Benedito Prezia *
No dia 6 de novembro, o Brasil terá mais uma religiosa beatificada, Madre Bárbara Maix, fundadora da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Pouco conhecida, sua vida é um exemplo de humildade, tenacidade e entrega à Providência.
Nascida em Viena, capital de Áustria, aos 27 de junho de 1818, os primórdios de sua vida foram marcados por muito sofrimento e perdas familiares. Seu pai, José Maix, embora trabalhasse no palácio do imperador como camareiro, recebia um salário modesto, que mal dava para sustentar a família de oito filhos. A situação ficou mais difícil com a morte da esposa, aos 42 anos. Meses depois morreu uma filha pequena, e José pensou em casar-se novamente. Contraiu núpcias com Rosália Mauritz, que lhe deu mais nove filhos, sendo que a última foi a nossa Bárbara.
As condições sanitárias e a precariedade no atendimento médico daquela época foram ceifando a vida daquelas crianças, que morriam uma após outra. Em 1833, quando Bárbara tinha 15 anos, veio a perder a mãe, que morreu repentinamente, deixando órfãos ela e outros quatro irmãos. Com tantas perdas, José Maix, já com 81 anos, sucumbiu logo depois. Deixou como legado apenas seu exemplo de vida. Ao saber da precária situação daqueles órfãos, filhos do camareiro, o tesoureiro real conseguiu que o governo lhes desse uma pensão.
As perdas familiares, a pobreza e o sofrimento fizeram com que Bárbara olhasse também ao seu redor, preocupando-se com a situação das moças pobres que vinham do campo para a capital, terminando muitas vezes na prostituição. Sua ideia era fundar uma Congregação feminina que pudesse acolhê-las e dar-lhes uma profissão. Para isso aproximou-se de um redentorista, padre João Pöckl, para receber orientação e apoio.
Sua ideia foi tomando corpo e, em 1843, já reunia em torno de si um pequeno grupo de moças. Um tempo depois, com a autorização do arcebispo e da delegacia de polícia, alugou uma casa maior para servir de pensão para suas companheiras e para as jovens camponesas.
Neste período, a Áustria vivia uma fase de grande anticlericalismo. Congregações religiosas eram alvos de perseguição, sobretudo jesuítas e redentoristas, ou pessoas que lhes fossem ligadas.
Por isso a comunidade de Bárbara, juntamente com seu orientador, o padre João Pöckl tiveram que deixar às pressas a capital vienense. Os Estados Unidos eram vistos na época como "a terra da liberdade política e religiosa" e para lá tentaram partir.
Tal decisão assustou algumas jovens, que abandonaram o projeto, enquanto outras aderiram, sendo no final 25 pessoas, entre as quais dois rapazes, que aceitaram o convite do padre para fundar outra Congregação. Assim, o grupo chegou ao porto de Hamburgo, com pequena bagagem e grande fé na Providência. Para decepção de todos, não encontraram nenhuma embarcação para os Estados Unidos. Após um mês de espera, aportou um navio que zarparia para o Brasil. Embora fosse um cargueiro, o capitão aceitou levá-los. Era o sinal da Providência que indicava o país da futura Congregação. Por isso, Madre Bárbara sempre repetia: "Mais do que tudo, vale a vontade de Deus!"
Rumo ao Brasil
Após 52 dias de viagem, chegaram ao Rio de Janeiro aos 9 de novembro de 1848. "Chegamos sem dinheiro, sem conhecimento de ninguém, sem saber a língua, com muita fome, mas cheias de confiança em Deus e em Nossa Senhora", escrevia uma delas.
Por determinação do bispo, foram instalar-se provisoriamente no convento das irmãs Concepcionistas. Seis meses depois, aos 8 de maio, no dia em que faziam os primeiros votos, transferiram-se para o Colégio do Senhor dos Passos, da Irmandade de Nossa Senhora do Terço. Como determinavam as Constituições, iam "dedicar-se à educação da infância desvalida e cuidar dos enfermos nos hospitais durante as epidemias".
Naquela época a capital do Brasil vivia uma situação precária pela falta de saneamento, que ocasionava constantes epidemias. No ano seguinte eclodiu uma epidemia de febre amarela, atingindo boa parte da população, morrendo muita gente, inclusive padre Pölck.
A condição econômica da comunidade era muito precária. Por serem austríacas, dom Pedro II lhes votava grande simpatia, pelo fato de terem a mesma origem de sua mãe, dona Leopoldina. Assim pediu que fossem transferidas para um convento franciscano desativado, na Ilha do Bom Jesus, na baía da Guanabara. Surgia o primeiro colégio para meninas.
Expansão e crises
Sem encontrar outro sacerdote que falasse alemão para orientá-las, em 1852, Madre Bárbara e Madre Isabel partiram para a Europa em busca de um novo diretor espiritual, além de receber outras jovens que se dispusessem a segui-las ao Brasil, pois as demandas começavam a aparecer. Mas, desejavam, sobretudo, pedir ao papa a aprovação das Constituições. Em Roma foram recebidas por Pio IX, que não as aprovou, deixando aos bispos brasileiros a tarefa de acompanhá-las de perto.
Sua presença na Áustria deu frutos e 11 candidatas partiram para o Rio de Janeiro. Infelizmente os problemas sanitários persistiam, eclodindo uma epidemia de cólera que atingiu não apenas os pobres, mas outros moradores da capital, inclusive nove das 11 Irmãs recém-chegadas e um sacerdote que as acompanhava.
Voltando de Roma, irmã Bárbara não se abateu. Acostumada a enfrentar desafios, escreveu: "Deus não permitirá que sejamos iludidas em nossa confiança".
A carência no Brasil era grande, com o aumento de órfãos que sobreviviam das epidemias e também da Guerra do Paraguai. Em 1854 as Irmãs foram solicitadas para assumir em Niterói um orfanato, que se chamou Asilo Santa Leopoldina, em homenagem à mãe do imperador. Com o tempo, a maçonaria infiltrada na direção da obra, criou muitos problemas, dividindo inclusive a comunidade.
No ano seguinte algumas irmãs partiram para o Sul, onde foram dirigir outro "asilo para órfãos" em Pelotas, de propriedade da maçonaria. Em Porto Alegre, foram chamadas para dirigir um Recolhimento, que costumava acolher recém-nascidos abandonados na "Roda", isto é, crianças nascidas fora do casamento, deixadas num nicho giratório da Santa Casa.
A boa fama da Congregação se espalhava pelo Brasil, e as pessoas se encantavam com a afabilidade e a simplicidade daquelas irmãs, já que se conhecia apenas religiosas enclausuradas.
Para fazer face às demandas, muitas jovens foram admitidas. O espírito anticlerical de muitas instituições filantrópicas, dominadas pela maçonaria, fez com que problemas internos surgissem em várias comunidades. Alegavam que as Constituições eram muito rígidas e que a Priora Geral extrapolava suas funções.
O bispo de Porto Alegre, na visita canônica feita em dezembro de 1870, nomeou uma nova superiora local e mestra de noviças, sem consultar a fundadora. Houve até um movimento para expulsá-la da Congregação.
Com muita humildade, Madre Bárbara voltou para o Rio de Janeiro, indo morar com quatro irmãs numa casa cedida por uma benfeitora."Tudo que aconteceu contra mim foi necessário para que saísse mais brilhante a glória de Deus", escrevia ela. "Eu me calei, mas Deus se defenderá a si mesmo e mostrará a nós e a todo o mundo, que Ele age para a honra do Santíssimo Coração de Maria, sua Mãe".
Com a saúde abalada, ainda acompanhava os trabalhos da Congregação. No dia 17 de março de 1873, depois de participar da missa, sentiu-se mal, vindo a falecer algumas horas depois, aos 54 anos. A Congregação cresceu, e em 1949, ao completar 100 anos, possuía 59 casas, sendo 11 hospitais, 30 escolas e 12 orfanatos e creches.
No Brasil e no mundo
Atualmente trabalham em colégios e hospitais, voltando-se mais ao campo missionário e pastoral. Estão presentes em 18 estados, e no Amazonas preparam-se para trabalhar na prevenção ao tráfico de mulheres. No exterior atuam nos Estados Unidos, Itália, Venezuela, Bolívia, Argentina, Paraguai, Moçambique e Haiti. A comunidade deste último país ganhou notoriedade, em 1994, quando irmã Santina Perin embarcou com um grupo de refugiados para os Estados Unidos, sendo resgatados em alto mar pela guarda costeira.
* Benedito Prezia é escritor e coordenador da Pastoral Indigenista de São Paulo. Publicado na edição Nº08 - Outubro 2010 - Revista Missões.
Fonte: Revista Missões