O pastor religioso e o mendigo com fome

Seria apenas um mendigo a mais com fome, na noite fria?

Por Célio Pedro Saldanha Dornelles*
Foto: Foto: Freepik/@jcomp

Uma garoa fria, fininha, caia lá fora. A noite estava gelada. Dez horas da noite.

Aquele pastor religioso, confortavelmente estabelecido em sua poltrona, assistia o jogo de futebol do seu time preferido. Eis que, se não quando, seu conforto é quebrado pelo toque da campainha da porta que dava para a rua. Quem será a essa hora e com todo esse frio? Levantou-se preguiçosamente contrariado de sua cômoda poltrona e foi ver quem era o intruso, naquela noite, assim, tão inesperadamente, que soava a campainha da porta. Era um pedinte, segurando um prato de alumínio velho e uma colher desgastada.

O pastor religioso, ligeiramente incomodado, foi logo perguntando o que ele queria àquela hora da noite. A resposta do mendigo pobre: Eu tenho fome. Ainda não comi nada, até agora. A resposta do pastor religioso: Venha amanhã de manhã. Hoje não temos nada, estamos numa reunião comunitária, não tenho tempo, volta amanhã de manhã.

Mas tenho fome, vou dormir com fome, com fome.

O pastor religioso: Eu já disse, volta amanhã, estamos numa reunião comunitária volta amanhã, amanhã!

O mendigo pobre segurando o velho desgastado prato e a colher, cabeça baixa, foi se embora, repetindo: Dormir com fome, com fome com fome!

O pastor religioso retomou ao andar de cima, estatelando-se, gostosamente na sua poltrona. Porém, coisa estranha!... E começou a ficar inquieto, repentinamente desconfortável. Aquela hora, uma pessoa dormir com fome, e a noite fria, e a garoa fria, fininha, gelada?!

E a voz do mendigo pobre, repercutia dentro, em seu interior, ressoando na mente e sobretudo no seu coração: dormir com fome, com fome, e o prato de lata vazio e a pobre colher velha?!

Seria apenas um mendigo a mais com fome, na noite fria? E se fosse Jesus, travestido de mendigo? Quantas vezes, nos seus tempos de jovem clérigo ouvia dizer que Jesus, espertamente, se travestia de mendigo e pobre para ter o que comer ou um cobertor e papelão velho para dormir!

Seria Jesus no pobre, ou o pobre que era Jesus? E o pastor religioso começou a rememorar seu ministério religioso nas diversas ocasiões e situações, em igrejas e assembleias. Quantas vezes pregara, admoestara, em belas homilias, bonitos sermões, em igrejas, capelas e comunidades? Quantos elogios e parabéns, pela sua oratória, pela sua bonita e harmoniosa voz!

Afinal, ele era um pastor religioso, versado nas escrituras, na teologia bíblica e litúrgica, conhecera as filosofias diversas, tinha experiência em vários encontros, ele sabia de cor muitas epístolas, cartas dos apóstolos, os evangelhos. Sim, ele era, realmente conhecedor das sagradas escrituras.

Agora ele estava pensando na carta de São Paulo aos Coríntios, capítulo 13, quando o apóstolo fala sobre o Amor acima de tudo: eu posso falar todas as línguas, dos homens e dos anjos, ter toda a ciência, ter o dom da profecia, conhecer todos os mistérios, ter toda a ciência, toda a fé, posso repartir todos os meus bens, entregar meu corpo às chamas, nada sou sem o amor, que é paciente, não se vangloria, nem é arrogante, não falta de respeito, não se alegra com a injustiça, o amor nunca acabará, tudo termina, tudo acaba, só o amor da caridade irá até o fim, pois só conhece as fronteiras do amor de Deus e do próximo.

O pastor religioso ligeiramente angustiado: o pobre que ele despedira, vazio de comida, principalmente vazio do seu amor, do seu afeto, do seu carinho? Ele, pastor religioso, capaz de atos como esses? ....

Ele ainda, para sua culpa e quem sabe, para o seu julgamento, recordou São Mateus, 25, "quando tive fome me destes de comer, tive sede e me deste de beber, estava nu e me vestiste, doente e me visitastes, na cadeia e fostes me ver, era EU, disse Jesus. Sim, ele lembrou, Jesus se traveste muitas vezes e em muitas situações e ocasiões, naquele pobre com prato velho de lata e a pobre colher na mão, vazia de comida, com fome e repetindo nos ouvidos de seu coração, dormir com fome, com fome...

Duas grossas lágrimas, rolaram de seus olhos, mas, sobretudo do seu coração, de agora convertido, em verdadeiro religioso e pastor.

*Célio Pedro Saldanha Dornelles, IMC, é missionário em São Paulo, SP.

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