Egon Heck *
Por ocasião da audiência pública e do seminário realizado por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça , sobre a demarcação das terras indígenas Kaiowá Guarani o exemplo mais utilizado para dizer que os índios não precisavam e nem queriam mais terra, foi a Terra Indígena Panambizinho, no município de Dourados. " Vejam essa terra, da melhor qualidade, outrora rico celeiro de alimentos, agora transformada em quiçaça(capoeira,tomada de colonião e broquearia)", adornou o governador Puccineli. Por ironia do destino e cinismo da história, enquanto isso era dito, um grupo de lideranças e jovens da aldeia estavam coletando sementes e mudas de arvores nativas na área de Pirakuá, para levar adiante em projeto de reflorestamento da terra devastada do Panambizinho. Foram mil e duzentos hectares demarcados para os índios, dos quais restavam apenas 11 hectares de restos de mata . Ou seja, menos de 1% de floresta nativa. Até os três córregos e nascentes existentes nessa terra tinham suas matas ciliares derrubadas. Sem nenhuma proteção, estes foram sendo contaminados pelo veneno e mesmo diminuindo consideravelmente seu volume de água. Essa é forma de ação exemplar exaltada pelas autoridades e abençoada pelo modelo de produção implantado.
No editorial do jornal O Progresso estava estampado o pensamento da elite do agronegócio "A tese que os índios precisam de mais terra é facilmente derrubada pelo exemplo clássico da Aldeia Panambizinho, em Dourados. Durante décadas os índios, com apoio de autoridades municipais, estaduais e federais, brigaram por 1.100 hectares que eram ocupados legalmente pelos colonos do Distrito Panambi, todos assentados legalmente na área dentro do primeiro programa de reforma agrária realizado no Brasil, em 1950, pelo então presidente Getúlio Vargas".
O líder Valdomiro, ao ser indagado sobre a vida hoje no Panambizinho desabafou: "Hoje estamos feliz com a terra. Mas muito triste porque até as descargas do presídio cai dentro do rio onde usamos a água. O que os colonos nos deixaram para nós é "osso puro". Não temos nem lenha e não cobramos nada. Ainda pagaram muito para eles. Hoje não temos as frutas por que os colonos furaram a raiz das plantas, colocaram veneno e mataram. O governo pagou eles, então eles não podiam deixar tudo estragado..."
Trazer a mata e a vida de volta
É neste contexto, que no dia da audiência pública e do seminário promovido pelo SNJ, a escola e famílias desta terra indígena realizaram um esforço concreto desenvolvendo um processo lento de reflorestamento e produção de alimentos. Através do projeto Yvy Akaniré, que significa terra sagrada, membros do Cimi e ex- membro do Ará Verá, estão há oito meses fazendo uma caminhada com a comunidade. Foram realizadas inúmeras conversas, reuniões, intercambio com a comunidade de Tey Ikue (Caarapó) e busca de sementes e mudas de árvores nativas na aldeia de Pirakuá, na fronteira do Paraguai, onde existem ainda mais de mil hectares de mata.
Enquanto esse esforço acontece, numa terra já demarcada, outras, em processo de regularização continuam sendo agredidas conforme inúmeras denuncias das comunidades indígenas de Nhanderu Marangatu, Jatawari e o outras.
* Egon Heck, Jardim-MS, dia da árvore 2011.
Fonte: Cimi MS