Paulo José de Oliveira *
Estamos assistindo pela mídia mundial acontecimentos que marcam realidades totalmente diferentes do caminho que pode levar à construção do Reino de Deus, trazido por Jesus Cristo. São realidades que mostram os extremos existentes no modelo de organização da nossa sociedade globalizada. Por um lado vemos conflitos e mortes dentro de uma realidade de pobreza, miséria, exclusão de toda natureza, ausência total de uma situação de dignidade humana. Por outro lado vemos também conflitos e mortes dentro de núcleos de países desenvolvidos, mas onde também não se desenvolveu o respeito, a partilha, a igualdade, a solidariedade, a justiça.
No primeiro extremo acompanhamos o que vem ocorrendo em países africanos, como a Somália, onde milhares de pessoas, crianças e adultos, morrem abandonadas sem qualquer possibilidade de acesso ao mínimo necessário para se ter vida, na sua essência básica, que é o alimento para o corpo. Isto mesmo: a mãe olhar para o filho e não ter nada para alimentá-lo, e assim vê-lo morrer, de fome! "Aproximadamente 29 mil crianças menores de cinco anos morreram de fome nos últimos três meses na Somália", segundo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Muitos são os responsáveis por estas mortes: grupos internos em conflitos pelo poder político; países como os EUA com suas políticas intervencionistas e anti-terror; organismos internacionais humanitários que não se credenciam como imparciais, e desta forma são impedidos do acesso ás áreas dos desabrigados. Mas na verdade, as pessoas pobres, de países pobres, morrem por que elas não interessam ao modelo de produção econômico neoliberal globalizado, porque elas não produzem a "mais-valia" e nem consomem! Não fazem parte do "mercado", por isto podem morrer!
Como Cristãos, não podemos ficar apenas na análise econômica e social, temos que "perceber a radicalidade que está em jogo na questão da pobreza: a vida e a morte de pessoas", (Gutierrez, Gustavo - Paulus 2003). Pessoas criadas à imagem e semelhança do seu Criador, o Deus da Vida. (Gn, 1, 27). Não podemos ficar indiferentes, sobre tudo porque vivemos também, nós latino-americanos, em uma sociedade de muitas exclusões e muitas dívidas sociais.
No outro extremo, assistimos também, pela imprensa internacional, aos distúrbios e conflitos ocorridos em Londres. Trata-se de uma comunidade inserida em um centro representativo do desenvolvimento econômico europeu. Enquanto a renda "per capta", na Somália, fica na casa dos US$ 600,00, este valor na Inglaterra fica acima dos US$ 35.000,00. Mas se tem esta riqueza material na Inglaterra, então por que estes conflitos e distúrbios? O sociólogo português, Boaventura de Souza Santos, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, com o título "O caos da ordem", afirma que "os motins na Inglaterra são um perturbador sinal dos tempos". Neste artigo ele afirma também que nossas sociedades estão produzindo um "combustível altamente inflamável"; um combustível composto pela promoção da "desigualdade social, do individualismo, da mercantilização da vida, da prática do racismo, e do seqüestro da democracia por elites privilegiadas". E afirma ainda, que "os distúrbios na Inglaterra começaram com uma dimensão racial" e que o que acontece em Londres é uma "denúncia política violenta de um modelo social e político que tem recursos para resgatar bancos e não os tem para resgatar a juventude de uma vida sem esperança..."
Desta forma, como cristãos e responsáveis pela feliz tarefa da construção do Reino de Deus trazido por Jesus Cristo, podemos ter a certeza que nem a realidade da Somália, nem a sociedade individualista promovida pelos sistemas econômicos fratricidas, fazem parte dos Caminhos do Reino.
* Paulo José de Oliveira (Paulinho) é membro da Irmandade dos Mártires da Caminhada Latino-Americana e da Equipe de Comunicação das CEBs, Diocese de São J. dos Campos - SP
Fonte: Comunicação das CEBs, Diocese de São J. dos Campos - SP