O mais novo bispo do Sudão do Sul se inspira em Santa Bakhita

Padre Christian Carlassare, nomeado bispo da Diocese de Rumbek, no Sudão do Sul (foto: Arquivo pessoal)

Padre Christian Carlassare, nomeado bispo da Diocese de Rumbek, no Sudão do Sul (foto: Arquivo pessoal)

Padre Christian Carlassare, prestes a se tornar um dos bispos mais jovens da Igreja Católica em uma das áreas mais difíceis e perigosas do mundo, disse que olha para a santa como um modelo para seu ministério missionário no Sudão do Sul

Por Padre José Ferreira Filho

Nascido em Schio, na província italiana de Vicenza, em 1977, o Padre Christian Carlassare foi nomeado, na segunda-feira, 8, como o novo bispo da Diocese de Rumbek, no Sudão do Sul – um cargo que ficou vago nos últimos 10 anos, após seu ocupante, Dom Cesare Mazzolari, morrer em 2011. O agora Dom Christian, 43, e Dom Cesare pertencem à Ordem Missionária Comboniana.

Dom Christian emitiu a profissão dos votos na Ordem em 2003, após concluir o bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana e em Missiologia pela Pontifícia Universidade Urbana de Roma.

Um ano após a sua ordenação sacerdotal em 2004, mudou-se para o Sudão do Sul, onde serviu em vários lugares e ocupou diversos cargos de liderança na Ordem à qual pertence.

Após a morte de Dom Cesare, a diocese de Rumbek, localizada no centro do Sudão do Sul, teve um administrador apostólico por dois anos e, em seguida, foi nomeado um coordenador diocesano para estar à frente dos trabalhos.

Em declarações ao jornal italiano Corriere della Sera, Dom Christian afirmou que sentiu a atração de se tornar um missionário desde que começou a pensar no sacerdócio. No entanto, “devo minha paixão por esta região da África a Santa Josefina Bakhita”, disse ele, referindo-se à ex-escrava sudanesa que se tornou freira e é aclamada como patrona dos sobreviventes do tráfico humano.

Sua cidade natal, Schio, é a mesma pequena cidade italiana onde a santa sudanesa morou.

Santa Bakhita

Nascida por volta de 1870 no vilarejo de Olgossa, na região de Darfur, no Sudão, Bakhita foi sequestrada por volta dos 8 anos por traficantes de escravos árabes e, nos doze anos seguintes, foi comprada e vendida mais de uma dúzia de vezes, frequentemente sendo espancada e torturada.

Por fim, Bakhita foi vendida ao vice-cônsul italiano Callisto Legani em 1883, que a trouxe consigo quando voltou para a Itália. Bakhita foi então dada a outra família, para a qual trabalhou como babá.

A nova família de Bakhita também tinha laços com a região sul do Sudão e viajava com frequência para lá. Durante uma das viagens de sua senhora, Bakhita foi enviada para ficar com as Irmãs Canossianas de Veneza, onde aprendeu sobre o Cristianismo e sentiu o chamado para se juntar à ordem.

Quando sua senhora voltou, Bakhita se recusou a partir. Por fim, a Irmã encarregada dos candidatos ao Batismo apresentou uma queixa em nome de Bakhita ao tribunal local, e este concluiu que a escravidão no Sudão fora proibida antes do nascimento de Bakhita, determinando que ela não poderia ser escravizada e foi declarada uma mulher livre.

O mais novo bispo do Sudão do Sul se inspira em Santa Bakhita

Santa Bakhita (foto: divulgação)

Bakhita escolheu entrar na ordem canossiana e trabalhou como cozinheira e porteira no convento. Ela também visitou outros conventos e contou-lhes sua história para ajudar a prepará-los para o trabalho na África. Durante a Segunda Guerra Mundial, o povo de Schio a saudou como sua protetora, uma vez que bombas caíram em sua aldeia, mas ninguém morreu. Ela foi canonizada por São João Paulo II em outubro de 2000.

Em suas observações ao Corriere della Sera, Dom Christian disse que Bakhita, “da mesma forma que foi adotada pelo povo de Schio, me senti adotado pelo Sudão do Sul, ao qual tento dar a mesma contribuição que Santa Bakhita deu a nós de Vicenza.”

Histórico

O Sudão do Sul é amplamente considerado um dos territórios de missão mais difíceis e perigosos do mundo, devido ao conflito sangrento e de longa data no país.

A violência eclodiu no país logo após sua independência em 2011, última vez que Rumbek teve um bispo. Apenas dois anos depois, o presidente Salva Kiir demitiu o vice-presidente Riek Machar, acusando-o de tentar liderar um golpe para derrubar o governo.

O que começou como uma disputa política rapidamente se transformou em um conflito étnico, com os dois maiores grupos étnicos do Sudão do Sul, os Dinka e os Nuer – aos quais os líderes pertencem – se alvejando quando a violência eclodiu.

Estima-se que 400.000 pessoas morreram em decorrência da violência até agora, e outros milhões foram deslocados em meio ao agravamento da crise humanitária.

Em 2015, Kiir e Machar chegaram a um acordo de cessar-fogo que acabou fracassando. Eles concordaram com um novo cessar-fogo em setembro de 2018, mas prorrogaram duas vezes o prazo para sua implementação devido a divergências sobre aspectos técnicos, como o número de estados que o país terá e como lidar com a segurança.

Francisco

O Papa Francisco mostrou grande interesse no processo de paz do Sudão do Sul, dizendo no ano passado que visitaria o país conturbado ao lado do Arcebispo anglicano de Canterbury, Justin Welby, se os líderes do país conseguissem encerrar o conflito nacional.

Em abril de 2019, o Pontífice convidou o presidente do Sudão do Sul e o líder da oposição para um retiro no Vaticano, fato que ganhou as manchetes do mundo inteiro quando Francisco beijou os pés de ambos enquanto implorava pela paz. O Arcebispo anglicano, Justin Welby, e Martin Fair, representante da Igreja Presbiteriana da Escócia, que tem parceria com a Igreja Presbiteriana do Sudão do Sul e tem desempenhado um papel ativo no processo de paz desde 2015, também participaram.

Uma viagem conjunta de Francisco, Welby e Fair parecia provável para 2020, mas a pandemia de coronavírus frustrou esses planos.

Desafios

Em seus comentários, Dom Christian disse que sua nomeação como bispo foi “uma surpresa”, mesmo que a diocese estivesse vazia há uma década. “Nunca trabalhei naquele território”, disse ele, “mas, sabe, os caminhos do Senhor são infinitos”.

Falando sobre o que significa para ele ser um dos bispos mais jovens da Igreja Católica, Dom Christian disse que com toda a franqueza: “Não sei, mas estou feliz, é uma grande oportunidade que me foi oferecida pelo Senhor.”

Ser jovem no Sudão do Sul “é um aspecto importante, visto que mais da metade dos cidadãos do país tem menos de 18 anos”, disse ele. “Nesse sentido, o jovem pode dar uma grande contribuição. Além disso, vivemos em um ambiente muito difícil, com grandes espaços, muito calor, muitos mosquitos e talvez um jovem consiga se adaptar com mais facilidade.”

Além da crise humanitária em curso, o Sudão do Sul, no ano passado, também enfrentou o desafio de combater a pandemia do coronavírus, incluindo áreas onde há muita pobreza e pouco acesso a cuidados de saúde adequados.

Pandemia

Em termos de médicos e clínicas em sua área, estão “muito aquém das reais necessidades”, disse Dom Christian, observando que a Igreja administra dispensários em cada uma de suas missões.

“Tentamos fazer o que podemos, mas o compromisso é muito amplo: há pessoas que morrem de malária, tuberculose ou parasitismo intestinal, e todos estão tão acostumados com essas doenças graves que sentem que a COVID é mais uma delas”, disse ele.

Dom Christian expressou gratidão porque o número de casos no Sudão do Sul é atualmente menor do que o que é visto na Europa. No entanto, para que as pessoas façam um teste [de COVID-19], elas precisam chegar à capital do país, Juba, ou a um dos outros centros de testes espalhados por todo o país, o que significa que o número real de casos pode ser difícil de rastrear.

Legado da Igreja

Sobre o que a Igreja pode oferecer a um país com as complexidades que o Sudão do Sul enfrenta, Dom Christian disse que a evangelização está no topo da lista, mas também a promoção da paz.

“O conflito e o clima de confronto entre o Norte e o Sul caracterizam todo o país desde os anos 90, criando difíceis situações de pobreza”, disse, lembrando que a Diocese de Rumbek, que também é muito pobre, “assumiu o sofrimento do povo.”

Com o surgimento de novos conflitos tribais, Dom Christian insistiu que o trabalho da Igreja “é apoiar um caminho de reconciliação e paz, unindo as pessoas, proporcionando um senso de dignidade e também novas oportunidades de emprego”.

“É muito importante, mas não estou sozinho”, disse ele, acrescentando: “Ao meu redor há padres, religiosos, mas também leigos, pessoas locais que precisam de alguém para mantê-los juntos. Aqui vivemos o aspecto humanitário da Igreja, também porque não há evangelização sem um desenvolvimento humano, no campo da saúde e da educação”.

Dom Christian admitiu que, às vezes, tem medo, mas disse que não é o tipo de medo que paralisa. Em vez disso, é o medo “que leva a pessoa a ponderar o caminho certo a seguir”, disse ele, acrescentando: “Tornar-se bispo é uma grande responsabilidade, mas também um grande desafio”.

Fonte: Crux Now

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