Lula, Bolsonaro e o direito canônico

Os católicos devem o Acordo Brasil-Santa Sé ao empenho pessoal de Lula!

Por Edson Luiz Sampel*

Com base em sentença do STF, ao que tudo indica, o ex-presidente Lula foi realmente vítima de um processo injustíssimo, haja vista a declarada suspeição do juiz de primeiro grau. O magistrado tem de agir com imparcialidade. Isto é o mínimo que se espera de um processo deveras civilizado e democrático.

Os católicos devem o Acordo Brasil-Santa Sé (Decreto Federal n. 7.107/2010) ao empenho pessoal de Lula! Com efeito, em palestra proferida em 2018, certo purpurado relatou que participara de uma reunião entre diversos eclesiásticos e o ex-presidente, acompanhado dalguns ministros. O objetivo do encontro era exatamente discutir a celebração de um tratado entre nosso país e a Santa Sé. Narra o cardeal que em determinado ponto da referida reunião, Lula, nervoso, bateu energicamente na mesa e ordenou: "Eu quero o Acordo Brasil-Santa Sé!", contrariando o parecer do então ministro das Relações Exteriores que, com os colegas, se opunha ao acordo. Os antecessores imediatos de Lula engavetaram o projeto e não demonstraram interesse na mencionada avença diplomática, tão benéfica para a Igreja no Brasil.

Os inquéritos instaurados pelo STF contra o presidente Bolsonaro não parecem obedecer ao trâmite ordinário, vale dizer, não se originaram de petitório do Ministério Público Federal, a partir de alguma representação. Sabe-se que o Poder Judiciário é inerte; só atua quando provocado. Daí o ex-ministro Marco Aurélio se insurgir em detrimento de inquérito incoado de modo similar aos ora enfrentados por Bolsonaro; visava-se a investigar a propagação de mensagens mentirosas (fake news). O então membro da celsa corte nominou tal procedimento de "inquérito do fim do mundo", porquanto, no entender de Aurélio, o STF seria, concomitantemente, vítima, acusador e julgador. Sua excelência foi voto vencido!

Estado-juiz

Os cristãos, e também os católicos, é claro, devem a Bolsonaro a defesa intransigente de valores morais como a família, a vida desde a concepção (contra o aborto), a liberdade de os cidadãos exprimirem ideias e doutrinas, a essencialidade do serviço religioso, entre outros temas. Além disso, o atual supremo mandatário amiúde se reporta a Deus, do qual, em última análise, todo poder emana, incluindo a jurisdição civil (Jo 19, 11).

O código canônico em vigor (CIC) preceitua que a salvação das almas é a lei suprema da Igreja. Fá-lo no cânon 1752, último do diploma legal, no livro que rege os processos judiciais. Eis aqui lição relevante para o processo civil, o qual, se justo, buscará, tanto quanto possível, a verdade real, e não apenas a verdade formal que surde dos autos. É mister que o direito estatal se aprimore cada vez mais, para temperar a justiça com a caridade. No fundo, o instituto da conciliação, hoje em dia tão em voga no direito processual civil, revela o aprimoramento do Estado-juiz nesta seara. A propósito, a conciliação ou reconciliação, pode ser suscitada em qualquer tipo de ato jurisdicional e em qualquer fase.

Oxalá os três poderes da república, independentes, mas harmônicos (artigo 2º da Constituição Federal), se conciliem sempre, no sentido de que prevaleça a fraternidade entre os que, em nome do povo, exercem os aludidos poderes, a fim de que construamos uma sociedade efetivamente fraterna, conforme reza o preâmbulo da carta política. ν

* Edson Luiz Sampel é professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, da Arquidiocese de São Paulo. Autor de "Resumo de Direito Canônico". Acesse: https://www.editorasantuario.com.br/resumo-de-direito-canonico

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