Alfredo J. Gonçalves, CS *
A encruzilhada é o lado positivo da crise. Toda crise, em sua característica ambiguidade, por um lado pode nos transportar a um passado saudoso, por outro nos coloca diante dos novos desafios da existência e da história. Melhor dizendo, num primeiro momento a crise, por mais crescidos que sejamos, tende a despertar o aconchego do berço ou o colo da mãe; em seguida, faz-nos avançar para a fronteira. Ao mesmo tempo que ela nos encaramuja sobre nós mesmos, tem a capacidade de abrir novas possibilidades de realização. A crise escancara limitações e fragilidades, mas também pode nos acordar para potencialidades ocultas e surpreendentes.
A crise revela simultaneamente forças e fraquezas. Da mesma forma que os vasos, é na queda que os seres humanos mostram sua resistência. Os frágeis e imaturos, nostalgicamente, tendem a refugiar-se no paraíso perdido, chorando sobre as ruínas do presente. Os fortes enxugam rapidamente as lágrimas, recolhem os escombros aproveitáveis, e buscam alternativas para reconstruir o paraíso prometido. Para os primeiros, a salvação está num passado irremediável; para os outros, no futuro a ser descortinado.
Fica assim exposta a dupla dimensão da crise. De um lado, o cultivo de mágoas e ressentimentos, em lamentações que parecem não ter fim; de outro lado, a superação desse momento negativo e a coragem para enfrentar os novos obstáculos e caminhar para frente. Numa palavra, ou a crise nos embalsama num museu estático, onde, como narcisos, passamos a viver dos feitos e glórias realizadas, ou nos desafia a desvendar veredas novas no terreno árido da fronteira. E aqui nos encontramos com a encruzilhada.
O conceito de encruzilhada, na verdade, pressupõe três aspectos entrelaçados e complementares. Pressupõe, primeiramente, a passagem, com relativo sucesso, pelo túnel escuro da crise, do medo, do fracasso, da impotência, do desânimo e até do desespero. Depois, a encruzilhada pressupõe bifurcação de caminhos. Na crise, as certezas se convertem em dúvidas, as respostas em novas perguntas. O chão foge debaixo dos pés e o sol se esconde atrás de nuvens sombrias. Em meio à tempestade, torna-se impossível vislumbrar a luz do farol. Passada a tormenta, porém, descortinam-se as novas oportunidades de navegação. Vários caminhos se nos deparam. Por fim, a encruzilhada pressupõe tomada de posição, escolha entre as diversas alternativas. Com o farol visível, podemos acertar o rumo de nossa frágil embarcação, orientar os passos titubeantes.
De fato, vencido o deserto das grandes interrogações, a encruzilhada surge como o lugar de opções mais maduras. Se é verdade que a crise nos deixa atolados na lama do temor, da insegurança e da incerteza, a encruzilhada representa uma nova arrancada para um amanhã recriado. Porém, esse espaço/tempo de encruzilhada exige a atitude de saber parar, silenciar e refletir. Quem não é capaz de uma parada para avaliação, tampouco será capaz de passos novos e criativos. Estará condenado a uma repetição enfadonha da própria caminhada ou, o que é pior, da caminhada de outros.
O mesmo vale para a exigência do silêncio. Quem não aprendeu a silenciar e escutar, será incapaz de palavras novas e criativas. Só o silêncio produz a palavra viva e vivificante, é o próprio útero da palavra. É essa sabedoria de calar e ouvir que nos livra de seguir adiante como eternos papagaios, repetindo aos quatro ventos os refrões tão batidos e surrados que ninguém mais presta atenção. Nos movimentos e pastorais sociais, nas organizações de base e nas esquerdas em geral, estamos cansados desses "refrões de efeito", os quais, há muito deixaram de surtir efeito.
Encruzilhada é tempo/espaço de reflexão, de revisão, de refundação das motivações mais profundas e das escolhas mais acertadas. Não é tempo de colheita, mas de semeadura. A crise abre novos sulcos no terreno na história, tornando o solo mais fértil para quem é capaz de ler os "sinais dos tempos". No escuro, as estrelas brilham com maior intensidade. É preciso ter claro, porém, que as mudanças, a exemplo da flor, da espiga e do edifício, se levantam do chão. Brotam após terem amadurecido lentamente no ventre úmido da terra.
A paciência histórica é uma das virtudes que nos exige a encruzilhada. Capacidade de semear e esperar como o lavrador. Mas, diferentemente deste, saber deixar para outro a colheita. Um é o que semeia, outro o que colhe! Nas verdadeiras mudanças não há espetáculo, nem show pirotécnico. Espetáculos costumam desencadear expectativas falsas. Rapidamente os fogos se reduzem a cinzas, os aplausos a vaias. O desencanto será diretamente proporcional às ilusões enganosas. A semente lançada ao solo tem seu tempo, segue seu ritmo. A grandiosa obra histórica não cabe na trajetória de uma única geração.
Vale a lição da semente. Gesta-se no escuro da terra, lentamente cria raízes e se fortalece para, só então, lançar-se em direção ao céu, à luz do sol e ao ar livre. Por mais frágil que seja, a planta resiste ao vento porque cresceu para baixo tanto quando pretende crescer para o alto. Qualquer projeto histórico que não esteja firmemente fincado no solo da vida cotidiana, no chão úmido pelas lágrimas do sofrimento e da alegria, tende a ser manipulado pelos ventos da política oportunista. Encruzilhada, lado positivo da crise, é laboratório para a gestação de alternativas viáveis.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.
Fonte: Alfredo J. Gonçalves, CS