Nós somos o verdadeiro Coronavírus

Por Gianfranco Graziola *

O tema diário da imprensa em todas as latitudes nestes últimos meses tem sido o novo Coronavírus e sua consequente doença, a Covid-19. Dificilmente esqueceremos pelos próximos tempos estas pequenas palavras e os numerais, assim como dificilmente sairão de nossa memória e imaginário simbólico algumas imagens que marcaram nossas existências sociais, profissionais, familiares nesta quarentena que foi bem mais comprida que os 40 dias, ou ousaria quase afirmar, que os 40 anos no deserto do povo de Israel.

O aprendizado

O interessante deste momento que vivenciamos são as descobertas que fizemos, como a relatividade do tempo que, antes parecia nunca ser suficiente e que agora não sabemos mais como matar, ou o prazer de estar juntos, de passar longos momentos  conversando, rindo, ou até simplesmente tomando as refeições que, na chamada “normalidade” pareciam não existir absorvidas no corre-corre de uma vida que não tinha espaço para ninguém, a não ser para o trabalho, o lucro, o consumismo desenfreado e sem limites. Enfim aprendemos, se é que isso vai ficar, que de um nada, o mais importante era cuidar de nós mesmos, de nossa saúde e da saúde dos outros seres humanos. Mas parece que o aprendizado ainda não acabou e talvez nunca mais termine.

Uma palavra interessante que correu e continua a correr na boca de todos é “Normalidade”, algo óbvio na rotina do ser humano robô que, cumpre religiosamente um ditame sociopolítico e econômico que, faz parte da engrenagem economicista e tecnicista, onde o ilimitado quer sempre mais e o maquiavélico ditado que o “fim justifica os meios” deixa espaço ao todo “liquido” e evanescente. Isso significava que, o que agora é, no espaço de alguns segundos ou milésimos de segundo pode não ser mais. Tudo isso foi para o espaço, e o que era normalidade parece não mais existir e nem mais ter volta.

Aprender novos caminhos

Teremos que aprender novos caminhos, e não só nós seres humanos, mas todo o sistema socioeconômico, aprendendo a conviver e se mover numa nova situação cujos contornos são bastantes incertos e nebulosos. Enfim, todas as certezas empíricas do sistema econômico e tecnológico terão que se submeter e servir à vida. Trata-se de passar da lógica do EGO, onde nós pretendíamos e nos iludíamos ser os senhores e donos absolutos, para o ECO onde reconhecemos que, igualmente como nós os outros seres têm os mesmos direitos de poder usufruir das dádivas que a Casa Comum oferece a todos nós.

E existe outra palavrinha mágica que nestes quase 90 dias alimenta as ilusões de muitos: “Vacina”. Particularmente os meios de comunicação e neles os administradores nos vendem essa meia verdade para evitar que as pessoas entrem em pânico generalizado e o caos se apodere das massas sem poder controlar seus efeitos e consequências. A verdade, porém é, e disso nos estão alertando infectologistas e biólogos quando afirmam que embora a vacina seja importante para amenizar a situação, ela não é suficiente para vencer a pandemia, é preciso algo mais e sobretudo fazer uma coisa importante: tomar consciência que o verdadeiro Coronavírus é cada um e cada uma de nós querendo continuar com as regalias de um progresso de normalidade que gerou e continua a gerar, desigualdade, injustiça, pobreza, violência e, sobretudo, agride de forma violenta o planeta, fazendo-o adoecer.

Enfim, o Coronavírus foi criado e continua sendo criado por nós, quando, não respeitamos a Mãe Terra, poluímos as águas, a envenenamos, tornamos o ar irrespirável lançando na atmosfera gases que elevam a temperatura do planeta que, por sua vez modifica os biomas e ritmos migratórios dos outros seres e cria grandes revoluções na atmosfera, biosfera e nos oceanos com os grandes tufões que assolam as vidas de inteiras populações e estados.

Enfim, o novo Coronavírus, este pequeno vírus que apareceu ao nosso horizonte e que foi e continua sendo considerado um inimigo mortal, talvez possa ser nosso aliado porque iceberg que nos traz um sinal urgente e importante que devemos colher para evitar aquela que seria a hecatombe da humanidade alertando-nos: é preciso realizar uma grande conversão, uma mudança radical em nossa normalidade, aquela que o Papa Francisco chama de Conversão Ecológica.

* Gianfranco Graziola, imc, é missionário da Consolata e Diretor-Presidente da ASAAC.

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