O renascimento feminino cotidiano

Maria das Graças Cordeiro de Medeiros *

As mulheres lutam desde os tempos bíblicos, por dignidade própria e pelas causas sociais em que acreditam.
Este 8 de março, Dia Internacional da Mulher, reveste-se de uma importância ainda maior para as brasileiras. O país tem sua primeira mulher presidenta da República. É conquista grande, porém, não mais meritória do que as de outras mulheres que, diariamente, quebram resistências e preconceitos. Ocorre que a simbologia e a importância do cargo de presidenta da República colocam a mineira Dilma Rousseff como marco na escalada nacional das mais recentes conquistas femininas. Essa luta da mulher por reconhecimento social, intelectual e econômico vem de muito longe no calendário e na história.

Como a mídia nos recorda, tudo começou em 1857 numa fábrica de tecidos da cidade norte-americana de Nova York. Eram 129 operárias que se rebelaram contra o sistema desumano de uma carga horária de 18 horas diárias, salários inferiores aos dos homens, inexistência de folga semanal e também de férias. Para impedir a greve, os patrões fecharam as trabalhadoras no interior da fábrica e atearam fogo ao prédio. Todas morreram carbonizadas no fatídico 8 de março de 1857. A data foi consagrada à memória das vítimas e entrou para o calendário mundial como Dia Internacional da Mulher, marco da luta sem trégua pelos direitos femininos. (É importante destacar outro fato: um incêndio, só que em 25 de março de 1911 e de forma diferente da narrada pela imprensa).

Mulheres e Igreja
Em 11 de abril de 1963, Quinta-feira Santa, o papa João XXIII assinava a encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra), código de ética e pastoral que inspira a própria Igreja e homens de boa vontade a tomarem consciência de um fenômeno que em tempos modernos muda as condições da mulher no ambiente público: "... o fato por demais conhecido do ingresso da mulher na vida pública: mais acentuado talvez em povos de civilização cristã; mais tardio, mas já em escala considerável, em povos de outras tradições e cultura. Torna-se a mulher cada vez mais cônscia da própria dignidade humana, não sofre mais o ser tratada como um objeto ou um instrumento, reivindica direitos e deveres consentâneos com sua dignidade de pessoa, tanto na vida familiar como na vida social" (Pacem in Terris, n.41).

O fato é que a Igreja se posiciona, dando uma atenção especial em se tratando da dignidade da mulher e da sua vocação. A Carta Apostólica de João Paulo II, Mulieris Dignitatem, publicada no Ano Mariano em 15 de agosto 1988, na celebração da festa da Assunção de Maria Santíssima, nos diz: "As mulheres foram escolhidas por Deus a fim de prepararem cada etapa da nossa fé e assim nos levarem a amar e a entender como o plano divino conta conosco, especialmente com as mulheres, para a sua realização total".

Ultimamente, a questão dos direitos da mulher tem adquirido um novo significado no amplo contexto dos direitos da pessoa humana. A mensagem bíblica e evangélica guarda a verdade sobre a unidade do homem e da mulher, isto é, sobre a dignidade e a vocação, que resultam da diversidade específica e originalidade pessoal de cada um. Os recursos pessoais da feminilidade certamente não são menores que os da masculinidade, mas são diversos. A mulher, portanto, - como também o homem - deve entender a sua realização como pessoa, a sua dignidade e vocação, segundo a riqueza da feminilidade, que ela recebeu no dia da criação e que herda como expressão, que lhe é peculiar, da "imagem e semelhança de Deus". Naturalmente, Deus confia todo homem a todos e a cada um. Todavia, este ato de confiar refere-se de modo especial à mulher por sua vocação materna.

Testemunhos femininos
A Igreja inspira-se nas figuras femininas do Antigo Testamento, nas mulheres do tempo de Cristo e de épocas sucessivas, até os nossos dias, para lidar com a realidade feminina. No Antigo Testamento as narrativas mostram relacionamentos recíprocos e interdependentes como base para a vida e formação do "Povo de Deus". Rebeca é apresentada como um novo Abraão, pronta para deixar a sua terra e a família e continuar a formação do povo escolhido. No livro do Êxodo, foram as mulheres, das mais pobres até a própria filha do faraó, que salvaram o menino Moisés e colaboraram para libertar o povo da escravidão. No Novo Testamento, as mulheres cristãs "emolduram a vida de Jesus como discípulas". É de singular destaque a Virgem Maria, que integra o humano e o divino em comunhão com o Deus da vida. O testemunho e as obras de mulheres cristãs tiveram um influxo significativo na vida da Igreja, como também na da sociedade. Mesmo diante de graves discriminações sociais, as mulheres santas agiram fortalecidas pela união com Cristo. Essa união e liberdade enraizadas em Deus explicam, por exemplo, as grandes obras das doutoras da Igreja Santa Catarina de Sena, da Ordem Terceira Dominicana, no século XIV, ao lutar pela unidade e pacificação dentro da própria Igreja, e da carmelita Santa Teresa D'Avila, no século XVI, influenciando a vida monástica com as reformas dos conventos femininos da sua ordem.

Hoje, a Igreja não cessa de enriquecer-se com o testemunho das mulheres que realizaram a sua vocação de santidade como Tereza de Calcutá e irmã Dulce, entre outras, religiosas dedicadas à causa de enfermos terminais, da pobreza e do abandono humano. Existem ainda mártires das próprias causas que abraçaram. Uma delas é a missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada na Amazônia por defender direitos de posseiros humildes contra grileiros poderosos. Outro testemunho é o da doutora Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, movimento que salvou, no Brasil, milhares de meninos e meninas subnutridos. Ela levou a experiência vitoriosa para o Haiti, onde foi uma das vítimas fatais do terremoto avassalador no ano passado.

O tempo passa e as lutas femininas não passam. Depois de vitórias em todos os campos, onde foi discriminada e injustiçada, a mulher acaba de ganhar mais uma batalha na guerra contra a truculência do braço armado do machismo. A Lei Maria da Penha - 11.340, aprovada no Congresso em 7 de agosto de 2006, pune com rigor homens que agredirem suas companheiras, dentro e fora de casa. Assim, empunhando suas bandeiras de luta, as mulheres perdem e ganham para definitivamente, vencerem. Elas renascem como "parteiras da própria libertação".

* Maria das Graças Cordeiro de Medeiros é pedagoga, cursa Teologia e é leiga engajada na pastoral do Batismo da Paróquia Maria Mãe de Deus, arquidiocese da Paraíba. Publicado na revista Missões, n. 02, Março de 2011.

Fonte: Revista Missões

Deixe uma resposta

2 + 16 =