Fala com sabedoria, ensina com amor (Pr 31, 26)
Por Alfredo J. Gonçalves
Fotos: Arquivo CF 2022
A Campanha da Fraternidade de 2022 (CF 2022) reflete o tema da educação. Nos dias de hoje, trata-se de um assunto oportuno, de suma relevância e até mesmo profético. Que ocorreria com uma pessoa, um país ou uma sociedade que não levasse em conta uma formação crítica e sólida? Nosso grande educador, Paulo Freire, insistia na Educação como prática da liberdade, título de uma de suas obras básicas. Outro de seus livros, Pedagogia do oprimido, por sua vez, vincula a educação fundamental a um diálogo crítico e transformador com a realidade socioeconômica e cultural. Quanto ao lema, a CF 2022 optou por uma frase bíblica tirada do Livro dos Provérbios: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31, 26). Vale sublinhar que estamos diante de uma das linhas mestras da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Entraves
Três entraves de caráter histórico e estrutural, no entanto, impedem que o Brasil possa estender esse direito ao conjunto da população: a desigualdade social, o descaso do atual governo diante da cultura e o preconceito racista e excludente. No caso da desigualdade social, o país caminha com um peso de chumbo atado aos próprios pés. Trata-se da discrepância que, historicamente, vem cavando um fosso cada vez mais fundo entre a base e o pico da pirâmide socioeconômica. O círculo vicioso dessa situação desigual revela-se extremamente perverso e difícil de romper. A condição de pobreza extrema impossibilita o acesso integral à rede pública de educação. Sem estudo, sem diploma e sem capacitação profissional, permanece cerrada a porta para o mercado de trabalho, o que, por sua vez, levanta sérios obstáculos a outros direitos, como a habitação, a saúde, o transporte etc. Perpetua-se desse modo a condição de exclusão social.
Nem precisaria acrescentar que semelhante cenário, agravado pela pandemia da Covid-19 e pelo desleixo das autoridades governamentais, escancara o segundo entrave. A educação vista como um direito estendido a toda a população, por uma parte, e as expressões culturais e artísticas, por outro, sofreram um duplo golpe com o desgoverno de Bolsonaro. Chega a ser estridentemente ostensiva a atitude de descaso, de escárnio e de indiferença para com os artistas e intelectuais, os representantes da imprensa livre, e qualquer figura que se destaque no universo plural do saber em geral. Pior ainda, os cortes no orçamento em vista de reservar recursos para sua campanha populista tendem a recair sobre o campo da cultura. Uma vez mais, um ranço de consequências nocivas, e que vem desde os tempos da “Casa Grande & Senzala” (Gilberto Freire), acompanha e mantém a ideia de que pobre, preto e mulher não precisam estudar. Se as coisas avançaram no caso das mulheres, o mesmo não ocorreu com o apartheid social e racista.
Desembarcamos no terceiro entrave. Muitas palavras e muita tinta já se gastou com o tema do racismo estrutural em sociedades como os Estados Unidos, a África do Sul e o Brasil, entre outras. Ele costuma ser tanto mais difícil de erradicar quanto mais sutil e oculto se manifesta. É o caso típico da formação d’O povo brasileiro. O antropólogo Darcy Ribeiro, aliás, escreve um tratado com esse título para questionar a fundo o mito da “democracia racial”. De acordo com o autor, essa última tem muito de racista e muito pouco de democrática. Movimentos vinculados à consciência negra, juntamente estudiosos do tema, não se cansam de alertar para o fato histórico de que a Lei Áurea, longe de pôr um fim à situação dos escravos, libertou, isto sim, os senhores do compromisso adquirido. E com indenização para os donos de escravos!
Libertos, mas sem acesso à terra, e tampouco às oportunidades de trabalho que verdadeiramente os pudessem resgatar com justiça e dignidade, os trabalhadores negros tornaram-se “livres” na dupla acepção de Marx: livres do solo (devido à Lei de Terras de 1850) e livres para vender sua força de trabalho em um contexto de miséria e fome. A CF/2022 tenta pressionar por políticas públicas substanciais, onde educadores e educadoras possam efetivamente “falar com sabedoria e ensinar com amor”, coisa que, por outro lado, exige uma atitude de respeito e escuta para com os demais saberes que brotam dos distintos setores da população.