Dos Anaios aos Waiãpi

Quando recebemos notícias de que garimpeiros, sob impulso do governo federal, entram numa aldeia indígena no Amapá e executam seu cacique, nos recordamos de nossas origens e vemos que o instinto assassino dos conquistadores permanece vivo.

Por Roberto Malvezzi (Gogó)*

Em 1676 houve um massacre indígena violento aqui na região do rio Salitre, em Juazeiro da Bahia. Conta a história que o Padre Martinho de Nantes e seus índios aldeados participaram da repressão aos Anaios, sob o comando de Francisco Dias d’Ávila. O Salitre é um afluente do São Francisco. Um rio famoso que alimentou por muito tempo o gado criado para abastecer Salvador, então capital da Colônia. Dias d’Ávila era o dono da imensa sesmaria que partia de Salvador, da praia do Forte, e se alongava sertão adentro, subindo por léguas e léguas o rio São Francisco.

000 a a a a cimi capa 1Segundo o relato de Martinho de Nantes: “acompanhamos as pegadas do inimigo, que foi encontrado.... quase sem armas e morto de fome. Renderam-se todos, sob a condição de que se lhes poupassem a vida. Mas os portugueses, obrigando-os a entregar as armas, os amarraram e dois dias depois mataram a sangue frio, todos os homens de armas, em número de quase quinhentos, e fizeram escravos seus filhos e mulheres” (NANTES, 1979: 53, apud Pessoa, pg. 7).

Quando recebemos notícias de que garimpeiros, sob impulso do governo federal, entram numa aldeia indígena no Amapá e executam seu cacique, nos recordamos de nossas origens e vemos que o instinto assassino dos conquistadores permanece vivo no Brasil atual. A questão dos povos originários é do passado, mas é do presente e continua para o futuro. Elegidos como inimigos dos novos conquistadores, como no passado, continuam marcados para morrer. A crueldade não tem limites, como nunca teve. Não estamos lidando com pessoas humanas dotadas de sentimentos, mas com demônios encarnados, que não tem remorso algum dos assassinatos que cometem.

Perseguidos ao longo da história muitos povos indígenas mergulharam no anonimato para sobreviver. Assim foram as tribos do Nordeste, muitas vezes dadas por extintas. Mas, era apenas uma arte da sobrevivência. Eles estão de volta, e o Papa Francisco quer ouvir esses povos da Amazônia no Sínodo Pan-amazônico. Francisco é crítico ferrenho da civilização ocidental e acha que esses povos têm muito mais contribuições para o futuro da humanidade que seus perseguidores e assassinos.

Referência:

PESSOA, A. E. da Silva. In “Família, Propriedade, Tradição no Brasil Colonial: a Casa da Torre de Garcia d’Avila”. https://ziladoc.com/download/a-casa-da-torre-de-garcia-davila_pdf Acesso em 30/07/19

*Roberto Malvezzi (Gogó) é agente da Comissão Pastoral da Terra, Juazeiro, BA.

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