Por que tanta ira nesta campanha eleitoral?

João Batista Libânio *

Se algum ET aterrissasse entre nós nesta reta final da campanha eleitoral, perguntar-se-ia: que está a acontecer na Terra de Santa Cruz? O povo, que lá habita, tem fama de benevolente, de compreensivo, de não gostar de atitudes radicais, sobretudo de acusações pessoais violentas e indignas. E por que querem movê-lo ao voto precisamente pelo oposto de seu temperamento, de sua índole?

Pena que se percam o equilíbrio e a dignidade no momento em que se tem para discutir o futuro, utopias luminosas para o povo sofrido e que apenas tem recebido migalhas a cair da mesa da privilegiada elite de tantos séculos. A parábola do rico epulão e do pobre Lázaro se faz verdade em nossas terras. E se está em jogo porvir melhor para Lázaro, por que os ricos epulões se enfurecem? Esquecem que precisarão da gota dágua para refrescar a secura da garganta quando lhes atormentar o vazio de sentido de vida levada longe da solidariedade, da justiça, da compreensão e do cuidado pelos irmãos necessitados.

Viver numa sociedade materialista, invadida pela ganância do puro vencer, do derrotar o adversário ao arrepio de toda ética, degrada-nos enormemente. Cercam-nos tristes noticiários. Apresentam-nos as pessoas, não pelo lado de graça e de bondade que Deus semeou em todas elas, mas pelas sombras que por ventura lhes bateram ao longo da vida.

Que diferença de vida social levaríamos, se o primeiro olhar descobrisse no/a outro/a, seja companheiro/a de luta política ou adversário/a, aquilo que ele/a propõe de belo, de criativo, de promissor, em vez de tripudiar sobre reais ou imaginárias acusações. Estamos a afastar-nos do sonho de Platão que anunciava uma cultura a caminhar à luz do sol do bem. Ameaçam-nos, pelo contrário, o eclipse de tal Sol e o implantar-se de luz artificial do interesse individual e corporativo.

E se nos voltamos para o Oriente, símbolo do lugar de onde vem a luz "que ilumina todo aquele que vem a este mundo" (Jo 1, 9), então o fulgor cresce ainda mais em direção oposta da atual campanha, antes eleitoreira que eleitoral. Do Nascente divino veio a lição mais grandiosa que jamais a humanidade ouviu. O poder existe para o serviço e não para o domínio. "Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros" (Jo 13, 14). Assistimos ao oposto. Retornamos ao Antigo Testamento, que conheceu o apedrejamento para certos pecados. Esquecemos a pergunta de Jesus: "Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra" (Jo 8, 7). Não se ouviu o ruído de nenhuma pedra, mas a voz serena do Mestre: "Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?" Respondeu ela: "Ninguém, Senhor!" Então, lhe disse Jesus: "Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais" (Jo 8, 10-11).

Olhando para certos políticos hoje, vem-nos a frase de Virgílio: "Quantum mutatus ab illo"! Como estão diferentes daquele Heitor digno e belo!

* Padre João Batista Libânio é jesuíta, escritor e teólogo.

Fonte: João Batista Libânio

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