Os disparos sucedem-se cerrados, furiosos e sem tréguas: contra tudo e todos.
Por Alfredo J. Gonçalves*
A locomotiva do governo Jair Bolsonaro, especialmente em suas instâncias superiores, parece movida a cheiro de pólvora. Os disparos sucedem-se cerrados, furiosos e sem trégua: contra a imprensa em geral, e contra todo tipo de informação que não esteja de acordo com o viés ideológico do presidente; contra a sociedade civil organizada, de modo particular os ativistas que denunciam o aquecimento global e lutam pela preservação do meio ambiente, bem como os defensores dos povos indígenas, das comunidades ribeirinhas e quilombolas; contra os mais variados representantes da ciência e das expressões culturais; contra as legítimas instituições da prática política democrática; contra os defensores dos direitos humanos, raivosamente chamados de “comunistas e esquerdistas”!...
Não há descanso nem folga para o gabinete do ódio e a fábrica de fake news. A metralhadora dos ataques, ofensas e difamações cospe bala e mentiras em todas as direções. Enquanto os companheiros de campanha e de governo, antes indispensáveis e hoje indesejados, acabam sendo fritados em fogo lento, os opositores são alvejados impiedosamente como inimigos do povo brasileiro e do progresso. Ódio, vingança e raiva se fundem para formar a única moeda válida em circulação no entorno no clã ampliado do bolsonarismo. A ideologia olavista vinda do Norte, por sua vez, cimenta a química dos ventos funestos que varrem os céus do Planalto Central. Poder e ignorância se unem numa mistura de graves consequências.
Tampouco falta o fogo sagrado, vindo do alto de um fanatismo fundamentalista altamente nocivo e cheio de armadilhas perigosas. Fogo já aceso e vivo durante o tempo de campanha: “O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, dizia o slogan da candidatura. No decorrer dos séculos, aliás, a aliança entre trono e altar, não importando o credo, a bandeira ou o colorido religioso, desencadeou em geral incêndios devastadores sobre a face da terra, queimando pessoas, grupos, categorias, povos, etnias... tidos como “ímpios e inimigos de Deus”. Ademais, toda manipulação de caráter religioso, político ou ideológico, seja ela utilizada tanto à direita quanto à esquerda, costuma ter resultados obscurantistas imprevisíveis.
Em lugar do bom senso e do diálogo racionalmente argumentativo – próprio de todo processo histórico-democrático do equilíbrio entre os três poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário) – prevalecem os rompantes impulsivos e imediatistas, onde os instintos e paixões deixam marcas indeléveis e irreversíveis. Tendem a prevalecer, de igual forma, as decisões intempestivas e autoritárias, o que termina dando margem aos avanços e recuos, ditos e não ditos, mandos e desmandos, nomeações e exonerações, feitos e desfeitos... Tal como na iniciativa privada, também no serviço público não há mais empregos fixos e estáveis. Todo trabalho tem a marca da provisoriedade e do descarte, o que leva ao aumento do desemprego, da migração e das atividades informais.
Desnecessário acrescentar o desfile de males que esse clima de ódio e ataques constantes traz à segurança econômica e à estabilidade social. Convém não esquecer, por outro lado, que o Sr. Mercado, personagem central e imperativo dos tempos contemporâneos, respira um humor sempre instável, passando do riso ao pranto e deste à carranca em questão de instantes. Que o digam os indicadores econômicos da bolsa de valores, da cotação do dólar, da taxa de juros, do crescimento do PIB e outros que tais. Numa palavra, quando o cheiro de pólvora contamina o ar e dissemina o terror, enquanto os produtores tendem a se precaverem e os consumidores a se esconderem, florescem os oportunistas e especuladores. Resulta que o cassino global do mercado financeiro ganha espaço em detrimento dos setores produtivos. Evidente que a presença indesejada do estranho coronavírus derruba ainda mais as expectativas, já debilitadas, seja de quem produz como e de quem comercializa e consome. Qualquer trovoada na esfera do governo e de sua relação com as instituições semeia temor e leva as pessoas ao refúgio.