Na contramão do caos

Povo Karipuna resiste e enfrenta pressão de madeireiras, pecuaristas e grileiros na Amazônia. Sob intenso monitoramento, a Terra Indígena Karipuna apresentou redução de 62% em relação à taxa de desmatamento de 2018.

Por Danicley de Aguiar e Laura Vicuña

Dos ruralistas aos economistas, o rompimento de contratos causa indignação e ranger de dentes. Entretanto, a onda de invasão a que estão submetidas as terras indígenas não é alvo de estrondosa indignação e reprimenda dos atores econômicos que tanto bradam por segurança jurídica; especialmente por se tratar de ato de extrema covardia com aqueles que, em regra, pagaram com a vida a ousadia de não aceitar a destruição de seus territórios e suas culturas.

Situada na Amazônia Ocidental, no norte do estado de Rondônia, a Terra Indígena (TI) Karipuna percorreu nada menos que todas as etapas estabelecidas para o reconhecimento oficial previsto na legislação brasileira, tendo sido homologada em 1998. A demarcação garantiu pouco mais de 153 mil hectares à sobrevivência física e cultural do povo Karipuna, que no final da década de 1970 quase foi exterminado, ficando com uma população reduzida a oito pessoas, das quais cinco adultos e três crianças.

Assista ao vídeo: Povo Karipuna resiste e enfrenta pressão de madeireiras, pecuaristas e grileiros na Amazônia

Uma análise mais criteriosa do caso Karipuna nos permite compreender que para além da retórica de estímulo à invasão das terras indígenas na Amazônia, a ação de organizações criminosas está na raiz de todo o contexto transgressor dos direitos indígenas. Trata-se de um cenário que requer do Estado uma prática diferente, que vá além dos clássicos instrumentos de comando e controle, e seja capaz de identificar, processar e punir aqueles que, por má fé, exercem a grilagem e a extração dos recursos naturais das terras indígenas.

Conscientes do incentivo de figuras públicas e da existência de uma rede criminosa amplamente articulada, os Karipuna fizeram um movimento ousado: se mobilizaram para demonstrar ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) que eram reféns no seu próprio território, demandando o desmonte da rede criminosa que havia se estabelecido no interior da Terra Karipuna.

Em face das denúncias apresentadas e após uma série de operações deflagradas para inibir e identificar grupos criminosos que atuavam e atuam no interior da sua terra tradicional, em 2020, análises de sensoriamento remoto realizadas pelo Greenpeace Brasil apontam nada menos que 62% de queda no desmatamento em relação a 2018; demonstrando que, se quisermos garantir a proteção dos direitos indígenas, é imperioso que o combate ao crime organizado que atua no interior e no entorno das terras indígenas da Amazônia seja a prioridade zero do Estado brasileiro.

Diante dos 580 hectares desmatados no interior da TI Karipuna em 2020, e da curva de desmatamento da Amazônia neste mesmo ano, a repressão ao crime organizado que se estabeleceu nesta Terra Indígena deve ser aprofundada e servir de referência para conter a onda de invasão e destruição dos territórios dos povos originários do país. Cabe ao governo Bolsonaro nada mais do que cumprir seu dever de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas, sob pena de também comprometer o desenvolvimento do país.

Se é verdade que o respeito aos contratos é essencial para agregar riqueza ao país, também é verdade que não se pode mais ignorar a importância das florestas para o equilíbrio do clima e da economia; tão pouco a necessidade de racionalizarmos o uso de nossos recursos naturais, a fim de garantir a infinita fonte de serviços ambientais presentes no território nacional, sem nunca perder de vista o respeito aos direitos humanos.

Fonte: Cimi e Greenpeace

Deixe uma resposta

14 + 20 =