O desafio de uma educação com significado para a vida

Juan Ambrosio *

O tema da chamada semana da educação cristã é este ano «educação cristã e família». Nada mais obvio pensarão muitos, pois a educação Cristã não pode jamais prescindir da família, sendo no seu âmbito que se realizam alguns dos passos mais importantes e determinantes nesta área. Se bem que é verdade que esta relação é natural e imprescindível, torna-se, no entanto, necessário olhar para ela tentando ir um pouco mais além das evidências e do que aparece na superfície.

Digo isto porque hoje é frequente ouvirmos que uma das causas da descristrianização da nossa sociedade e da grande erosão da prática cristã se deve ao facto das famílias se terem demitido do seu papel de educadoras e transmissoras da fé. Muitas famílias, de facto, demitiram-se deste papel. Umas porque não podem transmitir aquilo que não vivem, outras porque não sabem bem como fazê-lo, outras, ainda, porque julgaram que o mero testemunho da sua prática seria suficiente para a educação das novas gerações. Há muito de verdade nestas análises e afirmações, não fiquem dúvidas a esse respeito, mas, no meu entender, elas não explicam tudo e devemos ter a coragem de acolher outras.

Se não vejamos. Ao longo da vida do ser humano são muitas as coisas que vão sendo ensinadas e aprendidas. o processo educativo, que não se reduz aos aspetos cognitivos, como todos bem sabemos, acaba por abordar uma imensidão de áreas e por nos fornecer uma imensidão ainda maior de dados. Desses, muitos acabam por não ter grande peso na vida, e se nos interrogarmos porquê, talvez sejamos capazes de perceber que isso acontece pela sua falta de verdadeiro significado para a existência. Ou seja, há muitas coisas que acabam por ser literalmente postas de lado porque elas acabam, por não ser verdadeiramente significativas para a vida.

É baseado nesta constatação que julgo ser importante interrogarmo-nos sobre os conteúdos da educação cristã e as diversas maneiras de transmiti-los. Será que eles são verdadeiramente significativos do ponto de vista antropológico. Será que a maneira como são trabalhados e transmitidos tocam verdadeiramente na vida das pessoas?

Não tenho qualquer tipo de dúvidas acerca da importância e da relevância da mensagem cristã para a vida do ser humano. Mas a maneira como é transmitida e traduzida, numa linguagem que possa ser interpelativa para cada tempo, aí já me surgem dúvidas.

Sei, todos sabemos, como a mensagem de Jesus Cristo é só uma ontem hoje e amanhã. Ela não varia com o tempo. Mas também todos sabemos, e o mistério da encarnação a isso nos chama, que essa mesma mensagem tem de ser ‘dita' e ‘vivida' no contexto concreto de cada momento histórico. De nada serve dizermos que a proposta cristã é fundamental se não formos capazes de testemunhar a sua verdadeira mais-valia, o seu verdadeiro significado para a existência.

Digo isto porque me parece que muitas vezes aquilo que fazemos ao nível da educação cristã corre o risco de ficar ao lado da vida concreta. Claro que é muito importantemente conhecermos a história da Igreja. Claro que é fundamental sabermos o que significam as formulações da nossa fé e da nossa identidade. Claro que é importante conhecermos e entendermos a liturgia. Tudo isso, e mais, é muito importante, mas julgo que não nos podemos ficar por aqui.

Sinceramente, creio que não podemos sublinhar a importância da relação com Deus, do culto e de uma prática cristã virada só para a celebração litúrgica, secundarizando a importância da construção da história e da edificação da sociedade. O cristianismo não pode ser reduzido a uma questão de culto e a uma mera prática de ritos, por mais importantes e indispensáveis que sejam. A educação cristã não pode apenas limitar-se a ser uma formação virada para dentro, para o interior da comunidade cristã.

Por exemplo, nesta fase difícil em que nos encontramos, é fundamental que no âmbito da educação cristã se possam encontrar elementos de discernimento e critérios de ação que ajudem a criar novos modelos para edificar as sociedades.

A família não pode deixar de ter um papel fundamental em todo este processo. Ela é verdadeiramente imprescindível para transmitir e encontrar os elementos de discernimento e os critérios de ação que possam ser significativos para a vida.

Mas a este nível ainda temos muito trabalho a fazer, ainda temos de aprender o verdadeiro significado da corresponsabilidade. Às famílias não se pode apenas pedir que exerçam a sua missão no âmbito da educação da fé sem que elas tenham também uma palavra a dizer quanto aos conteúdos, às metodologias e ao âmbito dessa mesma educação. Tem de haver uma maior relação e diálogo entre todos os intervenientes neste processo. Não é, possível que a catequese, as aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, os movimentos eclesiais, para só falar em alguns dos intervenientes, façam propostas que muitas vezes correm paralelas umas às outras.

Estamos claramente num tempo de mudança de paradigma (não só ao nível da educação da fé em particular, mas da educação em geral). O antigo já não serve cabalmente para cumprir a sua missão, pelo que achar que a solução se encontra num voltar atrás, àqueles tempos onde tudo parecia mais claro, não me parece ser a mais acertada. Mas ainda não temos o novo, pelo que também não me parece acertada uma fuga para a frente em total rutura com o caminho já feito. Porque estamos em fase de construção de um novo paradigma temos a oportunidade e o dever de ser protagonistas na sua construção. Certamente que haverá riscos, de certeza que vamos cometer erros, mas o maior risco e o maior erro será não fazer nada e manter tudo na mesma.

Não se trata de criar novos conteúdos para o cristianismo, nem podemos ficar simplesmente centrados nas questões metodológicas, mas temos de ter a criatividade para transmitir os seus conteúdos de um modo que sejam verdadeiramente significativos para a vida concreta das pessoas em todas as suas dimensões.

* Juan Francisco Ambrosio, professor da Faculdade de Teologia - Universidade Católica Portuguesa - UCP.

Fonte: www.ecclesia.pt

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