Entrevistamos o professor de Direito Canônico, Edson Sampel sobre a bênção a casais homossexuais.
Por Redação
No dia 18 de dezembro de 2023 o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou a Declaração Fiducia Supplicans sobre o significado pastoral das bênçãos. Entrevistamos o professor de Direito Canônico Edson Sampel acerca da polêmica bênção a casais do mesmo sexo.
Professor Sampel, o senhor poderia explicar, à luz do Direito Canônico, o que essa Declaração contempla?
R. O assunto em si é da alçada da Teologia Moral, não exatamente do Direito Canônico. De qualquer modo, é importante afirmar que a Fiducia Supplicans é claríssima no que diz respeito à bênção que pode ser dada a casais do mesmo sexo. Não se trata pura e simplesmente de bênção individual, que é uma prática bimilenar da Igreja. Para a bênção individual, não seria necessária esta Declaração, que inova exatamente em possibilitar que o sacramental seja conferido a casais heterossexuais em situação irregular e a pares de homossexuais, homens ou mulheres.
A polêmica refere-se à bênção que casais homossexuais possam receber da Igreja Católica, com essa Declaração. Ela legitima a união dessas pessoas?
R. Bem. A resposta a esta pergunta implica certo juízo de valor que não me compete enquanto canonista. Seria interessante, por exemplo, ler o posicionamento do cardeal Müller, ex-prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, teólogo profissional de consagrada experiência. O que eu posso dizer é que a polêmica Declaração não goza do atributo da infalibilidade, ao contrário do que se apregoou em matéria publicada num grande jornal de São Paulo. Assim, um futuro papa pode revogar a Fiducia Supplicans.
Os homossexuais têm direito à bênção sugerida pela Fiducia Supplicans?
R. Esta é uma pergunta bastante oportuna e aqui, talvez, surja uma análise propriamente jurídica. A indigitada bênção é um direito ou uma expectativa de direito? Se for um direito, – não se sabe ainda – certamente os pares homossexuais farão jus à bênção nos estritos limites previstos na Declaração, isto é, sem liturgia, rito especial etc.
Mas, professor – desculpe-me por interrompê-lo, – os interessados, então, poderiam reivindicar tal bênção na Justiça? A negação do sacramental seria um tipo de homofobia?
R. Sua pergunta me faz lembrar o que um amigo me indagou dias atrás: será que os homossexuais terão de ir à Alemanha ou à Áustria para receber a bênção? (risos). Veja. Em tese, seria possível reivindicar a concessão da bênção no foro canônico, se comprovada a acepção de pessoas, conduta repugnada no Novo Testamento e, consequentemente, na jurisprudência canônica. Além disso, há o direito constitucional do cânon 213, o qual preceitua que os fiéis têm o direito de receber dos pastores sagrados a ajuda dos bens espirituais.
Na Justiça Estatal, no meu ponto de vista, impossível o êxito de eventual processo! São duas circunscrições distintas: a temporal e a espiritual. Dois ordenamentos jurídicos: o Civil e o Canônico. Não se há de falar em homofobia. O Estado não pode intervir em assuntos religiosos, pois, como se gosta de dizer com tanta ênfase: o Estado é laico!
Como a Igreja trata a questão de casais homossexuais perante o Direito Canônico?
R. O Direito Canônico, principalmente o Código Canônico, não regula situações especificamente afetas aos irmãos homossexuais. Mas, a Igreja sempre foi solícita com os homossexuais, amando-os e recebendo-os de braços abertos, haja vista o que dispõe o número 2358 do Catecismo da Igreja Católica: “Devem [os homossexuais] ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir o sacrifício da cruz do Senhor às dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição”.
A Conferência Episcopal de Moçambique manifestou-se contrária a acatar as bênçãos propostas para casais do mesmo sexo. Outras Conferências podem fazer o mesmo? Há liberdade para que outros países também rejeitem a Declaração?
R. Parece que há liberdade sim, a teor de algumas, digamos, “manifestações interpretativas” do próprio cardeal Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé e autor da Fiducia Supplicans. Pelo que sei, na África houve rechaço cabal à referida bênção. Não vão pô-la em prática. No Brasil, assisti a um vídeo de dom Adair José Guimarães, bispo da Diocese de Formosa, no qual Sua Excelência Reverendíssima, corajosamente, avisa que não haverá bênçãos a casais homossexuais na Igreja particular que ele governa. Interessante que dom Adair embasa sua decisão em prévia oitiva dos leigos, os quais opinaram contra a bênção. Isto é autêntica sinodalidade: dividir a responsabilidade com os leigos (risos).