Carta do Povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul

Povo Kaiowá e Guarani

Aty Guasu - Terra Indígena Kurusú Ambá

Nós, povos Kaiowá e Guarani, reunidos em nossa Aty Guasu, realizada na Terra Indígena de Kurusu Ambá, município de Coronel Sapucaia, estado de Mato Grosso do Sul, queremos mais uma vez denunciar ao mundo nosso grande sofrimento, devido a violação constante e histórica de nossos direitos humanos, civis e de povos indígenas e anunciar nossa resistência e a esperança da vida do nosso povo.

Vimos de nossas poucas terras, aldeias e acampamentos em beira de rodovias, para exigir justiça para os graves casos de violência e assassinato acontecidos no Tekoha de Kurusu Ambá e declarar que, não admitimos que mais uma de nossas comunidades seja despejada de suas terras para a beira de rodovia, sujeitando mais uma vez nosso povo a todo tipo de violência e a morte eminente. Nós nunca abandonaremos a luta pela demarcação de nossas terras tradicionais.

Pela vida de nosso povo, reivindicamos a demarcação definitiva de nossas terras para as autoridades brasileiras e internacionais e pedimos a solidariedade e apoio dos amigos da nossa causa.

Queremos manifestar nossas principais preocupações, problemas e violências que nosso povo vem passando devido a falta de nossas terras.

Somos um povo com muita força, espiritualidade e esperança, marcadas pela nossa experiência e sofrimento na busca incessante de nossas terras.

Nós, povos Kaiowá e Guarani, somos mais de 40 mil pessoas no estado de Mato Grosso do Sul. Temos a segunda maior população indígena do Brasil e a pior situação de violência e falta de terra em todo país.

Fomos expulsos de nossas terras e confinados em pequenas áreas. Destruíram nossas riquezas naturais, nossos rios e matas para dar lugar a soja, o gado, a cana e, agora, também o eucalipto. É inaceitável que um boi em Mato Grosso do Sul possua muito mais terra que um índio Kaiowá e Guarani. Os fazendeiros do agronegócio não se cansam de nos caluniar e de nos ameaçar por estarmos lutando pela demarcação de nossas terras sagradas. O Governador de nosso estado, vem mentindo cada vez mais e apoiando os interesses dos fazendeiros. Sempre que tem a chance, coloca a polícia militar para nos agredir e nos expulsar de nossas terras retomadas.

Estão nos assassinando, nos ameaçando, nos criminalizando. Tratam nosso povo com racismo e preconceito. Não conhecem nossa cultura e nosso jeito de cuidar de nossa terra. Não entendem que a terra para nós é sagrada e não é um bem de consumo, uma mercadoria. Que todos os problemas que estamos passando hoje, principalmente a violência e a falta de alimentos nas aldeias, é causado pela falta de nossas terras e de nossas matas.

Queremos nossas terras de volta, e vamos retomá-las, para que nossas matas voltem a crescer e nossos córregos voltem a correr e nossas crianças tenham futuro.

O que não entendem, ou não querem entender, é que jamais vão conseguir nos calar ou fazer com que deixemos nossa luta pela retomada de nossas terras! É um caminho sem volta! Quanto mais nos agridem mais decididos ficamos pela reconquista definitiva de nossos territórios. E mais vamos avançar! Podem passar várias gerações e nosso povo continuará até a retomada de TODAS as nossas terras tradicionais!

Mataram vários de nossas lideranças e nenhum assassino está preso! Por outro lado, várias de nossas lideranças têm sido mortas, presas, ameaçadas, perseguidas e criminalizadas, por somente reivindicarem os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal Brasileira.

Queremos registrar a história da luta de Kurussú Ambá que sofreu com a violência dos fazendeiros da região de Amambai e Coronel Sapucaia e com a Justiça Federal de Ponta Porã.

Estamos lutando pela nossa terra e vemos nossas lideranças sendo assassinadas e seus assassinos impunes nos rodeando e ameaçando. Xurite Lopes, Ortiz Lopes e Oswaldo Lopes, foram assassinados por fazendeiros da região; 4 crianças morreram por desnutrição infantil; assistimos 04 de nossas lideranças serem presas injustamente e de termos uma de nossas lideranças sendo processada por um crime cometido por 2 fazendeiros de Amambai; temos 4 indígenas baleados, ainda assim querem nos negar um palmo de terra sequer. A nossa última esperança de permanecermos em um pequeno pedaço de nossa terra Kurussú Ambá, onde estamos hoje, está nas mãos do Tribunal Regional Federal da 3 Região, em São Paulo, que suspendeu a liminar de reintegração de posse dada pela Justiça Federal de Ponta Porã e mandou que a FUNAI tomasse várias providencias para garantir nossa permanência em nossa terra. Já denunciamos nossa realidade para várias autoridades nacionais e internacionais. Já recebemos em nossa aldeia retomada, a comissão de direitos humanos do governo federal que verificou com os próprios olhos todas as injustiças que estamos passando. Mesmo assim, até hoje o Governo Federal não fez nada para avançar com as demarcações. E o Governo estadual faz de tudo para piorar muito mais a nossa situação. Até hoje, vésperas de eleições, está tudo parado. O atual Governo Federal teve quase oito anos para cumprir suas promessas e até agora nada se cumpriu do que prometeu. Enganam-nos, mentem e nos fazem esperar, mas não são essas autoridades que passam pelo que estamos passando. Estes não fazem idéia do que estamos sentindo e estamos cansados de entregar documentos e de fazer denúncias em vão.

Em 2007, a custo de muito sangue derramado e somente após a interferência do Ministério Público Federal, a FUNAI disse que iria iniciar os trabalhos de identificação de nossas terras sagradas, que foram previstas num Termo de Ajustamento de Conduta. Mais uma vez, muito vem nos prometendo e até hoje pouco foi feito.

Os fazendeiros e o Governo de Mato Grosso do Sul vem falando propositalmente muitas mentiras para impedir que nossas terras enfim sejam demarcadas. O Governo Federal sabe bem sobre a verdade, mas até hoje nada fez para resolver nossos problemas territoriais.

Tentam fazer com que sejamos vistos como pessoas que irão destruir o desenvolvimento do estado e, assim, somos tratados como pessoas indesejadas nas ruas das cidades.

Usam de todos os meios políticos e jurídicos na finalidade de barrarem as demarcações. Usam o Poder Judiciário para defender os interesses do dinheiro e deixar centenas de famílias vivendo nos confinamentos e nos mais de 22 acampamentos de beira das estradas.

Infelizmente o Poder Judiciário não vem olhando para o nosso povo. Todas as vezes que nosso povo decide fazer a retomada de nossas terras por conta própria pela omissão histórica dos sucessivos governos, os Juízes mandam nosso povo ser despejados.

O Supremo Tribunal Federal que é o tribunal que deveria defender a constituição, tem decidido por expulsões de nosso povo, sabendo que toda vez que formos expulsos de nossas terras vamos amargurar muitos sofrimentos nas margens da rodovia, com muitas crianças e idosos.

É uma vergonha para o mundo um Tribunal, que deveria defender nossos direitos que estão no artigo 231 da constituição, despejar centenas de famílias às margens da rodovia sob a violência da polícia e dos fazendeiros, à margem de qualquer direito humano fundamental, que também está previsto na constituição federal, para defender os interesses de meia dúzia de ricos fazendeiros e políticos de Mato Grosso do Sul.

O pior disso tudo é a demora do Poder Judiciário para decidir sobre os processos que envolvem nossos direitos. Os anos vão passando e velhos processos judiciais ainda estão entulhando os fóruns e tribunais. E nosso povo sofrendo, morrendo e ninguém decide nada.

Vemos como avanço o julgo de improcedências das ações movidas por seis municípios de Mato Grosso do Sul que pediam a anulação do TAC para as identificações de nossa terra.

Ao mesmo tempo, repudiamos a decisão de suspensão da portaria declaratória da terra indígena de Taquara. Mais uma vez vemos nossos direitos submetidos à politicagem e a força daqueles que detém o dinheiro e o poder.

O Governo vem nos prometendo datas e prazos que até hoje não foram cumpridos. E os antropólogos não poderão concluir esses trabalhos se o Governo não tomar as medidas que lhe compete.

Parece que estão nos enganando atendendo os pedidos dos fazendeiros e do Governo do estado de Mato Grosso do Sul, para que tudo fique parado.

Onde estão as providencias da policia federal para processar e punir os assassinos de nossos queridos professores Rolindo Vera e Genivaldo Vera que foram mortos por pistoleiros que expulsaram as famílias indígenas do tekohá Y´Poí em Paranhos. Rolindo continua desaparecido e nada está sendo feito para encontrá-lo, sua família sofre a dor da incerteza de sua vida.

Rolindo e Genivaldo estavam juntos com seus parentes na tentativa de retomada do tekohá Y´Poi. Estavam reivindicando seus direitos. Estavam desarmados. Acreditavam na Justiça para com seu povo! Uma violência sem precedentes para com dois jovens professores e para com o nosso povo Kaiowá Guarani!

Não vamos tolerar mais essa demora e vamos nos organizar cada vez mais para retomarmos nossas terras, custe o que custar. E que o sangue de nosso povo semeie as nossas terras sagradas para renascer a esperança de alcançarmos a terra sem males.

Assim, REIVINDICAMOS:
- Que o Governo Federal conclua, de uma vez por todas, a identificação das 36 terras indígenas do povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul previstas no TAC assinado entre o Ministério Público Federal e a FUNAI.

- Que o Ministério Público Federal execute judicialmente o TAC obrigando o Governo Federal a cumprir com o que é sua obrigação, cobrando as multas diárias para serem revertidas em favor de nosso povo.

- Que o Ministério Público Federal fiscalize e cobre da Polícia Federal a conclusão dos Inquéritos policiais que investigam os assassinos de nossas lideranças Xurite Lopes, Ortiz Lopes, Oswaldo Lopes, Rolindo Vera e Genivaldo Vera.

- Que sejam investigados pela Polícia Federal as organizações dos fazendeiros que estão contratando milícias armadas para agredir nosso povo.

- Que o Poder Judiciário compreenda a nossa difícil realidade e pare de despejar nosso povo para as beiras de estradas.

- Que o Poder Judiciário dê prioridade no julgamento dos processos envolvendo a demarcação de nossas terras e não façam com que os processos fiquem anos sem julgamento, como está acontecendo hoje. Não temos mais tempo e paciência a perder com a morosidade em julgar nossos processos.

- Que o Supremo Tribunal Federal julgue, de uma vez por todas, os processos envolvendo a demarcação de nossas terras (Taquara, Arroyo Korá, Nhande Rú Marangatú, Cachoeirinha). Que dê prioridade para os nossos casos assim como dá prioridade no julgamento de processos envolvendo políticos e interesses dos governos.

- Que o STF compreenda que nossa constituição está sendo rasgada pelos ricos e poderosos do Brasil. Que nenhum dos direitos assegurados pelo artigo 231 da constituição foram reconhecidos ao nosso povo indígena de Mato Grosso do Sul desde a sua promulgação em 1988.

- Que a FUNAI conclua os trabalhos exigidos pelo Desembargador do TRF3, Silvio Gemaque, sobre a situação do tekohá Kurussú Ambá.

- Que o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul pare de se intrometer com questões que não são de sua competência e pare de agredir nosso povo, tendo o mínimo de humanidade, honra e respeito.

- Que sejam retirados os 14 colonos invasores que entraram na Terra Indígena Jataívary (Lima Campo) município de Ponta Porã que estão ocupando nosso pequeno pedaço de terra, nos ameaçando com tiros e intimidações. Antes já haviam 04 colonos que estavam em nossa terra e que foram identificados pelo laudo Antropológico realizado pelo antropólogo Rubinho. O Procurador da República, Dr. Charles, nos havia prometido que iria providenciar o assentamento destes colonos em outro lugar. Porém, além dos 04 colonos que continuam em nossa terra, outros 14 colonos chegaram invadindo recentemente e temos mais problemas do que tínhamos antes.

- Que o Ministério Público Federal fiscalize e impeça a instalação de uma usina de cana na dentro da terra indígena Potrerito, município de Paranhos.

- Que os municípios e o estado de Mato Grosso do Sul cumpram com seus deveres construindo mais escolas indígenas, bem como a reforma das escolas que se encontram nas áreas em litígio.

- Que a escolas indígenas sejam diferenciadas e especificas e que os municípios respeitem e façam valer nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988 pois atualmente as escolas não estão sendo construídas com o caráter próprio de "escola indígena" promovendo o ensino na própria língua materna de nosso povo assim como NÓS SEMPRE REIVINDICAMOS!

- Que respeitem nossos direitos e que os Projetos Políticos Pedagógicos sejam específicos na educação escolar indígena.

- Que o Governo imediatamente crie as devidas condições para que os GTs possam concluir e publicar, de uma vez por todas, os relatórios de identificação de todas as nossas terras Kaiowá Guarani.

Perdemos a paciência, e o povo Kaiowá e Guarani continuará na luta pelos nossos direitos históricos e constitucionais!

Por fim, agradecemos toda a compreensão e solidariedade das pessoas de bem que compreendem a necessidade de resolvermos, de uma vez por todas, a situação dramática em que estamos!

Kurusú Ambá, Coronel Sapucaia - MS, 28 de julho de 2010.

Fonte: Aty Guasu - Terra Indígena Kurusú Ambá

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