chuvas, afetam os “rios voadores” que levam chuva das regiões Norte e Centro Oeste para o restante do Brasil, principalmente, os Estados das regiões Leste e Sul.
O desmatamento, as queimadas e a ocupação desordenada e intensiva do Cerrado, região conhecida como o “berço das águas” e que alimenta tanto o Aquífero Guarani, quanto os rios formadores das principais bacias hidrográficas brasileiras estão destruindo e afetando as nascentes nesta região, cujos efeitos já são sentidos no momento e que tendem a um agravamento sério em um futuro próximo.
O uso abusivo de agrotóxico afeta tanto a qualidade do ar, quanto do solo e, PRINCIPALMENTE, os mananciais, córregos e rios, afetando a qualidade da água, destruindo a vida aquática e afetando a qualidade da água utilizada para consumo humano e outras atividades econômicas e sociais.
É comum termos conhecimento que os níveis de coliforme fecais, ou seja, dejetos humanos tornam a água imprópria para uso humano e geram inúmeras doenças `a população, principalmente doenças parasitárias. A degradação da água afeta os processos e custos de tratamento da água, onerando sobremaneira os usuários.
Outro aspecto importante e complexo em relação ao uso da água é a questão do desperdício, decorrente tanto da falta de consciência coletiva quanto ao uso da mesma quanto de infra estrutura inadequada e obsoleta. Em algumas cidades e estados o desperdício representa mais de 45% de toda a água captada e tratada, recaindo sobre os usuários este custo, que ainda é mais elevado devido a inadimplência que ocorre em diversas regiões.
Outro aspecto que precisamos refletir é que em torno de 3,4 milhões de pessoas morrem no mundo TODOS OS ANOS por doenças relacionadas com a falta de água ou pelo uso de água contaminada por lixo urbano, poluentes químicos,lixo hospitalar, despejo de esgoto “in natura” nos cursos d’água, como ocorre na grande maioria das cidades do Brasil e de nosso Estado, incluindo Cuiabá e Várzea Grande, o maior aglomerado urbano de Mato Grosso, com aproximadamente um milhão de habitantes.
De acordo com dados da ONU, em 2020, mais de 15 mil pessoas, número subestimado, morreram no Brasil e mais de 350 mil foram internadas no Brasil devido a doenças ligadas à precariedade do saneamento básico e à falta ou péssima qualidade da água consumida pela população, principalmente a população que vive nas áreas periféricas das cidades, excluídas e sem a mínima dignidade humana.Esta situação não apenas tem se mantido como também tem piorado em algumas regiões.
Desde 2003 a ONU, para que o DIA MUNDIAL DA ÁGUA possa ser “celebrado” e que seus objetivos sejam alcançados, destaca um tema como foco central dessas “comemorações”.
Em 2024 o tema é “Água para a paz”, acelerando as mudanças com vistas à universalização do acesso à água tratada e ao saneamento básico, coerente com o Objetivo sexto da Agenda 20230 (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) – Água limpa e saneamento básico para todos/todas.
Desde março de 1977, quando da realização da Conferência da ONU sobre a água, em Mar Del Plata, no Uruguai, a água passou a ser considerada um direito humano universal, tanto o acesso quanto o uso em quantidade e qualidade compatíveis com as necessidades e a dignidade humana, parâmetros aos quais devem estar subordinadas todas as questões relacionadas com a água e com o saneamento básico.
Novamente em 2010 a ONU reconheceu este direito universal à água e ao saneamento básico através de Resolução, enfatizando que “o acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial, fundamental e indispensável à vida em geral e a dignidade humana”.
Esses “avanços” legais, tanto em termos de legislação internacional quanto de legislação nacional, como no Brasil, estão ainda muito distantes da realidade vivida e sofrida por uma imensa maioria da população mundial e brasileira, cuja realidade bem conhecemos, repetindo, esses “avanços” legais estão inseridos na DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA ÁGUA, aprovada pela ONU em 1992, no contexto da ECO 92 e tantas outras conferências mundiais sobre água, clima, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, homologadas por mais de 95% dos países que integram a ONU, inclusive pelo Brasil.
A crise hídrica, as mudanças climáticas que já tem um contorno de crise climática, o aquecimento global, a poluição urbana, a má utilização da água, o desperdício, a alteração do regime de chuvas, o uso e ocupação do solo para produção de alimentos, as barragens na grande maioria dos rios mundo afora, inclusive no Brasil e em Mato Grosso, além de tantos outros fatores estão colocando em risco o abastecimento da água, principalmente para uso humano e dos setores produtivos, principalmente nos centros urbanos.
Segundo estudos da ONU, da OCEDE e de diversas outras instituições o crescimento populacional no mundo (mesmo em ritmo que tem sido reduzido ao longo das últimas décadas), o crescimento acelerado da urbanização, o aumento do PIB mundial e também o aumento do PIB per capital em diversos países são condições e elementos que irão produzir impactos em relação ao aumento significativo do uso dos “recursos” naturais, como solo, matéria prima vegetal, mineral e, também, à quantidade e qualidade da água disponível no planeta.
As previsões indicam que até 2040 esta demanda por recursos naturais, principalmente a água, terá um aumento entre mais 30% a 40%, da demanda atual e tais recursos não são inesgotáveis, pelo contrário são escassos e podem acabar, tornando impossível todas as formas de vida no planeta, inclusive a vida humana.
A água não pode ser tratada como apenas “mera” mercadoria que seja apropriada, utilizada para a finalidade produzir lucros imediatos para uns poucos em detrimento da grande maioria, diante do que estabelece a Declaração Universal dos Direitos da Água, que em seus artigos 5º , 6º , 7º , 8º e 9º , que transcrevo, nesta oportunidade para uma reflexão crítica por parte dos leitores e leitoras.
Vejamos
Art. 5º - A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras;
Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa, e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo;
Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 8º - A utilização da água implica em respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem (ser humano em sentido genérico) nem pelo Estado;
Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social
Assim, quando nossas reflexões se voltam para a questão da água, precisamos entender que sem água não há vida e que defender a vida significa também defender nossos mananciais, nossas nascentes, nossos córregos, nossos rios, nossas florestas, enfim, nossos Biomas e Ecossistemas.
Esta defesa se faz tanto no plano individual, quanto e principalmente na dimensão coletiva, incluindo na definição e implementação de políticas públicas que contemplem todos os mananciais, inclusive as bacias e sub bacias hidrográficas e os aquíferos, bem como um planejamento de médio e longo prazo pelo setor empresarial, tanto na área industrial, de serviços quanto também nas atividades do Agro, um dos setores que mais consomem água no Mundo e no Brasil. A água não é uma dádiva da natureza mas um recurso necessário à vida coletiva e como tal deve ser considerada.
A Declaração Universal dos Direitos da Água, apesar de seus mais de 30 anos, ainda é desconhecida pela grande maioria da população e também por parte de governantes, empresários e principais lideranças nacionais, estaduais e municipais.
A questão da água e a crise hídrica que estamos vivendo no Brasil é um desafio que deveria ser inserido nos debates políticos eleitorais que se avizinham, quando os eleitores brasileiros irão escolher vereadores e prefeitos de todos os municípios.
Talvez esta seja a hora de indagarmos quais a propostas que os partidos e os candidatos tem para as questões ambientais em geral, principalmente os desafios do saneamento básico e da água em nossas cidades e municípios em todos os Estados, inclusive em nosso Mato Grosso.