Peregrinação internacional dos Migrantes a Fátima

Agência Ecclesia

Homilia de D. António Vitalino, na Missa da Vigília da Peregrinação internacional dos Migrantes a Fátima

1. Amados peregrinos, estamos aqui neste lugar sagrado da Cova da Iria, vindos de muitos pontos da terra, formando uma assembleia orante, convocada pela fé e pela devoção a Maria, a Senhora de Fátima, a Mãe de Jesus e nossa Mãe também. Somos um povo em mobilidade, peregrino, à procura da felicidade, de melhores condições de vida para nós e a nossa família, um povo que não resigna perante as dificuldades e a aridez de muitos ambientes, o desemprego e a falta de perspectiva de inserção no mundo do trabalho.

Viemos aqui agradecer, louvar e também pedir com toda a confiança, por intercessão de Maria, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, aquela mesma que há 93 anos aqui apareceu aos 3 pastorinhos, em tempos bem difíceis e de maior pobreza que hoje. Época de grandes conflitos na Europa, grassava precisamente no seu centro aquela que viria a denominar-se primeira grande guerra mundial. Nossa Senhora confiou às crianças a receita da paz e de um mundo melhor: rezai, rezai o rosário pela paz e pela conversão dos pecadores, para que deixem de ofender a Deus, que sofre com o pecado dos seus filhos.

Viemos aqui confiantes na palavra de Deus, que acabámos de escutar através das leituras da Missa Votiva do Espírito Santo. Acreditamos que Deus nos ama e por isso quer infundir em nós o seu Espírito, para que tenhamos a vida em abundância, para que ressuscitemos duma vida segundo a carne, que nos leva à ruina, nos transforma em esqueletos ressequidos, sem alma, sem amor, para uma vida segundo o Evangelho de Jesus Cristo, Boa Nova para um mundo novo. Estamos conscientes de que sem o Espírito de Deus, entregues a nós mesmos, às nossas ideologias, ao egoísmo de grupos sem escrúpulos e sem moral, não conseguiremos superar as crises do nosso tempo, cujas causas profundas começam a ser cada vez mais conhecidas: por um lado a ingenuidade de nos fazerem acreditar num progresso material ilimitado, empurrando-nos para um consumo desenfreado, e, por outro, a avidez do lucro sem ética por parte dos grandes grupos económicos. Precisamos de nos deixar curar pelo Espírito de Deus, elemento essencial da Boa Nova de Jesus e bem presente na Mensagem de Fátima: conversão, oração e penitência.

2. Caríssimos peregrinos, hoje o Espírito Santo fala-nos e actua na vida da Igreja na pessoa daqueles que são chamados a ser seus pastores. Nesta peregrinação dos migrantes e dos refugiados fala-nos através do sucessor de Pedro, o Santo Padre, que escreveu uma mensagem muito oportuna para a celebração deste ano, na qual chama a atenção para os menores envolvidos no fenómeno das migrações e tantas vezes vítimas da exploração de pessoas sem escrúpulos, seja a nível sexual, laboral, tráfico de órgãos, etc.

Na sua mensagem o Santo Padre alerta para fenómenos contraditórios a este respeito: enquanto aumenta na opinião pública a consciência da necessidade de uma acção pontual e incisiva em prol da protecção dos menores, de facto, muitos são abandonados e, de vários modos, encontram-se em perigo de exploração.

Formulo votos de coração, diz o Papa, para que se reserve a justa atenção aos migrantes menores, necessitados de um ambiente social que permita e favoreça o seu desenvolvimento físico, cultural, espiritual e moral. Viver num país estrangeiro, sem pontos de referência efectivos, cria-lhes, especialmente àqueles que estão desprovidos do apoio da família, inúmeros e por vezes graves incómodos e dificuldades. Um aspecto típico da migração de menores é constituído pela situação dos jovens nascidos nos países receptores, ou então por aqueles que não vivem com os pais emigrados depois do seu nascimento, mas que se reúnem a eles apenas na altura das férias. Estes adolescentes fazem parte de duas culturas, com as vantagens e os constrangimentos ligados à sua dúplice pertença, condição esta que todavia pode oferecer a oportunidade de experimentar a riqueza do encontro entre diferentes tradições culturais. É importante que lhes seja oferecida a possibilidade da frequência escolar com aprendizagem da língua e da cultura do país de origem e do país de acolhimento, ao mesmo tempo que se vão inserindo progressivamente no mundo do trabalho e integrando na corresponsabilização pelo bem comum do país em que residem. Nunca nos esqueçamos que a infância e adolescência são etapas fundamentais para a formação do ser humano e para a construção de uma sociedade integrada e coesa. Se não tivermos isto em conta, poderemos ser surpreendidos pela explosão de conflitos a partir destes jovens marginalizados.

3. Continuamos a ser um país de emigrantes e, se não o fôssemos, o número de desempregados seria muito superior ao publicado nas estatísticas. Mas somos também um país de imigrantes. A Europa atrai os pobres do hemisfério sul, mas também de alguns países asiáticos e da América central. Graças a eles muitos europeus conseguem manter o seu bem estar. Sem eles, mais produções agrícolas seriam abandonadas e certos serviços deixariam de funcionar. Connosco eles querem contribuir para a transformação das terras desertas e secas em terras povoadas e férteis. A redução da natalidade entre nós deixou muitas aldeias desertas e muitos sectores da vida social e laboral sem as forças activas necessárias. Sofremos com os fogos que devoram as nossas matas, mas pouco fazemos para as limpar e reordenar; há doentes à espera de uma companhia amiga, que lhes dê consolação e ajuda na sua debilidade; há herdades por cultivar e culturas a apodrecer nos campos por falta de mão-de-obra para esses trabalhos que os nossos jovens já não procuram. Sejamos acolhedores e hospitaleiros e não façamos aos outros aquilo que não gostamos que nos fizessem a nós, mesmo que isso tenha acontecido. Mas não é só por motivos de ordem económica que devemos acolher os imigrantes, mas sim por que são pessoas humanas como nós, com direitos e deveres, são o nosso próximo, a quem os mandamentos de Deus nos mandam amar, como a Deus e a nós mesmos.

Manifestando a nossa solidariedade com todos os que sofrem, não devemos esquecer que a dignidade da pessoa humana está acima de qualquer preço. Não se vende nem se compra. É em tempo de crise que se demonstra aquilo que somos, ou amigos e irmãos, solidários nas alegrias e tristezas, na abundância e na penúria, ou então inimigos e adversários, carrascos e sem humanidade, pensando que o bem de todos impossibilita o nosso.

4. Amados peregrinos, a história da humanidade mostra-nos muito sofrimento causado pelo próprio homem, pelo pecado do homem, mas também nos aponta muitas tentativas de ajuda para mudança de rumo, para que não aceitemos o mal como uma fatalidade. Dentro da própria Igreja, nas nossas comunidades cristãs, há desavenças, invejas e rupturas. Ao longo dos séculos muitas feridas foram ficando abertas e esperam pela nossa medicina para cicatrizar.

Olhando para Jesus Cristo e Maria, vemos neles a aurora da vitória do bem. Aqui em Fátima estamos mais sensíveis a esta mensagem, que Nossa Senhora repetiu de novo neste lugar há 93 anos e nos transmitiu através da linguagem simples dos três pastorinhos: convertei-vos, fazei penitência, rezai pela conversão dos pecadores, deixem de ofender a Nosso Senhor, rezai o rosário... então haverá paz, acabará a guerra, a Rússia converter-se-á...Continua a ser urgente a escuta deste apelo. Muitos continuam a chafurdar no pecado e até exigem a protecção da lei para as suas atitudes criminosas, egoístas, para a sua cultura do pecado e da morte. As guerras e as ameaças de novas guerras não são apenas do passado e do presente, mas continuarão a ser uma realidade no futuro, se não nos convencermos todos que o testemunho da vida de Jesus e a promessa do seu Espírito são os meios mais poderosos para encontrarmos o rumo da salvação pessoal e do mundo.

5. Irmãos peregrinos, Jesus Cristo chama-nos, interpela-nos, mas também nos acompanha e está connosco aqui, agora e sempre. Nesta celebração peçamos-Lhe que fortaleça a nossa esperança e o nosso empenho por um mundo melhor; que envie sobre nós o seu Espírito, para que dos nossos corações corram rios de água viva, que limpem e purifiquem as águas chocas e conspurcadas do mundo mergulhado no pecado. Com Cristo, radicados n'Ele e em união uns com os outros, bispos, padres, consagrados, pais, filhos, jovens e adultos, seremos uma força, que nenhuma dificuldade fará recuar no compromisso de seguir Jesus, como dirá S. Paulo na continuação do trecho da carta aos Romanos, que foi proclamado como segunda leitura desta Missa Votiva do Espírito Santo.

Abramos o coração a Maria, para partirmos daqui com o desejo de viver em profunda comunhão de solidariedade com as crianças, os migrantes. Alegremo-nos com os que vêm de férias às nossas terras e partilhemos com eles um pouco do nosso tempo. Enriqueçamo-nos mutuamente, informando-nos das situações e condições de vida, cá e lá.

Aqui estamos, Senhora de Fátima. Fazei de nós vossos mensageiros. De Vós queremos aprender a abertura e disponibilidade para acolher o Espírito Santo, que Vosso Filho nos prometeu e que fez de Vós a Mãe fecunda, a cheia de graça. Mais conscientes do Vosso papel de Mãe da Igreja e auxílio dos cristãos, a Vós recorremos com as palavras da oração da Igreja e parte do rosário, que pedistes para rezarmos todos os dias: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amen!

* Dom António Vitalino, Bispo de Beja e Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana (CEMH)

Fonte: www.ecclesia.pt

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