Walden Bello e Richard Heydarian *
Há mais de meio século, a sangrenta ferida da Palestina está golpeando a consciência mundial e recordando-lhe continuamente as atrocidades imperiais de Israel e dos Estados Unidos no Oriente Médio e em outras áreas. Porém, ainda esperamos uma solução justa para o conflito palestino-israelense.
Nos últimos 200 anos, os colonizadores franceses e britânicos subdividiram a região em separadas esferas de influência. No começo do Século 20, os britânicos assentaram as bases para o surgimento de um Estado exclusivamente "sionista" com a assistência e a participação militar francesa. O nascimento, em 1948, de um Estado de Israel de características colonialistas e colonizadoras, apesar de patrocinado pelas Nações Unidas, foi dirigido pelos Estados Unidos. A posse ilegal de terras por parte de Israel em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, e em 1973, durante a Guerra do Yom Kippur, não poderia ter sido realizada sem apoio absoluto de Washington.
Merecedora da maior condenação é também a impunidade com que Israel conduz suas desapiedadas operações militares na Palestina, graças à inquebrantável e incondicional ajuda dos Estados Unidos. Esta cultura da impunidade tem por resultado os bombardeios contra as casas de palestinos e as matanças de inocentes no Líbano, na Cisjordânia e em Gaza. A hipocrisia imperial implicada nessa situação é desprezível. Como pode o "poderoso" e "benévolo" Estados Unidos falar em "democratizar" o Oriente Médio por meio de sua invasão ao Afeganistão e ao Iraque -, quando faz vista grossa aos crimes contra a humanidade cometidos por seu aliado regional, Israel?
Em seu discurso no Cairo, o presidente Barack Obama prometeu uma nova era nas relações dos Estados Unidos com o mundo islâmico. É justo reconhecer que Obama está entre os poucos presidentes norte-americanos que se concentraram sem demora no processo de paz e apontaram a necessidade de uma visão mais construtiva para a região. Porém, a eloquência de Obama ainda precisa se traduzir em uma mudança substancial no perene e irrestrito apoio a Israel.
Entretanto, nossas esperanças sobre um mundo mais livre e justo deveriam ser garantidas em uma circunstância propícia: a decadência imperial de um debilitado e arrogante Estados Unidos. A crise financeira colocou em evidência as frágeis bases de sua economia real.
Presenciamos no Oriente Médio não apenas a gradual redução do poder norte-americano, como também o crescente isolamento de Israel. O crescimento no Irã dos partidários da linha dura contra Israel, o descontentamento cada vez maior na opinião pública árabe com seus submissos governos e o surgimento de uma Turquia mais "firme e enérgica" estão alterando fundamentalmente o balanço de poder na região. A decadência norte-americana também está criando um enorme vazio político regional, que vai sendo preenchido crescentemente por potências regionais.
A crise que se aprofunda na Palestina ocupada, a instabilidade no Iraque e no Afeganistão, e a proliferação da pirataria e do terrorismo na região estimulam as potências locais a se oferecerem para resolver conflitos mediante seus próprios e mais construtivos termos. Estas potências regionais alertam que, enquanto Washington pode se retirar quando a situação ficar mais dura, como no Vietnã, elas permanecerão ali para tentar reverter o desastre provocado pela intervenção dos Estados Unidos.
Ironicamente, enquanto Washington prega democracia e direitos humanos no Iraque, Afeganistão ou no Irã, pouco diz das grossas violações em seus autocráticos aliados árabes, como Egito e Arábia Saudita. É precisamente tal hipocrisia que frustra um crescente número de jovens árabes e os radicaliza contra os Estados Unidos.
Enquanto os Estados árabes continuarem submissos diante de Israel, o surgimento de um novo ator, Hezbolá no Líbano, deu esperanças ao infligir duas derrotas militares a Israel, uma em 1992, quando forçou os israelenses a se retirarem do Líbano, e outra em 2006, quando venceu a invasora Força Israelense de Defesa. Isso contribuiu muito para reavivar o orgulho árabe e demonstrou a Israel que a equação militar está mudando.
No final das contas, o ocaso do império, o crescente isolamento de Israel, o aumento da firmeza nas posições de Irã e Turquia, a radicalização cada vez maior dos povos árabes e o surgimento de novos atores como o Hezbolá e o Hamás contribuirão para impulsionar a região para uma solução justa e viável para o conflito Israel-Palestina. No entanto, a menos que Obama comece a disciplinar os partidários da linha dura em Israel, é altamente improvável uma solução pacífica. Esta é a oportunidade que Obama tem para provar que sua eloquência não é apenas veemente e que também reflete um compromisso genuíno para levar a paz à região. Envolverde/IPS
* Walden Bello é deputado filipino pelo Partido Ação Cidadã (Akbayan) e Richard Heydarian é especialista em política e Oriente Médio.
Fonte: www.envolverde.com.br