Qual a sua fantasia?

Maria Regina Canhos Vicentin *

Em pleno carnaval, fico imaginando quantos de nós vestem fantasia o ano todo, para guardá-la apenas nesses quatro dias, recolocando-a na quarta-feira de cinzas. Deve ser um número grande, não é mesmo? Atualmente, a falta de autenticidade chega a incomodar. As pessoas falam de uma forma e agem de outra; ou agem de uma forma e pensam de outra; ou pensam de uma forma e falam de outra... As combinações são variadas. O difícil mesmo é descobrir quando a pessoa está sendo verdadeira. Isso porque, hoje em dia, ser verdadeiro é sinônimo de ser otário, já que todo mundo fica sabendo qual é a sua posição. Interessante é dissimular, pois assim ninguém sabe o que está se passando na sua mente, certo? Ótimo; é por isso que não se confia mais em quem quer que seja. Desconfia-se até da própria sombra. Paira um clima persecutório no ar, e as pessoas sentem que a qualquer momento podem ser pegas de surpresa.

Interessante notar que por trás dessa preocupação com a fantasia diária está o medo de ser machucado, enganado, humilhado, fragilizado. Falta amor e consideração pelo outro, então temos medo, pois se acontece com ele pode acontecer conosco. Só que quando acontece com ele, nós nos divertimos, não é mesmo? Bem ao estilo "pânico na TV", onde as pessoas são ridicularizadas sem dó nem piedade. Um programa que lucra em cima do desrespeito ao próximo, sua humilhação. Sinto vergonha ao perceber que é isso que temos a oferecer aos nossos jovens. Situações ridículas, estranhas e, por vezes, arquitetadas pela mente de pessoas possivelmente com comprometimento psicológico e afetivo. Quem tem amor ao próximo não sente satisfação em diminuí-lo, depreciá-lo ou fazê-lo alvo de gozações e chacotas, pois sabe que possui as mesmas limitações e fraquezas. Tais situações somente evidenciam que existe muita gente vivendo fantasiada. É lobo em pele de cordeiro. Por que não se assumem, então?

Seria mais fácil lidar com a realidade se ela fosse clara a todos. Seria mais fácil fazer opções e tirar conclusões. O problema é que tudo se passa de forma muito velada. Ninguém sabe ao certo até onde isso vai dar. A mídia televisiva, com honrosas exceções, cumpre seu papel na propagação do mal; no incentivo à desestruturação familiar, ao preconceito; na promoção da divisão de classes e pessoas. Quem tem olhos - veja! Quem tem ouvidos - ouça! Quantos carnavais ainda serão necessários para que a população acorde e rasgue a fantasia? O que não queremos para nós, simplesmente não podemos fazer aos outros - isso é básico - mas, não é o que acontece na vida real.

Após o nosso carnaval, também seremos cinzas, iguais a essas que colocamos em nossa testa na quarta-feira. Vale refletir sobre o que estamos fazendo, que caminho estamos percorrendo, que fantasia estamos usando... Pois, se cairmos, certamente vai haver muita gente rindo da nossa desgraça!

* Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora. Acesse e divulgue o site da autora: www.mariaregina.com.br.

Fonte: www.mariaregina.com.br

Deixe uma resposta

quatro × quatro =