Simão, tu me amas?

Alfredo J. Gonçalves, CS *

Simão, tu me amas?
Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?
A primeira pergunta traz à tona a convivência que os doze desfrutaram com Jesus, no percurso de sua vida histórica. Feita a Pedro, parece dirigida à figura do Cristo. Embora numa relação assimétrica, eram companheiros, discípulos, amigos. O impetuoso Pedro, verdadeiro líder do grupo, aparecia sempre à frente de qualquer iniciativa. Era o primeiro a tomar a palavra para defender o Mestre, para responder a suas enigmáticas perguntas. Na hora da prisão de Jesus, chegou a desembainhar a espada. Juntos percorreram os caminhos da Galiléia, da Samaria, da Judéia, até chegar a Jerusalém. A intimidade tomava corpo, aproximava-os. Mas a interrogação de Jesus parece repetir uma questão de dupla face: por um lado, quem é Ele para Pedro e os demais, por outro, quem são os apóstolos e Pedro para o Messias e para a proposta do Reino de Deus. O amor pressupõe o conhecimento. É como se Jesus perguntasse a Pedro se este o conhecia de fato. E se conhecia as consequências disso.
A primeira resposta mostra bem o caráter de Pedro. É simples, imediata e direta: Senhor, tu sabes que te amo!

Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?
A segunda pergunta mergulha mais fundo no coração e na alma de Pedro. Vai dirigida diretamente ao mais íntimo de seu ser. Leva-o ao espelho, convidando-o a analisar seu comportamento anterior, seja na convivência com o Mestre seja na hora da cruz. Ele é chamado a identificar seus impulsos, emoções, sentimentos mais secretos. Pedro não pode esquecer-se que, por diversas vezes, foi admoestado e corrigido pelo Mestre. Foi inclusive chamado de Satanás! Tampouco pode esquecer suas dúvidas, sua falta de fé em ocasiões bem determinadas. Também deve estar muito viva dentro dele a chaga da traição e da fuga, justamente na última hora, no momento mais dramático. A vergonha ainda sangra em seu coração. Jesus já o perdoou, é certo, mas é mais difícil aceitar o perdão do que perdoar. Perdoar a si mesmo é um processo doloroso, prolongado, laborioso. Feridas abertas lhe deixam a consciência tumultuada. O reencontro com o Mestre não deve ser fácil, perturba-o sua atitude na hora decisiva. A pergunta esquadrinha suas entranhas mais ocultas e desconhecidas.
A segunda resposta, embora repita a primeira, vem carregada de alguma sombra: Senhor, tu sabes que te amo!

Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?
A terceira pergunta extrapola o diálogo entre ambos. Traz explícito o cuidado com a missão, a solicitude pastoral com o rebanho. Missão que, aliás, já vinha como refrão nas perguntas anteriores: apascenta minhas ovelhas. A trajetória requerida pelo Cristo Ressuscitado aparece com clareza. Pedro, se tu me conheces e me amas, se entendestes a dinâmica do Reino de Deus e se tens consciência de tuas próprias fraquezas, então estás preparado para o apostolado. Estás preparado para lidar com as fraquezas e os limites de cada pessoa. No espelho de teu próprio comportamento, amplia-se o leque de tua compreensão, de tua capacidade de perdoar, de tua misericórdia. Esperam-te muitos medos e angústias, temores e tribulações, obstáculos e adversidades. Agora caminhas por onde desejas, mais tarde outros é que te indicarão o caminho. Estás preparado para ser líder. Líder não é aquele que conduz os demais, e sim aquele que se deixa conduzir por eles. Aquele que é capaz de interpretar as aspirações do povo, sistematizá-las e canalizá-las de forma eficazmente libertadora, transformadora.

A terceira resposta ganha um tom de tristeza ou de dúvida: Senhor tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo.

* Padre Alfredo J. Gonçalves, CS, Assessor das Pastorais Sociais.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves, CS

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