Jorge Viana
Sempre foi um enorme desafio discutir a Amazônia por ser uma das regiões mais especiais do nosso planeta. Foi assim no século 19. Foi assim especialmente no século 20, ainda muito presente em nossa memória. Nosso desafio agora é como pensá-la para o século 21, no pós-Copenhague. E aí creio ser bom refletirmos um pouco sobre o que ocorreu na Amazônia nos últimos quarenta anos. Vejamos o exemplo do Acre. As mudanças e transformações que aconteceram no estado são fruto de um movimento que foi, inicialmente, de resistência e denúncia. Teve como base um movimento social forte, organizado a partir da Igreja Católica (Comunidades Eclesiais de Base), que criou condições para a organização dos sindicatos rurais convencionais. O movimento ganhou força com o envolvimento de lideranças visionárias como Chico Mendes e o próprio Lula, que estimulou muito esse novo caminho. Uma singularidade que, embora ainda não esteja devidamente registrada pelos pesquisadores e cientistas, a história já faz por onde registrar. O que era no início um movimento de denúncia e de resistência, sob certo aspecto convencional, transformou-se em um movimento propositivo, em defesa de um novo modelo de ocupação e desenvolvimento para a Amazônia, com propostas de políticas públicas inovadoras, que passaram inclusive a integrar a plataforma política do PT, que nascia no mesmo período.
Já vivíamos o período da redemocratização do país, mas isso não significou uma mudança na visão da política oficial brasileira em relação à Amazônia. As denúncias contra as políticas públicas brasileiras continuavam crescendo no mundo, e o desmatamento crescia em igual proporção. A novidade é que começaram a surgir movimentos políticos partidários, capitaneados pelo PT. O movimento ganhou força e, no caso do Acre, suas propostas foram transformadas em políticas públicas a partir de 1993, quando o PT assumiu a Prefeitura de Rio Branco. Alguns mandatos parlamentares também incorporaram os conceitos desse novo modelo, a partir da eleição de Marina Silva e depois do senador Tião Viana. E, logo em seguida, no governo estadual, em 1999 (o primeiro governo do PT na Amazônia).
A experiência vivida pelo PT no Acre está no seu terceiro mandato na administração estadual e tem uma singularidade: fugiu da luta política convencional, tendo nos ideais de Chico Mendes e na luta dos movimentos sociais a base de seu modelo de desenvolvimento. Um modelo de desenvolvimento que tem como princípio a sustentabilidade ambiental, econômica, social, cultural, política e ética.
A força maior desse movimento que hoje governa o Acre se sustenta em três bases, sob o ponto de vista da gestão: ter ideias inovadoras que se legitimem na sociedade; reunir pessoas capazes para executar ou pôr em prática essas ideias; reunir as condições para que essa ideias sejam implementadas.
A economia pós-Copenhague
Desde a COP 15, tenho dito que o Acre já vive uma espécie de pós-Copenhague, exatamente porque ainda no século passado a nossa agenda já registrava e priorizava temas que só agora, na primeira década do novo milênio, estão sendo priorizados por outros estados, por outros governos e até pelo Brasil. O Acre vive esse pós-Copenhague, por toda a sua história de resistência e de luta em defesa da floresta e do uso consciente dos seus recursos naturais.
Claro que os desafios se mantêm enormes, maiores ainda, porque estamos vivendo a fase da materialização desses ideais. Mas é inegável que o modelo de desenvolvimento em andamento no Acre responde positivamente do ponto de vista econômico, por ser competitivo; responde positivamente do ponto de vista social, por ser includente; responde essencialmente do ponto de vista ambiental, porque é sustentável.
Esse novo modelo precisa levar sempre em conta as populações tradicionais e a biodiversidade e ter como linha mestra a ideia de se consolidar na Amazônia uma economia de baixo carbono com alta inclusão social.
O ordenamento territorial se torna fundamental nesse processo e considero um grande equívoco tratar desse tema de forma convencional. No Acre, realizamos o zoneamento ecológico e econômico, que não foi imposto por lei, mas feito a partir de um pacto com a sociedade. Esse modelo deveria ser reproduzido em todo o território Amazônico, associando os interesses dos que vivem na Amazônia com os interesses nacionais, e deveria, sobretudo, ter como foco não o uso da terra, e sim o uso dos recursos naturais que estão abaixo e acima da terra.
É preciso compreender que na Amazônia devemos fortalecer o círculo virtuoso de que a floresta faz bem para a economia e a economia de base florestal é importante para a sustentabilidade. Usar com sabedoria nossa biodiversidade, com certificação dos produtos e agregação de valor, deve ser a base para uma economia de baixo carbono e alta inclusão social.
Royalties pelo uso da floresta
Outro aspecto a ser considerado é que os projetos de infraestrutura a serem implementados na região, na área energética (com uso dos recursos hídricos), de transporte, na exploração dos recursos minerais ou na implantação da indústria florestal de produtos madeireiros e não madeireiros, devem incorporar o que podemos chamar de royalties pelo uso desses recursos naturais.
Assim, podemos criar um mecanismo que envolva e beneficie diretamente os 25 milhões de amazônidas. Os povos da floresta devem ser beneficiados, não importa se moradores das cidades ou da floresta, nos ganhos desses empreendimentos. Se encontrarmos essa formulação, vamos ter respondido ao desafio de ter um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e de alta inclusão social.
Precisamos, ainda, atingir as metas que o Brasil assumiu em Copenhague. São metas ousadas e contemporâneas de redução de emissão de gases e,
especialmente, de diminuir em 80% o desmatamento na Amazônia. O Acre defende há algum tempo a compensação por desmatamento evitado e tem
hoje uma das melhores propostas de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).
A meta de redução do desmatamento na Amazônia assumida pelo governo brasileiro é não só possível como necessária. Para que possamos atingi-la com segurança, é muito importante que façamos, também, melhor uso das áreas já degradadas da Amazônia, outro grande desafio. A aplicação de tecnologias que já são dominadas no aproveitamento das áreas degradadas fará diminuir a pressão sobre novas áreas e propiciará uma atividade econômica que possa fazer uma boa transição da expansão de um modelo que não era sustentável, do ponto de vista ambiental, para um modelo sustentável.
À altura dos novos desafios
Uma das mais eficientes maneiras de fazer a defesa da preservação da Amazônia é estabelecermos políticas de uso sustentável de seus recursos naturais. Hoje, o Brasil reúne as condições para consolidar um novo modelo de desenvolvimento na região que pode ser contemporâneo e dar mostras ao mundo de que o país é responsável em relação a suas populações tradicionais e guardião de sua biodiversidade.
O presidente Lula cumpriu um papel muito importante em Copenhague com a apresentação das metas de redução das emissões de perto de 40% e, especialmente, pela proposta de redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. O cumprimento dessas metas é uma necessidade para o país, para a Amazônia e para o mundo. Por outro lado, a Amazônia, que sofreu as mais graves consequências, os maiores danos, fruto de um período de grande crescimento do país na década de 1970, o chamado "milagre econômico", que atravessou décadas de estagnação do crescimento do país, encontra-se hoje inserida num processo de crescimento econômico sustentável, graças à ação e ao trabalho do governo do presidente Lula, que criou as condições para que o Brasil possa ser uma referência no mundo pós-crise financeira de 2008.
No momento em que o mundo discute mudança climática e o Brasil vive um círculo virtuoso de crescimento econômico, é oportuno e adequado que se corrijam os erros cometidos e sejam criadas as condições para que se implante um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia que esteja à altura dos desafios que o mundo vive hoje. Precisamos, por exemplo, mudar, de maneira defi nitiva, o foco do modelo de transporte na Amazônia. Não pode mais estar centrado nas rodovias, é um equívoco. As rodovias ao longo dos últimos trinta, quarenta anos materializaram esse equívoco por promover o desmatamento de grandes extensões de áreas e provocar graves problemas sociais. O Acre tem um sistema de transporte intermodal - fluvial, aéreo e rodoviário - no qual, particularmente nas rodovias, busca antecipar-se aos problemas que estas trazem, utilizando-se da implantação de florestas estaduais e de unidades de conservação como redutores de impactos ambientais.
Precisamos continuar buscando novas tecnologias para ampliar o aproveitamento hidrelétrico, principalmente na Amazônia, sem grandes barramentos, sem a formação de grandes lagos, sem comprometer os ecossistemas e com respeito às populações tradicionais, consolidando, assim, a imagem do Brasil de país que detém uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Aliás, o Brasil, que tem no biocombustível uma vantagem comparativa, precisa ser pioneiro na produção de energia a partir de biomassa e de biomassa de segunda geração - celulósica.
É importante também que o Código Florestal, assim como toda a legislação ambiental, seja atualizado e modernizado para que o Brasil continue se firmando como um país que prioriza, em sua agenda e em seu modelo de desenvolvimento, a defesa da biodiversidade e o equilíbrio ambiental. A destruição do aparato legal que combate o ilícito ambiental no Brasil e o desmonte do Código Florestal, como defendem alguns, são o que de pior pode acontecer.
Nesse momento em que o governo lança o PAC 2, podemos dizer que, para a Amazônia, necessitamos um pouco mais do que o próprio conceito de crescimento. Em vez de PAC para a Amazônia, gostaria que pudéssemos ter o PAD - Programa de Aceleração do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. E, se pudéssemos ir um pouco além, gostaria que tivéssemos o PAE - Programa de Aceleração do Envolvimento das Populações da Amazônia.
A experiência no Acre tem dado certo porque procurou inovar, conseguiu fazer uma conexão entre o ambiental, o político e a gestão, traduzido no conceito de florestania. Não reproduziu um modelo pronto de fora da região, mas buscou seu próprio modelo, adequado a sua realidade, a partir de um olhar para dentro, para suas raízes, para sua história. E faz da educação sua maior prioridade. É impossível pensar em mudanças profundas e duradouras se não for pela educação.
É fundamental que o Brasil entenda que defender o meio ambiente é defender a vida, é defender o planeta. Mas é também business. É importante que todo o Brasil entenda que a questão ambiental está sendo naturalmente incorporada nos negócios e na vida do cidadão. Tenho a confiança de que nos próximos anos vamos fazer com que haja um reencontro da atividade humana com a conservação da natureza, da nossa biodiversidade. Esse reencontro natureza e homem resultará numa economia sustentável, contemporânea, que possa ser caracterizada como a economia do pós-Copenhague, que ajude a estabilizar o clima no planeta. Estou certo de que a Amazônia transformada numa vantagem comparativa fará com que o Brasil se consolide como uma nação líder no mundo sustentável.
*Jorge Viana é engenheiro florestal, ex-prefeito de Rio Branco (1993 a 1997) e ex-governador do Acre (1999 a 2007), pelo PT.
Fonte: Portal Vermelho