Tanto os eleitores de Lula quanto de Bolsonaro, em torno de 90%, permanecem fiéis às suas escolhas, pouco, não do que 12% a 15% desses eleitores confessam que poderiam mudar de opinião, caso o cenário se repetir novamente em 2026 e 2030,
Por Juacy da Silva
“Existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir dum povo, a sua dinâmica cultural e as grandes tendências duma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum. Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas dalguns setores da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou sutis, o servilismo das instituições e da legalidade. Os grupos populistas fechados deformam a palavra «povo», porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo. De fato, a categoria «povo» é aberta. Um povo vivo, dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses assumindo em si o que é diverso. E fá-lo, não se negando a si mesmo, mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por outros; e, assim, pode evoluir”. Para Francisco, Encíclica Fratelli Tutii (Fraternidade e Amizade Social), Capítulo V - A Melhor Política, itens 159 e 160, 03/10/2020
A melhor política tem como fundamento a realização do bem comum, da Justiça Social, da Justiça Ambiental e da Justiça intergeracional, só assim estaremos contribuindo para um mundo melhor, países e comunidades nos quais as pessoas possam ter a garantia do respeito aos direitos humanos e a dignidade, como filhos e filhas pertencentes a uma única família e que possamos, verdadeiramente, sermos irmãos e irmãs, como enfatizado nesta Encíclica que inspira também a Campanha da Fraternidade em 2024, com o mesmo tema e lema.
É neste contexto que eu gostaria de refletir nesta oportunidade sobre alguns desafios políticos que estarão presentes neste ano em nosso país, principalmente em relação às eleições municipais que devem ocorrer em outubro próximo.
Após mais de um ano da realização do segundo turno das eleições que marcou uma das mais acirradas disputas desde que o fim do regime militar/ditadura e sob a égide da chamada Constituição Cidadã que, neste ano, no dia 5 de Outubro próximo, (véspera do primeiro turno das eleições) irá completar 36 anos de vigência, o período mais longo de nossa história sem grandes turbulências políticas e institucionais, que o Brasil já experimentou, apesar da tentativa de Golpe contra a democracia, em 08 de Janeiro de 2023, praticado pelo extremismo direitista, o que demonstra que ainda estamos vivendo sob uma polarização extremamente nefasta para a vida nacional.
Isto pode ser identificado nas diversas pesquisas de opinião realizadas ao longo deste primeiro ano do terceiro mandato de Lula, inclusive dados que indicam que tanto os eleitores de Lula quanto de Bolsonaro, em torno de 90%, permanecem fiéis às suas escolhas, pouco, não do que 12% a 15% desses eleitores confessam que poderiam mudar de opinião, caso o cenário se repetir novamente em 2026 e 2030, ou seja, este índice de desencanto com os dois líderes incontestes ,de campos opostos não deve alterar o panorama a curto e médio prazos.
Esta polarização também pode ser observada no Congresso Nacional, como as cenas lamentáveis ocorridas quando da Promulgação da Lei da Reforma Tributária, quando parlamentares (deputados e senadores) ofenderam o Presidente Lula, até com palavras chulas, indígenas de parlamentares, como também nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais (poderes Legislativos) e, principalmente, entre Governadores.
As Regiões Sul, Sudeste, Norte e Centro Oeste continuam ideologicamente orientados pelo conservadorismo/bolsonarismo, com bolsões onde a esquerda e centro esquerda tem um trânsito mais favorável e o Nordeste como base firme da esquerda e centro esquerda, refletindo os resultados das eleições para Presidente, principalmente no segundo turno, quando os eleitores tinham apenas Lula e Bolsonaro como opções de escolha.
Apenas para relembrarmos, o resultado do segundo turno foi acirradíssimo: Lula com 50,9% dos votos e Bolsonaro com 49,1%, ou seja, uma diferença mínima de 2,1 milhões de votos ou 1,8% dos eleitores que compareceram `as urnas, com exceção dos ausentes (abstenções)32,2 milhões ou 20,6%; Nulos 3,9 milhões ou 3,16% e Brancos 1,7 milhões ou 1,43% .
O importante é assinalar que 37,8 milhões de eleitores em que a soma das abstenções e dos votos nulos e em branco representa 24,2% do eleitorado brasileiro e mesmo que não tenham votado para Presidente em 2022, nada indica que não tenham opinião política ou opção ideológica, neste acirramento de opiniões.
Outro aspecto a considerar é também o aumento de novos eleitores, principalmente de jovens que nessas eleições municipais de 2024 e nas eleições gerais de 2026 e, assim subsequentemente pelas eleições futuras, estarão votando pela primeira vez.
Esta parcela de eleitores, incluindo a que deixou de comparecer no segundo turno das eleições presidenciais em 2022, dependendo da formação ou deformação política e ideológica e também dos desafios econômicos, políticos, ideológicos, sociais, ambientais, culturais e religiosos, poderão mudar completamente o cenário, desmentindo todas as previsões e tendências do passado e da atualidade.
Outro fator importante é que as disputas locais, geralmente, são mais acirradas e dependem das “composições” políticas e eleitorais e do “mandonismo” ou caciquismo exercido pelos atuais “coronéis” e donos dos currais eleitorais, onde as promessas (muitas totalmente inexequíveis e irrealizáveis) e os favores tem um apelo bem mais forte e imediato.
Por mais que alguns digam que tudo isso é normal em uma democracia ou o que outros denominam de “estado democrático de direito” e republicano, para diversos observadores estamos caminhando para que esta radicalização entre bolsonarismo/extrema direita e “lulismo/petismo”, esquerda e extrema esquerda não aponta que irá se arrefecer tão logo, pelo contrário, parece que o espaço para a chamada terceira via, o centro, centro-esquerda ou centro-direita, a cada dia fica mais reduzido e eleitoralmente inviável, como tem sido demonstrado por várias candidaturas para Presidente como de Marina Silva, Ciro Gomes, Simone Tebet ou outras com menor expressão e densidade eleitoral.
No campo econômico, mesmo que a reforma tributária tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada com muita “pompa e circunstâncias” e comemorada “solenemente” no Parlamento, tendo em vista que a mesma vai demorar longos sete anos para ser definitivamente implantada, considerando a fluidez da política brasileira e também que ao longo deste período teremos as eleições gerais, de 2026 e 2030 , incluindo, para Presidente da República, Governadores dos Estados, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional, tudo e, ao mesmo tempo, nada poderá acontecer.
Creio que mesmo Bolsonaro tendo sido alijado desses pleitos, por ter sido considerado INELEGÍVEL por 8 anos, da mesma forma que Lula foi alijado das eleições de 2018, quando era considerado franco favorito, o pleito eleitoral de 2026 já está em pleno vapor, tanto pelo fato de que, tendo apenas completado seu primeiro ano de governo a esquerda e ele próprio (Lula) já está se declarando candidato a reeleição e, pela ausência de Bolsonaro, o líder de plantão da extrema direita e de boa parte da direita, diversos governadores como o de Goiás, do Rio Grande do Sul, de São Paulo e de Minas Gerais já trocam farpas entre si e estão se movimentando com muita desenvoltura no cenário nacional, atacando sempre Lula, que poderá vir a ser candidato.
Costuma-se dizer que as eleições municipais no Brasil, da mesma forma que as “mid-term elections”, eleições de meio de mandato presidencial nos EUA, servem como um termômetro para as eleições gerais dois anos depois. Afinal, prefeitos e vereadores são, na verdade os grandes “cabos eleitorais” nas eleições gerais, principalmente para os cargos executivos estaduais (Governadores) e federal (Presidente da República).
Aí é que a “porca torce o rabo’, como se diz, ou seja, pouco importa se o governo federal e o Congresso Nacional sejam conservadores ou progressistas, de direita, extrema direita, de centro, de esquerda ou extrema esquerda, os partidos e toda a chamada “classe política”, pelas suas características intrínsecas de oportunismo, de nepotismo, ainda de boa dose de coronelismo, demagogia e, claro, também muita corrupção, tem seus interesses voltados, não para as necessidades e aspirações da população, mas sim seus currais eleitorais e “esquemas” de poder, de onde usufruem seus inúmeros benefícios e vantagens/mutretas.
Diante disso, na atual situação do Governo Lula, além dos conflitos internos dentro do PT e entre os partidos de esquerda, diante da hegemonia do PT no que concerne `a agenda política-governamental e das contradições dentro do próprio campo da esquerda, base real e concreta do Governo, já que os demais partidos que “chegaram depois”, muitos dos quais estiveram e poderão estar, novamente, no círculo de influência do bolsonarismo, da direita e extrema direita, tem demonstrado que mesmo Lula tendo atendido seus apetites fisiológicos oferecendo cargos de primeiro escalão (ministros) , de segundo e terceiro escalão, liberando, como sempre aconteceu, as famosas emendas parlamentares e o Congresso desfigurando boa parte do Orçamento Geral da União, com suas pautas conservadoras, com certeza estarão em campos opostos nas eleições municipais.
Cabe ressaltar que, pela lógica política, todos os partidos que integram a “base” do Governo Lula no Congresso tenham interesse em lançar candidatos `as eleições municipais principalmente nas cidades e regiões com grande densidade política e eleitoral, como as capitais dos estados (geralmente que tem um peso eleitoral muito grande em relação aos respectivos estados), e também nas regiões metropolitanas e cidades com mais de 200 mil ou 300 mil eleitores, pelo menos no primeiro turno que deverá ocorrer em 06 de Outubro ou no segundo turno em 27 de outubro próximo. Esta é a única forma dos partidos se fortalecerem e conquistarem espaço tanto entre a população quanto nas estruturas de poder.
Todos os partidos e federações, seus respectivos candidatos a Prefeitos e Vereadores e também todos os eleitores tem diante de si um calendário a ser obedecido até chegar os dias das eleições municipais em 6 e 27 de Outubro próximo, apenar nove meses a partir deste início de Janeiro.
Apesar de que quem realmente define as candidaturas são as convenções partidárias, bem sabemos que esta escolha, principalmente as para prefeitos ocorrem no âmbito de gabinetes ou residências com a presença dos caciques e donos de partidos que negociam, como se diz “tim por tim”, deixando às convenções apenas um papel homologatório de decisões complexas, verdadeiro jogo de xadrez político, tomadas aleatoriamente por esses figurões ou figuronas.
Assim, para dourar a pílula, os caciques e donos de partidos costumam dar declarações tentando passar para a opinião pública que “tudo está sob controle” que as coisas “não são bem assim” etc etc.
Para não me alongar em demasia vou mencionar apenas uma dessas explicações oferecidas pelo ex tucano depois convertido fazendo o “L” e tornando-se Vive Presidente da República, aliando-se a Lula, seu outrora figadal adversário político em São Paulo e no Brasil, Geraldo Alckmin.
Seu atual partido, o PSB é reconhecidamente, pelo menos no nome como um partido socialista, apesar de que alguns de seus caciques regionais volta e meia aliam-se aos partidos de direita e alguns até se aproximam do Bolsonarismo.
Na disputa para a Prefeitura de São Paulo, maior colégio eleitoral do Pais, com peso maior do que inúmeros estados, o PSB terá como candidata a atual deputada federal Tábata Amaral, eleita com a sexta maior votação no Estado de São Paulo, jovem, atuante e bastante destemida.
Como seu companheiro de chapa buscou o popular apresentador de TV, que explora sobremaneira a questão da criminalidade em seus programas, e, tudo leva a crer que esta será a escolha de seu atual partido, o PSB, apesar de ter sido eleita pelo PDT acabou abandonando aquele partido.
A Chapa Tábata/Datena, que terá o Vice Presidente Alckmin e o ex-governador de São Paulo e atual Ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França como seus grandes cabos eleitorais.
De outro lado, no mesmo espectro político e ideológico da esquerda, estará o atual deputado Boulos, a figura de maior projeção do Psol, tendo, quem sabe, só os próximos dias e meses teremos esta resposta, nada menos do que a ex e talvez futura petista, ex Prefeita, ex senadora e ex ministra de Dilma, mesmo depois tendo saído do PT e votado pelo impeachment da ex Presidente, poderá ser a candidata a Vice prefeita, tendo, aí sim, o grande embate, como cabo eleitoral nada menos do que Lula.
Diante deste cenário, rapidinho o Vice Presidente Alckmin veio a público dizendo que as eleições municipais nada tem a ver com o cenário nacional, que as mesmas não serão “federalizadas”, que os debates estarão girando em torno das questões das cidades, problemas locais e outros lenga-lenga que não colam.
No caso de São Paulo ainda existe o espólio do ex Prefeito Bruno Covas, herdado pelo seu vice, do MDB atual prefeito e que será candidato `a reeleição e também uma candidatura do ex ministro do meio ambiente de Bolsonaro, que o terá como cabo eleitoral, aquele ministro que queria “deixar a boiada passar”, e também outra candidatura do União Brasil, partido de direita que integra a base do governo Lula e tem três ministérios e diversos cargos de segundo e terceiro escalão em Brasília e nos Estados.
Nas capitais, nas grandes regiões metropolitanas e nas grandes cidades, em todos os estados, as eleições tenderão, pelo menos onde houver segundo turno a serem nacionalizadas, ou seja, os grandes desafios urbanos dessas cidades dependem de políticas públicas tanto do governo federal quanto dos governos estaduais, todos alinhados de um lado ou de outro desta polarização ideológica.
Oportunamente, voltarei a este tema refletindo sobre as eleições municipais em Mato Grosso e como as principais figuras políticas (caciques e donos de partidos e de currais eleitorais), incluindo o Governador, Vice Governador, Presidente da Assembleia Legislativa, deputados/deputadas federais, estaduais, senadores, prefeitos, vice prefeitos e vereadores/vereadoras estão se articulando, todos visando ser vitoriosos nessas eleições locais, como trampolim para voos mais altos.
Muitos desses caciques já estão de fato, de olho, nas eleições de 2026, não apenas em relação ao cenário nacional, mas pensando, como sempre em seus próprios umbigos, deixando bem longe os reais problemas e a realidade de Mato Grosso que tanto afetam a população, um Estado considerado “celeiro mundial” de grãos, minerais, madeira e proteínas animais, convivendo com aproximadamente um terço de sua população vivendo na pobreza e próximo de 10% vivendo na extrema pobreza, além de inúmeros municípios sem as mínimas condições de existirem, como bem enfatiza o Conselheiro Sérgio Ricardo, Presidente do TCE, que são municípios inviáveis, representando tanto as desigualdades sociais quanto regionais (dentro de Mato Grosso), verdadeiros bolsões de miséria e exclusão socioeconômica.
Além desses desafios políticos, tanto o Brasil quanto Mato Grosso e todos os demais estados enfrentam uma gama de desafios econômicos e ambientais, esses últimos que saltam aos olhos como a degradação e morte de nossos rios, e a destruição da biodiversidade nos três biomas presentes em nosso Estado que são: Pantanal, Cerrado e Amazônia Matogrosssense/Amazônia Legal, o desmatamento, as queimadas, o uso abusivo dos agrotóxicos e outros mais.
Oxalá tanto nas eleições municipais quanto nas eleições gerais os reais problemas que afetam a população possam ser discutidos, refletidos e que candidatos e partidos/federações possam apresentar propostas que sirvam para definir e implementar políticas públicas de médio e longo prazos e não apenas discursos fantasiosos, demagógicos e irrealizáveis, escondendo os reais interesses dos atuais e futuros donos do poder e dos marajás da república e seus financiadores no meio empresarial.