Reforma Agrária de férias

Alfredo J. Gonçalves , CS*

Desculpem, amigos e amigas, lutadores e lutadoras do povo, no momento encontro-me de férias. Aliás, merecidas férias! Vejo que todos estão empenhados em eleger seus candidatos, então é melhor dar oportunidade a que os militantes possam acompanhar o processo eleitoral. Vocês viram que até mesmo a campanha pelo limite da propriedade anda meio silenciosa.

Sabem como são as coisas, em tempo de eleições é melhor não mexer em temas estruturalmente espinhosos. A bancada ruralista, aquela do agronegócio, parece anestesiada, um pouco sonolenta. Mas qualquer ruído ou qualquer nota fora de tom pode despertá-la. E quando atacada, ela afia as garras e arreganha os dentes. E aí vale seguir a sabedoria do ditado popular: quem tem medo de picada não mexe em caixa de marimbondo.

Além disso, entendo que neste momento posso ser incômoda para os candidatos. Ao longo da história brasileira, sempre que se traz à tona o tema da estrutura fundiária, os ânimos costumam se exaltar. Instalam-se polarizações complexas. Assim de improviso lembro de Canudos, Contestado, Palmares, Cabanas... Mas vocês sabem que, em grau menor, há muitos outros casos. Voltar ao tema no decorrer do pleito eleitoral pode criar situações constrangedoras para quem almeja os cargos mais altos dos Estados e da Federação. Por isso resolvi tirar férias!

É verdade que, no campo, o latifúndio continua coexistindo com multidões de trabalhadores sem terra; é verdade que, na cidade, terrenos ociosos constituem um atentado às famílias sem teto; é verdade que, por toda parte, a especulação com a propriedade não é menor que a especulação financeira; é verdade que muita gente continua deixando o campo por falta de incentivo à pequena produção e à agricultura familiar; é verdade que, num dos países de maior área cultivada, o imposto sobre os alimentos segue elevado; é verdade que a produção de grãos e de carne para exportação, o plantio de cana-de-açúcar para o transporte individual e a extração de minério preocupam os defensores do meio ambiente...

Mas tudo isso pode esperar! Na luta pelo poder, os fins justificam boa parte dos meios. Dizem que nenhum combate pode dispensar a crítica e a autocrítica. Desde Karl Marx e F. Engels, desde Rosa Luxemburgo e Antonio Gramsci, desde Florestan Fernandes e Che Guevara - para citar apenas alguns - a práxis e a teoria crítica caminham dialeticamente juntas. Porém, cá entre nós, não estamos em tempo de radicalismos. Isso é coisa das décadas passadas, coisa de dinossauros. O melhor mesmo é tirar um período de descanso até que se decida quem vai assumir os postos-chaves da política.

Claro, não posso deixar de ter saudade das bandeiras levantadas, das marchas e dos debates em torno do tripé da economia brasileira: latifúndio, trabalho escravo e monocultivo de exportação. Lembro de Celso Furtado e de Caio Prado Junior, na economia; de Raymundo Faoro e Otávio Ianni, na política; e de Gilberto Freire nas relações sociais e culturais...

Não é que eu tenha muita esperança na via parlamentar (que no Brasil às vezes é "para lamentar"). Acho que não podemos abandoná-la aos corruptos, evidente, mas o sistema democrático dos países ocidentais parece um jogo de cena para garantir os privilégios da Casa Grande e os favores da Senzala. Cada vez que os moradores da Senzala pretendem transformar os favores em direitos, o chicote, o capitão do mato, a polícia, o exército entraram em cena, com repressão pesada. Sem dúvida, políticos diferentes, de origem popular podem abrir perspectivas diferentes...

Mas de que vale isso sem organizações sociais bem organizadas na base, coesas, autônomas, democráticas, plurais e livres? Nenhuma árvore cresce para cima sem antes ter mergulhado suas raízes no solo úmido de suor, lágrimas e sangue. Nenhuma planta busca o sol, o ar livre e o céu, sem ter se curvado sobre a terra. Como a espiga, a flor e o edifício, um projeto popular se levanta do chão. Mas, como diz o Livro Sagrado, "há tempo para tudo debaixo do sol"!

* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves, CS

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