Roberto Naime *
Dentre as características da crise do mundo globalizado estão a degradação ambiental, o risco de colapso ecológico e o avanço da desigualdade e da pobreza.
A ausência de sustentabilidade é uma falha fundamental na história da humanidade. A sustentabilidade é um conceito do nosso tempo, do final do sécula XX e da passagem para o terceiro milênio, da transição da modernidade truncada e inacabada para uma pós-modernidade incerta, marcada pela diferença, pela diversidade, pela democracia e pela autonomia (LEFF, 2001).
A crise ambiental tem muitas causas relacionadas, tais como a emissão de gases causadores do efeito estufa, a agro-pecuária extensiva com a diminuição da biodiversidade, os desmatamentos e as queimadas de florestas, a mortandade de animais silvestres e a contaminação de corpos hídricos superficiais e subterrâneos. Estes fenômenos são caracterizados em decorrência do aumento demográfico desordenado acentuado e geram uma diminuição drástica da qualidade ambiental na vida das populações.
A necessidade de morar é um direito individual ganhando uma dimensão jurídica em função do abrigo constitucional que é dado a este princípio. É uma necessidade básica para a sobrevivência humana, principalmente nas regiões frias do sul do país, onde a habitação é sua proteção física contra os efeitos climáticos acentuados. Podemos dizer que é também o refúgio do ser humano e de sua família, onde busca o conforto e a introspecção afetiva, necessidade básica para uma vida sadia e digna.
O uso e ocupação irregular dos terrenos é problema típico de cidades que conheceram um crescimento súbito da população motivado pela industrialização, pelo êxodo rural, pela migração e pela explosão demográfica. A demanda por moradias nunca foi atendida por uma oferta proporcional. O rápido crescimento da população urbana agravou o quadro de déficit habitacional.
Considerando apenas os 51 anos entre 1940 a 1991, a população urbana do Brasil cresceu de 12.880.182 para 110.875.826 de habitantes. As cidades brasileiras não estavam preparadas para receber subitamente tamanho acréscimo populacional. Não houve e podemos afirmar que de certa forma continua inexistindo planejamento ou política habitacional sistematizada e permanente em nossas cidades. Somente este mecanismo poderia suprir a imensa demanda verificada, onde o rápido processo de urbanização tem como contraponto um meio urbano incompleto e imperfeito, pouco favorável à vida humana, sendo mesmo o criador de graves dificuldades para uma elevada percentagem da população.
As favelas, mocambos e cortiços são áreas de densidades demográficas muito elevadas, com a utilização anárquica do meio físico, insuficiência dos serviços urbanos (redes de água, esgoto, luz e telefone), insuficiência nos transportes, dificuldades no setor da instrução, ausência de centros comunitários e de lazer, deficiência nos serviços sociais e de assistência sanitária.
Ainda se agregam a este quadro serviços comerciais e de abastecimento excessivamente caros e ineficazes, caracterizando completa deterioração do meio urbano e se caracterizando como a conseqüência mais visível do processo de crescimento rápido e desordenado que sofreram a maioria das cidades brasileiras (JUNIOR, 2006).
Muitas vezes e feita a distinção entre loteamentos "irregulares" e loteamentos "clandestinos". Os primeiros seriam aqueles que iniciaram algum processo administrativo de regularização ou licenciamento e por algum motivo não foram executados completamente ou foram executados fora dos critérios aprovados. Na prática ambos são ocupações desordenadas.
Nos dois casos os moradores não são proprietários de seus terrenos, mesmo quando o loteador é o proprietário da gleba original. Isso ocorre porque a regularidade urbanística do empreendimento é sempre uma condição para seu registro em cartório, momento em que são individualizados os lotes, mediante abertura das respectivas matrículas. Antes do registro, os lotes ainda não existem juridicamente e, portanto não constituem objeto suscetível de ser alienado.
A desarticulação do sistema viário dificulta o acesso de ônibus, ambulâncias, viaturas policiais e caminhões de coleta de lixo. Os bairros são formados mesmo estando sujeitos a ocorrências de erosão e alagamentos. Com frequência ocorre assoreamento dos rios, lagos e mares e ausência de espaços públicos para implantação de equipamentos de saúde, educação, lazer e segurança.
A energia elétrica é comprometida, resultando em riscos de acidentes e incêndios. Ocorre ainda expansão horizontal excessiva da malha urbana, ocasionando elevados ônus para o orçamento público (PINTO, 2006).
A falta de desta infra-estrutura básica resulta na falta de saneamento básico que hoje é um dos mais importantes aspectos da saúde pública mundial. Estima-se que 80% das doenças e mais de 1/3 da taxa de mortalidade em todo o mundo decorram da má qualidade da água utilizada pela população ou falta de esgotamento sanitário adequado. E isto ocorre de forma relevante nas ocupações desordenadas que constituem realidade expressiva e relevante no pais.
Ocorrem patologias como hepatite A, dengue, cólera, diarréia, leptospirose, febre tifóide e paratifóide, esquistossomose, infecções intestinais, entre outras, que afetam particularmente crianças de até 5 (cinco) anos. São conhecidas no meio médico, cruelmente, como "doenças de pobre" ou "doenças do subdesenvolvimento". No Brasil, estima-se que quase 24% da população não têm acesso à água tratada, isto sem contar as áreas rurais da região norte (BARROSO, 2002).
Segundo Moraes e Jordão (2002) a cada 14 segundos morre uma criança no mundo vítima de doenças derivadas de veiculação hídrica, indicando os esgotos e excrementos humanos como a causa principal, devido a contaminação de águas de poços superficiais. Outras causas seriam as contaminações por excrementos bovinos e suínos e efluentes agrícolas e industriais. Um dos fatores principais para tais ocorrências é que a água é um meio de sobrevivência para diversos agentes biológicos que causam infecções que, assim, se disseminam a longas distâncias.
Não existe infra-estrutura como abastecimento de água potável e tratamento com disposição adequada de esgotos sanitários domiciliares. O suprimento de água com frequência é feito por poços rasos que acabam também contaminados e constituem importante fonte de disseminação de doenças e redução de qualidade de vida das populações.
* Dr. Roberto Naime, colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte: www.ecodebate.com.br