Já temos bastante informação e análise sobre como chegamos à eleição de Jair Bolsonaro.
Por Elaine Tavares*
Na conversa com companheiros radialistas e jornalistas, no Seminário Internacional Direito Humano à Comunicação, promovido pela Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicação da Assembleia Legislativa, nesta terça-feira, dia 27 de novembro, apontei alguns elementos para a análise da realidade política e do jornalismo.
Já temos bastante informação e análise sobre como chegamos à eleição de Jair Bolsonaro, sendo ele a representação dos anseios de uma boa parcela da população que já havia mostrado seus desejos explicitamente quando tomou as ruas em 2013. As pessoas pediam pelo combate à corrupção (porque estavam influenciadas pelas denúncias contra o PT, que sempre foi um guardião da moral e agora tinha suas vísceras expostas) e pela volta dos militares (porque tomadas pelo medo que sistematicamente é induzido também pelos meios de comunicação comerciais em programas estilo Datena).
Naqueles dias, em vez de compreender e desvelar criticamente os motivos que levavam as pessoas a querer intervenção militar, passou-se a ridicularização dos seus discursos.
Enquanto isso, grupos em blogs e canais do Youtube organizados (financiados por partidos de direita e por organismos internacionais), usando do direito à comunicação alternativa, iam fortalecendo e oferecendo cada vez mais motivos para que essas pessoas seguissem querendo o que queriam em 2013. Mamãe Falei, Revoltados on line, MBL e muitos outros vicejaram e nadaram de braçada no meio desse pessoal.
. Assim, atuando em uníssono com a mídia comercial, uma série de outros pequenos grupos de comunicação, foi tecendo redes de confiança, buscando apoiar e fortalecer essas pautas. Jair Bolsonaro então aparece como o cara que poderia incorporar esses discursos e ser uma alternativa ao PT e a “tudo isso que tá aí”. Ele não nasce do nada, ele unifica um desejo que estava nas ruas e nas pessoas.
No campo da esquerda, as vozes mais radicais foram ofuscadas pela defesa, muitas vezes cega, do PT. Na denúncia do golpe, de Dilma e de Lula, não aparecia uma resposta para os anseios daquela parcela da população que, por conta das redes sociais, adquiria agora o espaço público para falar e expressar seus desejos.
Houve quem prestou atenção nisso e foi construindo o candidato perfeito. E tudo se fez fora dos grandes meios – ainda que os meios tenham arado muito bem a terra. A partir dos blogs, Youtube, feicibuque e uatizapi o diálogo foi se fazendo. As mentiras foram a cereja do bolo. Cada uma delas fortalecia o medo, a raiva, o preconceito que já habitava no coração das gentes. Comunicação simples, direta, bombástica.
E foi a mentira, amalgamada ao personagem criado (Bolsonaro) que trouxe a vitória. Nem Bolsonaro é quem as pessoas pensam que é, nem as coisas que afirmava são verdadeiras, nem fará o que prometeu. Mas, por enquanto, isso não importa. O discurso vencedor foi o que foi construído com a mentira.
Nossa comunicação
A comunicação popular, independente e alternativa, no espectro majoritário, ficou refém da defesa do PT e do Lula, sem problematizar com criticidade a pauta que vinha das ruas e da massa inflamada pelas mentiras disseminadas nas redes sociais. Foram dois anos até que chegassem as eleições. Dois anos, nos quais o terreno foi arado e a semente plantada. Nesse tempo o discurso raivoso de uma parcela da população seguiu sendo tratado com desdém e ridicularizado. Quando se percebeu o poder que crescia nas redes, com a pauta conservadora tomando conta também da classe trabalhadora e do lumpesinato, foi tarde demais. O estrago já estava feito e não seria nos poucos dias antes das eleições que isso mudaria.
Agora, vencida batalha pelo discurso fundamentalista/ ultraliberal e conservador o que resta a nós, comunicadores?
Primeiro: Não continuar com a tática de ridicularizar e diminuir os sujeitos que vão formar o novo governo. Há que desvelar o que eles farão, suas propostas, seus atos. Discutir com seriedade e com verdade. Não adiante dizer que o Alexandre Frota fez filme pornô. Ele já foi perdoado. E para a massa evangélico/cristã, quem se arrepende e é perdoado está limpo. Isso não cola. O que pode colar é o que ele fará, seus atos contra o povo, ou seja, a verdade material e política, não o julgamento moral.
Segundo: No nosso campo, o da comunicação, fazer um trabalho sério de jornalismo, coisa que há muito tempo não se vê. Não se vê nos meios comerciais – por isso a imprensa é apontada como mentirosa – e pouco se vê no jornalismo alternativo de esquerda. É tempo de praticar o jornalismo mesmo, esse que é forma de conhecimento e cuja forma de fazer já foi desvelada com maestria por Adelmo Genro Filho. Narrar os fatos na sua singularidade, mas fazendo com que o leitor possa compreender a universalidade do tema, para que esse leitor/espectador possa realmente compreender a coisa.
Sei que isso não é coisa fácil, exige comprometimento e muito trabalho, por isso penso que essa proposta demorará para encontrar eco. É mais fácil responder na mesma moeda, com preconceito, com o fígado, com mentiras também. Sim, há mentiras sendo divulgadas por companheiros nossos também. Mas, como jornalista, não vejo outro caminho. No campo da política teremos de encontrar a forma de vencer a batalha do discurso com formação dos trabalhadores via partidos, sindicatos, movimentos etc... Acolhendo seus medos, seus desejos e discutindo generosamente, sem julgamentos morais.
E, na comunicação, nosso trabalho tem de ser a garantia do bom jornalismo, o que investiga, o que checa a veracidade, o que desvela, o que mostra as contradições. O jornalismo como forma de conhecimento.
Se a comunicação é um direito humano, não podemos defender qualquer comunicação. Já vimos o terror que pode ser. Penso que é hora de adjetivar essa comunicação, trabalhando com o conceito de uma comunicação veraz, capaz de dar resposta à mentira. E, seguindo a sugestão do amigo Glauco Marques, também substantivar essa comunicação. Porque se hoje ela é dominada pelos monopólios, pelos conglomerados gigantescos, haveremos de ter de fortalecer a comunicação dos trabalhadores, sendo então ela, nossa e veraz, capaz de ajudar as gentes a compreenderem o mundo.