Ao celebrar 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, somos convidados a realizar uma reflexão profunda sobre a população brasileira negra e suas condições de vida.
Por Malius Ndyamuhaki
Conforme o Censo de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a porcentagem da população negra, que inclui pessoas pretas e pardas, correspondia a 53,92% dos brasileiros. Alguém se perguntaria como uma população tão numerosa, mais da metade da existente no país, poderia ser vítima de discriminação, não apenas racial, mas, em quase todas as esferas da vida, seja na política econômica ou social, e, ainda mais, ter a sua cultura tradicional oprimida?
Dar resposta a esta realidade cabe a todo o povo de Deus, pois é necessário lutar e construir uma nova ordem, autêntica, radical e profunda, que supere a visão funcionalista e estruturalista da sociedade e que não só proponha uma nova política econômica, mas todo um novo padrão de relações sociais, onde a pessoa e a vida sejam elementos de um processo político-econômico livre de todas as formas de discriminação. Todo esse processo deve, primeiramente, incluir o respeito à dignidade da pessoa humana que foi conferido a toda humanidade e que tem sua fundamentação na Bíblia. Isso colocará todas as raças em pé de igualdade, impedindo que se verifique qualquer tipo de discriminação como aquela que presentemente vemos acontecer com a população negra.
Imagem e semelhança
Segundo a narração bíblica da Criação (Gn 1, 26-27) ´´então Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança...’’. Essa citação nos indica que o homem, em todo o seu ser, é a imagem e semelhança de Deus, de modo que sua plena constituição representa Deus. O homem é uma criatura racional, pessoal, criativa e moral, com quem o próprio Deus compartilha seus atributos comunicáveis. Os seres humanos, de modo geral, devem gozar de toda liberdade e acessar todos os bens que Deus coloca à sua disposição, independentemente de sua raça. A Criação, na imagem e semelhança de Deus nos leva a um princípio de igualdade. Cabe então à sociedade construir os valores e ideais de uma sociedade igualitária, onde o diálogo interétnico seja construído a partir das diferenças. Isso deverá ajudar na eliminação de concepções tradicionais que sujeitam os negros à discriminação e à condição de mão de obra de produção e pior ainda, mão de obra barata.
Para alguns, o Dia da Consciência Negra é apenas um dia em que os afrobrasileiros saem à rua cantando com tambores e instrumentos. Isso pode fazer parte da celebração, mas este dia tem como principal objetivo refletir sobre as questões que envolvem a inserção dos negros na sociedade brasileira. Esse dia também faz o resgate da memória histórica do período da luta pela libertação dos negros da sua condição de escravidão e nos faz recordar figuras importantes desse período, como Zumbi e outros que lutaram pela libertação dos negros no Brasil.
É partindo desta ótica que se compreende o por que de todos os cidadãos brasileiros serem convidados a se solidarizar com os negros do Brasil e, em seguida, a se disporem à criação de uma sociedade supra-igualitária. O Dia da Consciência Negra, para os negros, é muito mais do que afirmar a cor da pele. É afirmar uma história que foi negada, é resgatar o sonho de quilombo que foi perdido, mas, acima de tudo, significa implicar, em um compromisso radical, todo o povo do Brasil com a causa do povo negro.
Malius Ndyamuhaki, imc, é professo em São Paulo, SP.