Tempo da Criação

O Tempo da Criação é uma observância orante de um mês (1 de setembro a 4 de outubro) que convoca os 2,2 bilhões de cristãos do planeta a rezarem e a cuidarem da criação de Deus.

Por Juacy da Silva

Para melhor situarmos esta reflexão, precisamos esclarecer, definir os dois termos que são destacados no título da mesma, com um esclarecimento adicional que o Tempo da Criação é, a um só tempo de oração e também de ação, gestos concretos que demonstram não apenas o respeito pelas obras do Criador, inclusive os seres humanos, mas que, nós humanos somos dotados de consciência e liberdade tanto para agirmos, quanto para nos omitirmos diante dos vários desafios que surgem ao longo da caminhada da humanidade, como atualmente, o desafio socioambiental é o mais premente e que está na raiz de tantas outras mazelas como conflitos, guerras, fome, miséria, ganância, desperdício, consumismo, exclusão social, econômica, política e cultural.

“O Tempo da Criação é uma observância orante de um mês que convoca os 2,2 bilhões de cristãos do planeta a rezarem e a cuidarem da criação de Deus. É um momento para refletir sobre a nossa relação com o ambiente – não apenas a natureza “distante”, mas, crucialmente, o lugar onde vivemos – e as formas pelas quais os nossos estilos de vida e decisões como sociedade podem colocar em perigo o mundo natural e aqueles que o habitam, tanto humanos quanto outras criaturas. O comitê ecumênico que planeja e promove esse período a cada ano o apresenta desta forma: “O Tempo da Criação é um período para renovar a nossa relação com o nosso Criador e com toda a criação por meio da celebração, da conversão e do compromisso juntos. Durante o Tempo da Criação, nos unimos às nossas irmãs e irmãos da família ecumênica em oração e ação pela nossa Casa Comum.” Fonte: Site Instituto Humanitas – Unisinos, 31/08/2020.

No dia 23 de fevereiro último (2022), a CFFB – Conferência da Família Franciscana do Brasil promoveu o lançamento do TEMPO DA CRIAÇÃO deste ano, cujo tema “OUÇA A VOZ DA CRIAÇÃO”, está diretamente ligado ao cerne do movimento ambientalista mundial e também dentro do espírito da LAUDATO SI, encíclica do Papa Francisco, de maio de 2015. Isto significa que todas as obras da Criação falam e precisamos ouvir suas vozes, seus lamentos, seus gemidos quando são vítimas da degradação ambiental, do desmatamento, das queimadas, da poluição, da destruição das florestas e da biodiversidade, dos oceanos que estão extremamente poluídos e, inclusive, as vozes dos pobres, excluídos, marginalizados, injustiçados que também fazem parte das obras da Criação, são filhos e filhas de Deus.

Através de orações, reflexões, diálogo inter-religioso/ecumênico, este tema pretende unir toda a família cristã ao redor do mundo, tanto para orar quanto AGIR pela nossa Casa Comum, de 1º de setembro a 4 de outubro próximos. Com certeza o leitor, eleitor e contribuinte devem estar se perguntando, o que o Tempo da Criação tem a ver com a transição energética? É o que veremos rapidamente nesta segunda parte deste artigo.

Transição energética é uma transformação profunda na composição da matriz energética dos países, que tem ocorrido ao longo da história e, no momento, o rumo apontado é a substituição total do uso de fontes poluidoras, representada pelo uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) e seus derivados, por fontes limpas, renováveis e alternativas, com destaque para a energia solar, a energia eólica, a energia hidrelétrica (esta última que também já é considerada obsoleta, devido aos seus impactos negativos no meio ambiente).

Assim, a transição energética é um dos maiores e mais sérios desafios que temos pela frente quando se trata da caminhada da humanidade rumo a um Planeta ecologicamente sustentável, tendo em vista que boa parte do aquecimento global, que tem afetado e afetará muito mais as mudanças climáticas nos próximos anos e décadas, tornando a vida neste planeta terra praticamente impossível, tem uma de suas origens no uso de combustíveis fósseis tanto no setor de transporte e logística (o rodoviarismo), quando para gerar energia para o sistema produtivo, fábricas e todos os demais setores econômicos e, também, gerar eletricidade sem a qual praticamente nada se move neste mundo, que pouca atenção tem dado aos desafios socioambientais.

Existem vários caminhos a serem seguidos na busca desta transição energética, desde a questão da eficiência energética, ou seja, que o desenvolvimento científico e tecnológico avance rumo a produtos e sistemas produtivos mais eficientes, ou seja, melhor desempenho com menor uso de energia, reduzindo o desperdício, reduzindo o consumismo e reduzindo a degradação ambiental.

Todavia, mesmo que ocorra uma redução do consumo de energia, através de uma maior eficiência energética, com o aumento da população mundial, com o crescimento acelerado da urbanização e com o aumento médio do poder de compra dos consumidores, acarretará sempre um maior consumo de energia no mundo ao longo do tempo em praticamente em todos os países.

Diante disso, é imperioso, é preciso reduzir, dentro de um prazo relativamente curto, que seja estabelecido em acordos internacionais, como o Acordo de Paris e as deliberações das Conferências do Clima, para, finalmente, o mais urgente possível, ocorrer a total substituição do uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, o gás natural e o carvão, como base da matriz energética dos países.

Esta transição também pode ocorrer através do que está sendo realizado por inúmeras organizações nacionais, internacionais, pelo sistema econômico e, também, por organizações religiosas, em diversos países, que é o chamado DESINVESTIMENTO, ou seja, essas organizações simplesmente vendem seus ativos realizados em companhias que exploram, comercializem ou usam combustíveis fósseis, demonstrando `as referidas empresas que elas não tem mais lugar em um mundo ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL.

O mesmo deve ser feito por governos, sejam os que detém o controle de empresas que exploram fontes sujas de energia ou sejam através de subsídios com recursos públicos aos setores de combustíveis fósseis, como no caso do Brasil, onde a Petrobras ao invés de investir de forma mais significativa em fontes alternativas de energia, continua gastando bilhões em investimentos para produzir petróleo e gás natural e também os generosos subsídios que o governo brasileiro, da mesma forma que praticamente todos os países concedem a este setor todos os anos, centenas de bilhões de reais, quando em políticas, programas e projetos que buscam a proteção do meio ambiente ou possam financiar o uso de energias sustentáveis, praticamente são migalhas quando comparados a tais subsídios.

Existe um movimento de âmbito mundial, que parece ainda estar muito distante e totalmente ausente no Brasil, que é a questão do desinvestimento no setor de combustíveis fósseis.

Vejamos matéria recente, do início deste mês, sobre esta questão: “No dia 5 de julho, 35 organizações religiosas de seis países, com mais de US$ 1,25 bilhão em ativos combinados sob gestão, anunciaram seu desinvestimento de empresas de combustíveis fósseis. Essas organizações incluem 19 dioceses católicas, incluindo cinco na Irlanda e duas no Canadá. O arcebispo de Glasgow, Dom William Nolan, disse que num futuro próximo “será uma vergonha para qualquer instituição católica não ter desinvestido”. Se “onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6, 21), pergunte a si mesmo: onde está o seu coração hoje?” Fonte: Movimento Laudato Si, julho 2022.

E aqui no Brasil, como andam as conversas, os diálogos e a luta para reduzir a nossa dependência em relação aos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão), substituindo essas fontes poluidoras e degradadoras do meio ambiente por fontes limpas, alternativas como ENERGIA SOLAR, EÓLICA e outras mais?

Como estão reagindo os diversos setores produtivos não apenas do mundo em geral, mas do Brasil em particular, em relação `a transição energética, a uma nova economia, verde, circular, de baixo carbono, menos dependente de fontes poluidoras de energia? Como vai a agroecologia em nosso país? E a defesa das florestas que continuam sendo destruídas impiedosamente todos os anos?

Será que os discursos tanto de governantes, quanto de empresários e demais lideranças de organizações não governamentais, inclusive religiosas, estão coerentes com as ações do dia a dia, do cotidiano?

Será que nossas Arquidioceses, Dioceses, Paróquias e comunidades católicas estão engajadas no MOVIMENTO LAUDATO SI, buscando transformar em realidade as exortações, pronunciamentos e ensinamentos do Papa Francisco EM DEFESA DA ECOLOGIA INTEGRAL.

É neste sentido que precisamos aliar, unir nossas preocupações tanto como cristãos quanto empresários, trabalhadores, população em geral e governantes, que certamente, em sua grande maioria professam, pelo menos da boca pra fora, sua adesão `a fé cristã, inclusive a doutrina de cada igreja em particular, seja católica ou evangélica, mas também outras religiões, seitas e filosofias, pois, afinal, a degradação ambiental, a crise socioambiental afetam todos os habitantes do planeta, razão mais do que suficiente para que esses desafios sejam colocados na agenda de todas as organizações, a começar pelas igrejas e religiões.

O que é necessário para que, DE FATO, as Igrejas cristãs, principalmente a Igreja Católica, sejam ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEIS? Será que existe espaço para um maior engajamento da Igreja Católica e demais Igrejas Cristãs na Luta por uma ECOLOGIA INTEGRAL. E a Pastoral da Ecologia Integral como anda em sua Paróquia, comunidade, Diocese e Arquidiocese? Em sua Igreja?

Esses são alguns questionamentos que poderíamos estar fazendo durante o TEMPO DA CRIAÇÃO, que está bem próximo, que tem início no dia 01 de Setembro, que é considerado o DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS OBRAS DA CRIAÇÃO e se encerra no dia 04 de Outubro, no DIA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, o padroeiro da Ecologia.

Que tal durante esses 34 dias buscarmos realizar não apenas nossas orações em favor das obras da criação, mas também rodas de conversas, palestras, seminários, diálogos visando definir ações que podem e devem ser feitas para que o mundo, nosso país, nossos municípios e nossas comunidades busquem saídas urgentes para esta crise socioambiental que se agrava a cada dia? Que tal transformarmos o Tempo da Criação em uma celebração a ser realizada durante o ano todo e não apenas em um curto período?

Você já ouviu falar em PECADO ECOLÓGICO? Em conversão ecológica? Em Cidadania ecológica? Em ecologia Integral? O que você sabe sobre a Economia de Francisco e Clara, como um novo modelo, um novo paradigma para substituir esses sistemas que ai estão matando, destruindo as obras da criação, inclusive milhões de seres humanos a cada ano? Você já imaginou substituir uma economia que gera morte por uma economia mais humanizada, solidária, justa que respeita os trabalhadores, os consumidores e o meio ambiente?

Pense nisso e junte-se a quem estiver celebrando o TEMPO DA CRIAÇÃO a partir do dia 1 de setembro próximo até o dia 4 de outubro vindouro.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral na Arquidiocese de Cuiabá e outros municípios de Mato Grosso. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052

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