A Pastoral da Sobriedade no RS

Pe. Vitor Hugo Gerhard

Este texto está amparado na prática pastoral no âmbito de dependência química (DQ) na Diocese de Novo Hamburgo e no Regional, após termos percorrido praticamente todo o território do Estado do Rio Grande do Sul e manter contato permanente com praticamente todas as instituições que atuam nesta área.

Quando se falar aqui em DQ, não se estará tratando das drogas chamadas de "lícitas" (álcool e tabaco) por se tratar de um universo de tal forma amplo e pouco pesquisado que, a rigor, é difícil de ser medido. Também não se tratará da assim chamada "farmaco dependência" (uso indevido de medicamentos) igualmente por se tratar de um mundo novo e desconhecido, sabendo-se apenas que, ao que tudo indica, as mulheres são mais vulneráveis a esta dependência, por se automedicarem compulsivamente para o tratamento de beleza e ajustes no corpo, além do uso de antidepressivos e terapias relacionadas à hiper-atividade e bipolaridade.

Tentaremos sim, dar uma visão de como se apresenta o quadro do uso abusivo de substâncias psico-ativas (SPA), tais como a maconha, a cocaína e a pedra do crack, entre outras. Não existem estatísticas confiáveis sobre o assunto. O que se sabe, é que se está tratando de uma epidemia (ou pandemia, como preferem alguns). Certas pessoas dizem que 5% da população geral do Estado é usuária desse tipo de droga, o que poderia chegar a 550 mil usuários. Outros já falam em 10% da população acima dos 12 anos - hum milhão de usuários (hoje é comprovado que o uso indevido de SPA inicia aos 9 anos de idade). Em 2001, por ocasião da Campanha da Fraternidade Vida Sim, Drogas Não, a Secretaria Estadual da Educação divulgou uma pesquisa onde afirmava que, na rede estadual de educação, dos alunos homens de 12 a 18 anos, 80% já fizeram uso, em algum grau, de SPA. Recentemente o Secretário Estadual da Saúde, Sr. Osmar Terra, afirmou que o número de usuários da pedra do Crack no RS, é de 50.000. Não sei como ele chegou a esse número, pois normalmente os usuários se escondem ao invés de admitirem sua drogadição. Em todo o caso, se isso é verdade, façamos as contas: cada usuário consome ao menos duas pedras por dia. Isso significa que, no mínimo 100 mil pedras da droga entram no mercado gaúcho diariamente. Ao preço médio de $10,00, chega-se a hum milhão de reais, todos os dias, a irrigar o mercado clandestino, corrompendo pessoas particulares, instituições e mesmo órgãos de Estado, apenas com o uso da pedra, que é a 6ª droga mais consumida no RS.

Estamos falando de uma DOENÇA hereditária, transmissível, crônica, progressiva e fatal.

Para os que trabalham nesta área, o assunto é organizado da seguinte maneira:

A) Prevenção ao uso de drogas. Não há consenso no assunto assim como também não há um conjunto de medidas apropriadas e eficazes. Esse é o grande dilema das pessoas e instituições que atuam na área. Campanhas tipo crack nem pensar fazem mais mal do que bem e não devemos nos engajar nisso pois já está comprovado que tais campanhas, além de serem economicamente interesseiras, provocam o efeito contrário. O que realmente se sabe é que a droga entra na vida quando a vida se torna uma droga, e que, para inverter esta lógica, precisamos montar esquemas de prevenção fundados nos seguintes alicerces:

* A prevenção começa na família, na medida em que se consiga desenvolver um modelo de vida familiar com limites - vida sem limites é uma droga;
* A prevenção continua na escola na medida em que se consiga educar para os valores - vida sem conteúdo é uma droga;
* A prevenção se consolida na Igreja na medida em que se consiga estabelecer metas e sentido para um projeto de vida aberto para o outro e para o transcendente - longe de Deus não há qualidade de vida;
* A prevenção se expressa numa moral de atitudes no contexto da sociedade organizada e na participação em seus conselhos paritários e grupos de voluntariado. Sem isso, teremos que chamar o policial, o delegado e o promotor e confiar-lhes a tarefa de reprimir, como se essa doença fosse um caso de polícia, assim como pensam alguns órgão de comunicação.

B) Intervenção. Por intervenção se entende as ações que visem identificar usuários de droga e famílias feridas pela drogadição e dar-lhes o apoio devido na busca de superação. Isso deveria ser feito pelo setor de saúde dos municípios (Postos de Saúde, Saúde Mental, CAPs AD, etc...) e pelos grupos de apoio nas perdas. Destes grupos de apoio nas perdas, os mais conhecidos e credenciados em suas redes, no RS, são os seguintes:

o Grupos de Amor Exigente - AE 127 grupos
o Grupos de Alcoólicos Anônimos - AA 471 grupos
o Grupos de Narcóticos Anônimos - NA 032 grupos
o Grupos da Pastoral da Sobriedade 007 grupos
o Outros grupos 023 grupos

TOTAL 660 grupos

A Pastoral da Sobriedade da CNBB pretende criar ao menos um grupo em cada Paróquia Católica no Brasil, como ferramenta de apoio nas perdas e possível instrumento de prevenção.

C) Recuperação em DQ. A recuperação dos usuários de SPA é entendida de três formas:

* O Ministério da Saúde adota o princípio da redução de danos, aplicado pela saúde mental e CAPs AD dos municípios, sem internação e com atendimento ambulatorial. Os resultados são desastrosos.
* Alguns outros setores da sociedade defendem a recuperação pelo método de internação hospitalar e tratamento medicamentoso. Nossa opinião é que somente nos casos de surto psicótico é que se deve lançar mão desse método, como terapia de choque nos passos iniciais da recuperação.
* A residência voluntária em Fazenda de Recuperação, também chamadas de Comunidades Terapêuticas (CTs) é o mais produtivo e eficaz. Entendemos por CTs, os centros de recuperação em dependência química que adotam métodos não clínicos, medicamentosos ou psiquiátricos, com PROGRAMA em tempo determinado de residência e trabalho simultâneo com as famílias.

Tendo consultado os bancos de dados abaixo relacionados, chegamos ao número de 189 CTs no Rio Grande do Sul. A relação a seguir apresenta o número de CTs em cada uma das 18 Dioceses católicas no RS. (a relação nominal das CTs pode ser pedida ao autor deste texto, via E-Mail)

Bancos de dados consultados:

* SENAD - Secretaria Nacional Anti Drogas
* FEBRACT - Federação Brasileira das Comunidades Terapêuticas
* CONEN/RS - Conselho Estadual de Entorpecentes
* PACTO/POA - Programa de Auxílio Comunitário ao Toxicômano
* CNBBS3 - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - Regional Sul 3
* 800 telefonemas a todas as paróquias católicas do RS

RELAÇÃO DAS CTs NAS DIOCESES - 5 MIL LEITOS

NOVO HAMBURGO 35

PORTO ALEGRE 56

BAGÉ 02

MONTENEGRO 09

CRUZ ALTA 05

SANTA CRUZ DO SUL 07

RIO GRANDE 06

PELOTAS 03

SANTA MARIA 09

CAXIAS DO SUL 14

URUGUAIANA 03

OSÓRIO 09

SANTO ÂNGELO 11

EREXIM 06

PASSO FUNDO 06

VACARIA 01

FREDERICO WESTPHALEN 03

CACHOEIRA DO SUL 04

TOTAL 189

Tendo já passado pela maioria dessas CTs, podemos nucleá-las da seguinte forma:

* 40% são de inspiração e orientação católica, sendo várias delas entidades membro das Dioceses e/ou Paróquias;
* 30% são de inspiração e orientação das Igrejas Evangélicas, históricas e/ou pentecostais, todavia sempre orientadas pela espiritualidade cristã e bíblica;
* 20% são ONGs, geralmente fundadas por grupos de pessoas feridas pela doença;
* 10% são entidades privadas e, mormente, com fins lucrativos.

D) Ressocialização. É um dos campos de maior fragilidade. São poucos os projetos voltados para a reintegração social dos usuários de droga que buscam a recuperação. Algumas instituições apresentam algumas tentativas incipientes. São elas:

* PACTO - Pastoral de Auxílio Comunitário ao toxicômano
* FAE - Federação do Amor Exigente
* UNIAD - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
* FEBRACT - Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas
* FNCTC - Federação Nacional das Comunidades Terapêuticas Católicas
* FETEB - Federação de Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil
* Pastoral da Sobriedade - CNBB
* PATNA - Pastoral de Auxílio ao Toxicômano Nova Aurora, da Diocese de Caxias do Sul
* CAEX - Casa do Amor Exigente da Diocese de Pelotas
* AFRUCTO - Associação Fraternal de Recuperação Universal, na Arquidiocese de Porto Alegre
* Rede de Fazendas do Senhor Jesus, fundada pelo Pe. Aroldo Hann SJ
* Rede de Fazendas Esperança, fundada pelo Frei Hans OFM

E) Políticas Públicas. Neste jargão se enquadram aquelas iniciativas dos poderes públicos (sobretudo executivo e judiciário) que pretendem agir de forma integrada no combate à drogadição. Nos municípios se criam os COMENs - Conselho Municipal de Entorpecentes, também chamados de COMAD - Conselho Municipal Anti Droga. No Estado existe o correlato CONEN - Conselho Estadual de Entorpecentes; e em Brasília, a SENAD - Secretaria Nacional Anti Drogas. São organismos muito frágeis, pois, geralmente não dispõe de recursos financeiros e os recursos humanos não são suficientemente preparados. No RS existem apenas 50 COMENs, dos quais 25 funcionam. Quem mais tem ajudado, de fato, é o Ministério Público, através da instituição da JUSTIÇA TERAPÊUTICA e dos conselhos paritários: COMDICA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar.

Desde 2001, a CNBB Sul 3 tem procurado consolidar uma PASTORAL DA SOBRIEDADE no Regional. Várias foram as iniciativas, algumas delas com maior sucesso, outras mais minguadas. No momento, um pequeno grupo procura manter a chama acesa, sobretudo com as seguintes iniciativas:

* Realização de um encontro regional de articulação por ano (média de 50 participantes)
* Realização de um encontro regional de formação por ano (média de 40 participantes)
* Visitas à instituições de recuperação (quando solicitados)
* Participação em congressos e eventos de caráter nacional, promovidos pelas federações
* Outros

Cabe ainda uma pergunta final: como dinamizar a Pastoral da Sobriedade nas no Regional Sul 3 e nas Dioceses?

* Trabalhar em íntima união com o ECODIPA
* Continuar promovendo atividades formativas e de articulação
* Intensificar as visitas às instituições, uma diocese de cada vez, em ações coordenadas pela coordenação diocesana de pastoral
* Manter o espírito de unidade na diversidade.
* Buscar a criação de grupos de apoio na perdas em todas as Paróquias do Regional Sul 3.

Estes são alguns apontamentos iniciais para uma discussão mais ampla do fenômeno da drogadição, suas implicações para a Igreja e as possibilidades de engajamento para a superação progressiva desta chaga social e também eclesial.

Cachoeira do Sul, 11 de fevereiro de 2010.
na festa de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira dos enfermos

Pe. Vitor Hugo Gerhard

 

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